Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, dezembro 08, 2006

DORA KRAMER MOROSIDADE EXASPERANTE


Dora Kramer, no Estado de S.Paulo

Transcorridos 40 dias de crise nos aeroportos, soa impertinente, para dizer o mínimo, o aviso do ministro das Relações Institucionais, Tarso Genro, de que o governo não agirá com 'pressa neurótica' na administração do problema, pois prefere arcar com o desgaste político a pôr em risco a segurança dos passageiros.

A atitude do ministro, reflexo da posição do presidente da República, com quem Tarso Genro havia acabado de se reunir quando fez a infeliz declaração, mostra como o governo deu-se conta com atraso da enormidade da coisa.
Só isso explica o fato de o ministro considerar açodadas as cobranças por alguma ação oficial que denote um mínimo de sensibilidade em relação ao stress, os prejuízos e o total inusitado da situação que há mais de um mês infelicita os milhões de pessoas subtraídas em seu direito de ir e vir de avião.

Não é por acaso que o ministro fala em 'desgaste político'. A referência sinaliza exatamente a motivação do governo para se mexer depois de semanas de indiferença, silêncio e desencontro de versões. Só se movimentou quando percebeu que haveria malefícios políticos. Exatamente o contrário do que, da boca para fora, externa o ministro Genro.

Até então, antes de serem feitas as contas do desgaste, o presidente Luiz Inácio da Silva mantinha-se em sossego, cuidando de outras questões mais importantes com o PMDB, o PC do B, o PT, o PSB, o PDT. Nos intervalos, gastava tempo e energia tentando reunir em palácio a oposição para uma foto publicitária.

A crise estourou às vésperas do segundo turno da eleição. Reeleito, o presidente Lula fez uma reunião com a Aeronáutica e o ministro da Defesa, pediu providências e embarcou de Aerolula para a praia, enquanto começava o interminável calvário dos passageiros nos aeroportos.

Voltou de férias e deixou a coisa correr frouxa até que o Congresso acordou (tarde) e no dia mais crítico dos atrasos, desta vez atribuídos a falhas no sistema de comunicação do Cindacta 1, em Brasília, resolveu cobrar uma atitude com veemência até então dispersa nas reclamações de um ou outro parlamentar.

Os passageiros nessa altura já tinham invadido pistas dos aeroportos, guichês de companhias aéreas, acionado os Procons, a Justiça, patrocinado brigas homéricas com os funcionários das empresas, mas não tinham conseguido fazer com que nenhuma autoridade desse repercussão e conseqüência a suas aflições.

O máximo que se ouviu, e ainda assim só recentemente, foi uma versão sobre a 'insatisfação' do presidente com o desempenho do ministro da Defesa, Waldir Pires, de quem, consta, Lula cogita a demissão.

Ah, sim, caiu também o chefe militar dos controladores de vôo. Como se o problema se resolvesse com demissões de chefia, solução tipicamente referida na mentalidade sindicalista que no início pautou a decisão de nomear o ministro do Trabalho para 'abrir negociações' com os controladores, ouvidas as suas reivindicações.

Do presidente da República, que tantas opiniões emite, tantos conselhos fornece e tantas palestras profere sobre os mais diferentes assuntos, nem uma só manifestação dirigida ao desrespeitado público pôde ser observada.

A palavra fácil parece fugir a Lula quando o assunto é espinhoso, constrangedor e requer objetividade. O presidente agiu assim no auge dos escândalos de corrupção e age da mesma forma diante da crise dos aeroportos, não dá entrevistas e só agora fez do ministro Tarso Genro o porta-voz, cuja estréia no tema se deu como se os atrasos nos vôos fossem coisa recente e a exasperação reinante fruto de 'pressa neurótica'.

Com atraso de muitas semanas ocorre aos ocupantes do Palácio do Planalto que existe no País um grave problema de Estado, a ser resolvido como tal. Surpreso ante a urgência, o ministro Genro pede calma, fala na segurança dos passageiros em tom de grande novidade, quando o pânico já está instalado, e tergiversa, dissertando sobre a culpa das companhias aéreas, quando em jogo está a responsabilidade oficial.

É óbvio, como diz o ministro, que elas não estão 'preparadas para atender os passageiros em momentos de crise'. Mas este é um despreparo bem menor que o exibido pelo governo, que sequer consegue dizer qual o seu verdadeiro tamanho e quais suas reais razões.

Quando fala em 'pressa' num episódio há 40 dias em fase aguda e se desvia do foco, apontando para a conseqüência - o tumulto nos balcões de atendimento - e não para a causa da questão, o ministro mostra falta de engajamento e ausência de noção sobre como resolver esse problema.

Se o que ocorre agora é produto do acúmulo de falhas antigas, natural seria que houvesse pelo menos um plano de emergência para reduzir o caos.

Mas o que se viu foi o poder público abúlico, à espera de um milagre, perdido na incapacidade de identificar o nó da questão, carente de autoridade para desatá-lo a qualquer custo e indiferente à necessidade da população de ser informada sobre o que acontece e orientada a respeito de como agir.

Pedir paciência é abusar da já inexistente paciência do público.

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