Entrevista:O Estado inteligente

sábado, setembro 02, 2006

veja O mundo lê, vê e ouve os atentados


 

Do declínio da comédia à ascensão
da música engajada, do escapismo
no cinema à explosão do Islã no
mercado editorial, como a cultura
absorveu o choque

TELEVISÃO

Os atentados ajudaram a derrubar as comédias do seu tradicional posto de liderança na audiência: calcula-se que nos últimos anos tenham sido extintos mais de 400 empregos de roteiristas e diretores especializados no gênero na televisão americana. Seriados livres, leves e soltos como Sex and the City, em que Sarah Jessica Parker e suas amigas corriam atrás de namorados e de sapatos caros, e em que Nova York aparecia como um centro de prazer e badalação, também sumiram de cena, e não consta que se planejem substitutos. Na televisão, a síntese destes novos tempos está em Jack Bauer, o agente antiterrorismo vivido por Kiefer Sutherland na série 24 Horas. O programa, que estreou no ano do 11 de Setembro e acaba de obter sua maior consagração no Emmy, o Oscar da TV nos Estados Unidos, apresenta um herói como até então seria impensável no horário nobre de uma rede aberta no país. Em nome da urgência do combate ao terror, Bauer passa por cima dos manuais de conduta e adota uma ética própria ao quadro da guerra ao terror: não hesita em torturar suspeitos e volta e meia aparece em conchavos com o presidente, nos quais métodos pouco ortodoxos de espionagem são tratados abertamente. Eis o caminho que se percorreu da última década a esta – de sex and the city a terror and the city.

 

CINEMA

 

Fotos divulgação
ANTES
Em Força Aérea Um, Ford era o presidente que tinha seu avião tomado por terroristas. Pura fantasia, achava a platéia
DEPOIS
Apenas começando a sair de uma fase dominada pelo escapismo, o espectador ainda não quer realismo como o de Vôo 93

Sem respostas sobre como lidar com o mundo pós-11 de Setembro, Hollywood recorreu à saída de sempre: o escapismo. Nesse "qüinqüênio da fantasia", os dólares vieram de O Senhor dos Anéis, As Crônicas de Nárnia, Harry Potter, King Kong, Guerra nas Estrelas, Homem-Aranha e Piratas do Caribe – quanto mais distante do mundo real, melhor, concordaram platéia e estúdios. Produções como Força Aérea Um, uma das grandes bilheterias dos anos 90, em que Harrison Ford enfrentava terroristas no avião presidencial, hoje parecem possíveis demais para se prestar ao entretenimento. De um ano para cá, porém, Hollywood começou a enfrentar novos medos. Steven Spielberg saiu na frente, tratando primeiro do temor do caos imposto por "alienígenas", em Guerra dos Mundos, e depois do ciclo de vingança entre israelenses e palestinos, em Munique. O cinema de ação tomou posse do tema do terror nas alturas, do estiloso Plano de Vôo, com Jodie Foster, aos modestos Vôo Noturno e Serpentes a Bordo. Mas há uma coisa para a qual a platéia americana ainda não parece estar pronta: os fatos. Vôo 93, que recria os eventos a bordo do Boeing 757 que os passageiros derrubaram, é o melhor de todos esses filmes – e o menos visto deles.

 

MÚSICA

 

Jonas Ekstromer/AP
Douglas Mason/Getty Images
ANTES
Afrontas de caráter sexual ou religioso como as de Madonna eram a única chance de polêmica no pop
DEPOIS
Bruce Springsteen, o número 1 do rock americano, primeiro homenageia os bombeiros – e daí parte para o protesto

Depois de meio século de ostracismo, a política voltou a dar samba – ou pelo menos rock. Dada como morta desde os anos 70, a boa e velha canção engajada ganhou, com os atentados, uma capacidade de polarizar opiniões como antes só Madonna e suas afrontas pareciam ter. Seja pelo viés mais dócil da homenagem às vítimas, seja em tom de contestação, dezenas de artistas se apressaram em subir nesse bonde. O primeiro tributo partiu de Paul McCartney, que presenciou o atentado contra a segunda torre e gravou às pressas Freedom, para incluí-la no disco Driving Rain. O inglês David Bowie dedicou dois CDs a Nova York: Heathen e Reality, que falam do dia-a-dia da cidade após a tragédia. O roqueiro (e democrata) que os americanos mais amam, Bruce Springsteen, lançou o disco The Rising, celebrando os bombeiros que morreram nas Torres Gêmeas, seguido neste ano por um álbum de clássicos da canção de protesto. Mais espevitadas, as Dixie Chicks, ícones do country, atacaram na primeira hora o presidente Bush e a decisão de invadir o Iraque – e viram-se elas próprias transformadas em alvo de protestos. Essa maré pró-governo já arrefeceu nos Estados Unidos. O canadense Neil Young gravou todo um álbum, Living with War, dedicado a pedir o impeachment de George W. Bush. E foi muito bem recebido.

 

LIVROS

Cronista maior da classe média americana, que escandiu em livros como os da tetralogia Coelho, o escritor John Updike acaba de adotar um personagem completamente inusitado no âmbito de sua carreira: o protagonista do recente Terrorist, ainda inédito no Brasil, é um jovem fanático muçulmano, meio irlandês e meio egípcio, que está decidido a mandar alguma coisa pelos ares. Updike não é um caso isolado. O 11 de Setembro mudou o foco da inspiração de vários outros grandes autores de língua inglesa, como o britânico Ian McEwan, cujo Sábado se passa em um dia de protestos contra a Guerra do Iraque em Londres, e o americano Philip Roth, que em Complô contra a América cria uma história alternativa dos Estados Unidos, sombreada pela ameaça do governo Bush e de seu Patriot Act à liberdade individual. Não só a criação, mas também o mercado foram sacudidos pela queda das Torres Gêmeas. Em todo o mundo, explodiram as vendas de títulos sobre o Oriente Médio e a cultura islâmica. Já em outubro de 2001, Uma História dos Povos Árabes, do inglês Albert Hourani, aparecia na lista dos mais vendidos de VEJA, pela primeira vez desde que fora lançado, em 1994. Esse interesse se expandiu desde então, como demonstra o sucesso atual do romance O Caçador de Pipas, de Khaled Hosseini, e da reportagem O Livreiro de Cabul, de Asne Seierstad, ambos sobre o Afeganistão.

 

 

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