Entrevista:O Estado inteligente

sábado, setembro 02, 2006

veja ENTREVISTA: MARTHA CRENSHAW


Os filhotes da Al Qaeda

A especialista americana diz que
no mundo pós-11 de Setembro
será preciso destruir a ideologia
difundida por Bin Laden

 

Mohamed Azakir/Reuters

IMPACTO VISUAL
Ataque que matou Rafik Hariri, ex-primeiro-ministro libanês, em 2005: os terroristas preferem explosões

A cientista política americana Martha Crenshaw, professora da Universidade Wesleyan, em Connecticut, nos Estados Unidos, dedica-se a estudar o terrorismo há três décadas. Autora de alguns dos clássicos sobre o tema, como Terrorismo em Contexto, de 1995, e Enciclopédia do Terrorismo Mundial, de 1997, ela foi, em 2002, consultora do secretário-geral Kofi Annan para ajudar a ONU a desenvolver políticas contra o terrorismo. Crenshaw concedeu, por telefone, a seguinte entrevista ao editor Diogo Schelp.  

O QUE MUDOU NO TERRORISMO DEPOIS DOS ATENTADOS DE 11 DE SETEMBRO?
Os ataques de 11 de setembro introduziram um grau de organização e uma capacidade de destruição que não existiam nos atentados terroristas. A operação envolveu dezenove terroristas, o seqüestro de quatro aviões e três grandes alvos. Mas não houve nada tão grandioso desde aquele dia. Isso deixa uma dúvida: os ataques de 11 de setembro criaram um modelo ou os terroristas simplesmente tiveram muita sorte e nunca mais vão conseguir algo igual? O fato é que o 11 de Setembro marcou o início de um período de atentados inspirados na Al Qaeda, mas não necessariamente organizados por essa rede terrorista. Hoje em dia, poucos ataques estão intimamente conectados à Al Qaeda. Os atentados de Londres, em 2005, Madri, em 2004, ou mesmo os do Marrocos, em 2003, e da Tunísia, em 2002, têm claramente a inspiração em Bin Laden, mas foram feitos por grupos autônomos, capazes de agir por conta própria.

O MUNDO ESTÁ MENOS SEGURO DEPOIS DO 11 DE SETEMBRO?
O que nos deixa com a sensação de estarmos menos seguros é a consciência de que um pequeno grupo de terroristas pode infligir danos enormes sem que nada possa nos alertar para o perigo. A Al Qaeda, no entanto, não representa uma ameaça à existência global. A possibilidade de guerra nuclear, durante a Guerra Fria, nos deixava muito mais inseguros, porque estava em jogo a própria presença humana sobre o planeta. Pessoas que, como eu, viveram aquele período ficam se perguntando: como conseguíamos levar uma vida normal sabendo que a qualquer momento todos nós poderíamos ser aniquilados? O terrorismo não seria capaz de produzir algo assim.  

MAS SEMPRE EXISTIU O TEMOR DE QUE OS TERRORISTAS PODERIAM TER ACESSO À BOMBA ATÔMICA OU USAR ARMAS BIOLÓGICAS E QUÍMICAS CONTRA CIVIS. POR QUE ATÉ HOJE ISSO NÃO ACONTECEU?
As tentativas de terroristas de dispor de armas atômicas, pelo que sabemos, foram muito amadoras. Quanto às armas químicas e biológicas, é realmente surpreendente que o ataque de 1995 ao metrô de Tóquio com gás sarin nunca tenha sido imitado. A lógica do terrorismo é que, se um grupo foi capaz de fazer, logo outro vai seguir o exemplo. Há pelo menos dois motivos para os terroristas não terem se tornado adeptos desses métodos. Primeiro, porque eles gostam mesmo é de explosão. As bombas têm um efeito visual impactante e psicologicamente eficiente. Para os terroristas, envenenar suas vítimas não tem o mesmo significado e não fica tão bem na televisão. O segundo motivo é que os agentes químicos e biológicos têm prazo de validade e são difíceis de produzir, manusear e espalhar.  

QUAL A DEFINIÇÃO MAIS ATUAL PARA TERRORISMO?
O terrorismo é basicamente uma estratégia de luta que consiste em usar a violência para causar um efeito psicológico intimidador. O objetivo não é provocar estrago militar no inimigo, mas assustar quem vê o atentado de fora – pela televisão, por exemplo. O efeito disso na população costuma ser maior do que o ato de violência em si. O terrorista é, em geral, um inimigo mais fraco que as forças de segurança nacionais e, por isso, precisa se esconder para atingir seu objetivo de destruição.

COMO DIFERENCIAR TERRORISTAS DE GUERRILHEIROS? O HEZBOLLAH, NO LÍBANO, POR EXEMPLO, ORA É CLASSIFICADO EM UM, ORA EM OUTRO GRUPO.
Depende da estratégia que eles adotam em determinado momento. A linha entre guerrilha e terrorismo é tênue. A guerrilha tem por regra usar o elemento surpresa para fazer ataques a alvos militares, porque costumam ser a parte mais fraca do conflito. Emboscadas, corte de redes de eletricidade e destruição de pontes, por exemplo, são métodos de guerrilha. Os guerrilheiros tornam-se terroristas quando direcionam a violência para civis. Quando o Hezbollah dispara foguetes contra cidades israelenses com o objetivo explícito de matar civis, está agindo como um grupo terrorista. Em algumas circunstâncias, quando organizados para criar um impacto psicológico na população, os ataques a alvos militares também podem ser interpretados como terrorismo.

OS ESTADOS UNIDOS ESTÃO VENCENDO A LUTA CONTRA O TERRORISMO?
A única vitória foi ter feito da velha Al Qaeda uma organização inviável. Muitos de seus líderes foram eliminados, e o grupo não tem mais a capacidade de agir com a mesma facilidade e rapidez de antes. Ainda falta capturar Osama bin Laden e Ayman al-Zawahiri, os idealizadores da Al Qaeda. O problema é que, ao concentrarmos os esforços em perseguir os líderes do grupo, não fomos capazes de atacar a ideologia que deu luz ao movimento. Falta descobrir uma maneira de fazer isso. O resultado é a difusão do modelo da Al Qaeda para outras partes do mundo, com a criação de células terroristas autônomas e autoconvocadas. Quanto à guerra no Iraque, se a considerarmos como parte do combate ao terrorismo, fica claro que a ocupação do país árabe foi uma decisão desastrosa do presidente George W. Bush. Ao invadirem o Iraque, os Estados Unidos perderam um bom naco da simpatia conquistada em todo o mundo após os ataques de 11 de setembro. A política americana no Iraque tornou a cooperação internacional contra o terrorismo ainda mais difícil. O Iraque provocou tensões desnecessárias entre os Estados Unidos e alguns de seus aliados na Europa. Para completar, a guerra no Iraque está servindo de nova motivação e justificativa para o terrorismo islâmico.  

A PRINCIPAL MOTIVAÇÃO DOS TERRORISTAS ISLÂMICOS NÃO É SIMPLESMENTE DESTRUIR A CIVILIZAÇÃO OCIDENTAL?
Não creio que os terroristas pretendam sinceramente destruir a civilização ocidental em si. O objetivo fundamental desses terroristas é estabelecer Estados islâmicos em determinados territórios. A questão é saber até que ponto eles querem expandir sua revolução islâmica. Todos os grupos islâmicos têm um elemento nacionalista, inclusive a Al Qaeda. Bin Laden e Zawahiri querem a revolução islâmica na Arábia Saudita e no Egito. Bin Laden também queria expulsar as tropas americanas da Arábia Saudita, porque se trata de um território sagrado para o Islã. De fato, os Estados Unidos acabaram retirando seus soldados de lá. Antes do 11 de Setembro, uma das principais atividades de Bin Laden era apoiar movimentos nacionalistas nas ex-repúblicas soviéticas, na Bósnia, na Somália e no Iêmen. O que preocupa é a existência de um sentimento jihadista mais amplo, mais emocional do que político, baseado em um desejo de provocar muitas mortes sem se interessar pelas conseqüências. A origem desse sentimento está na busca por vingança como uma forma de superar a humilhação que alguns muçulmanos sentem em países ocidentais. Terroristas com esse perfil, como os que organizaram os atentados de Londres, no ano passado, são uma das grandes novidades do mundo pós-11 de Setembro

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