Há cinco anos, o mais ousado ataque terrorista atingiu o coração de Nova York. Suas ondas de choque são sentidas até hoje
Diogo Schelp e Isabela Boscov
Foto AP |
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Na segunda-feira dia 11, completam-se cinco anos dos atentados terroristas que derrubaram as torres do World Trade Center, em Nova York, parte do prédio do Pentágono, em Washington, e feriram os Estados Unidos, pela primeira vez, no coração de seu próprio território. Para os milhões de pessoas que, no dia 11 de setembro de 2001, assistiram à tragédia ao vivo, pela TV, ficou claro imediatamente tratar-se de um daqueles fatos que modificam o curso da história. Na reportagem das páginas seguintes, VEJA mostra cinqüenta mudanças impactantes provocadas ou aceleradas pelo ataque terrorista. Algumas dizem respeito ao dia-a-dia mais próximo: um clima de insegurança se propagou, a vigilância sobre as pessoas cresceu e atividades como programar uma viagem e embarcar num avião já não são lúdicas e prazerosas quanto antes. Outras atingem valores e visões de mundo. A religião se misturou novamente de maneira perigosa com a política, o Ocidente e o Islã se chocaram. Outras, ainda, dizem respeito às relações internacionais. Na resposta à ameaça terrorista, os Estados Unidos se assumiram como império, e isso teve impacto em suas relações com todos os demais países – sejam eles aliados, sejam eles inimigos.
Interessante notar também que a ousadia do terror islâmico abalou estruturas, mas não teve repercussões tectônicas na vida civilizada. Os terroristas de Osama bin Laden não conseguiram interromper, nem mesmo desacelerar, o ritmo da globalização econômica – fenômeno que melhor define o mundo que começou a se formar depois do fim da Guerra Fria. Os atentados de 11 de setembro não frearam o comércio internacional, o fluxo de capitais nem o encurtamento da distância entre países e pessoas através dos meios de comunicação e de transporte. Nesse sentido, a queda do Muro de Berlim, em 1989, foi um acontecimento histórico mais decisivo do que o 11 de Setembro, porque alterou de maneira profunda a estrutura do poder global. No bojo daquele evento veio o desmoronamento da União Soviética, em 1991 – e com ele o fim da era em que os soviéticos, comunistas, e os americanos, capitalistas, equilibravam suas forças hegemônicas. Para a maioria dos historiadores, os arranjos geopolíticos globais definidos pelo esfacelamento da URSS ainda são os que prevalecem. O terror islâmico, pelo inesperado, conseguiu lançar ondas de choque. Elas continuam se propagando pelo mundo, tornando a vida mais nervosa e insegura, mas não fundamentalmente diversa da que existia.
Peter Eckel/AP | Ho New/Reuters |
ANTES As torres gêmeas reinavam imponentes no cenário de Manhattan, em Nova York | DEPOIS Projeção em computador da Torre da Liberdade, que vai ocupar o lugar das torres gêmeas |
Essa sensação de que o edifício da vida, mesmo abalado, continua intacto pode ser apenas uma negação psicológica? Talvez. O economista inglês John Maynard Keynes observou, em 1919, um comportamento curioso das pessoas que viveram as turbulências causadas pela I Guerra Mundial: no fim do conflito, muitas se negavam a reconhecer que a vida delas havia mudado. Os atentados de 11 de setembro podem ter disparado um mecanismo defensivo semelhante? O argumento corrente é que atribuir a um punhado de fanáticos suicidas a capacidade de mudar o mundo significa dar-lhes um valor exagerado. Essa idéia é verdadeira, mas não leva em conta o outro lado da questão: se um ataque terrorista sozinho não é capaz de colocar em movimento as engrenagens da história, a reação da maior superpotência a ele tem poder para isso. "O governo americano reagiu de maneira desproporcional ao 11 de Setembro. Bastava derrubar o Talibã, mas o presidente George W. Bush achou por bem aproveitar para invadir o Iraque", disse a VEJA o cientista político americano Francis Fukuyama, ele próprio um exemplo de transformação pós-11 de setembro: antes de 2001, Fukuyama era um dos expoentes do neoconservadorismo, ideologia em que se encaixam dois dos mais influentes membros do governo americano: o vice-presidente Dick Cheney e Donald Rumsfeld, secretário de Defesa. Neste ano, rompeu com essa turma, desgostoso com a insistência dela em resolver os problemas globais pela via militar. Diz Fukuyama: "A política externa de Bush estimulou o antiamericanismo e deu um álibi aos fundamentalistas, transformando o 11 de Setembro e a ameaça do terror islâmico em uma profecia que se auto-alimenta".
Os neoconservadores ao redor de Bush viram nos atentados a Nova York uma oportunidade para reformular a política externa americana, introduzindo o princípio do ataque preventivo (segundo o qual é justo fazer guerra a países que possam representar uma ameaça futura) e a idéia de que não é necessário ter a aprovação da comunidade internacional para interferir em outros países. Com isso, os Estados Unidos assumiram um papel que já vinham desempenhando com timidez durante a década de 90, nos anos que se seguiram ao fim da Guerra Fria: o de potência imperial, imbuída da missão de levar estabilidade ao mundo. O custo de se assumir como império veio de duas formas. A primeira foi a tensão que se criou com aliados vitais dos Estados Unidos, como a Alemanha e a França, insatisfeitos com a opção dos americanos pelo unilateralismo. O segundo ônus da reação imperial do governo Bush aos atentados de 11 de setembro foi dar munição para a Al Qaeda e outras vozes fundamentalistas acusarem os americanos de promover uma cruzada contra o Islã. Os Estados Unidos, é bom lembrar, foram atacados primeiro. Sob a ótica de muitos muçulmanos, no entanto, a presença de tropas ianques em território islâmico, como no Afeganistão e no Iraque, é considerada uma ofensa em qualquer circunstância. Com isso, como provam as estatísticas dos atentados dos últimos dez anos, multiplicou-se o número de muçulmanos dispostos a morrer pelo que consideram uma luta de resistência à "cruzada americana".
A resposta ao terrorismo islâmico que mais influência teve sobre o cotidiano de uma grande parcela da população mundial, no entanto, foi a adotada dentro das fronteiras dos países democráticos. Para impedir novos ataques terroristas, governos e empresas resolveram colocar em prática medidas de segurança que têm como efeito colateral reduzir a liberdade e a privacidade dos cidadãos. Nos Estados Unidos, os agentes de inteligência podem grampear ligações telefônicas, vasculhar e-mails e inspecionar extratos bancários sem precisar de indícios consistentes de que a pessoa investigada é suspeita. Na Inglaterra, a lei foi alterada para que a polícia possa manter possíveis terroristas presos por 28 dias, sem provas. Até os sistemas de distribuição de correspondência dentro das empresas, inclusive no Brasil, foram modificados para reduzir os riscos de atentados com agentes biológicos. Um dos símbolos da liberdade da vida moderna – a facilidade para vencer longas distâncias viajando de avião – tornou-se um suplício: a experiência de voar está cada vez mais parecida com a de fazer uma visita à prisão. Não se pode embarcar com nada além de um documento. Feitas as contas, o mundo criado pelo 11 de Setembro é o mesmo, mas é pior que o de cinco anos atrás.
Thomaz Favaro e Ruth Costas
1 Surge um novo vilão global
Osama bin Laden se junta a Hitler, Stalin e Mao
no panteão dos assassinos em massa
Antes conhecido apenas por especialistas militares, o saudita tornou-se estampa de camiseta, máscara de Carnaval e até substantivo: "bin laden" hoje é sinônimo de radical (e, no inglês, de metralhadora e de um tipo potente de droga). Entre os radicais muçulmanos, o fundador da Al Qaeda tem a imagem oposta: a de herói.
Paul Richards/AFP | Tim Sloan/AFP |
ANTES | DEPOIS O "presidente da guerra" corre com mutilado da campanha |
2 Bush entrou para a história
De um presidente perdido em pequenas coisas,
ele se tornou polêmico nas grandes
Figura apática até o 11 de Setembro, George W. Bush respondeu de maneira enérgica aos ataques terroristas. Ao comandar os Estados Unidos na invasão unilateral do Iraque, ficará na história como um líder militar.
Lee Balterman/Time&Life Pictures/Getty Images | Gali Tibbbon/AFP |
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3 Hillary Clinton virou belicista
A senadora democrata, símbolo do pacifismo, tornou-se especialista em defesa para ser candidata viável à Presidência
Hillary protestou contra a Guerra do Vietnã e, como primeira-dama, defendeu a criação do Estado palestino. Provável candidata em 2008, vestiu a personagem da especialista em defesa. Os americanos querem um presidente capaz de protegê-los, e Hillary deve concorrer com Condoleezza Rice, atual secretária de Estado, cujo nome é sinônimo de segurança.
4 Os gastos militares voltam aos
tempos da Guerra Fria
O orçamento de defesa americano bateu perto de
440 bilhões de dólares. É mais que nos tempos da URSS
Nem na Guerra Fria os gastos americanos foram tão grandes quanto nesta era de combate ao terror. O orçamento reservado para o Departamento de Defesa em 2007 é de 439 bilhões de dólares, 48% mais do que em 2001. Com outros itens embutidos na legislação, ele pode somar 580 bilhões. Esses gastos se voltam para a tecnologia: o número de soldados americanos é hoje um terço menor do que uma década atrás.
5 Religião na trincheira
Matar e morrer em nome de Deus virou lugar-comum
A moda macabra do mártir muçulmano ganhou impulso em 1982, quando um membro da milícia Hezbollah matou 75 pessoas num ataque suicida a um prédio do Exército israelense. Calcula-se que apenas o Hezbollah tenha gerado 1 200 mártires entre 1982 e 1998, e hoje também mulheres e crianças se suicidam – sempre com a idéia de lutar por Alá e chegar ao paraíso.
6 Choca-se um novo "ovo da serpente"
A Espanha, a Inglaterra e a França descobrem que em seus bairros muçulmanos se gestam ódio e bombas
Atualmente, 15 milhões de muçulmanos vivem na Europa. O desafio monumental do continente é integrá-los. O perfil dos terroristas do metrô de Londres, que abriga cerca de 1,8 milhão de muçulmanos, é típico: deslocados entre a cultura dos pais e a do país onde vivem, os descendentes de imigrantes são presa fácil dos especialistas em moldar fanáticos. Cerca de 19% dos muçulmanos britânicos dizem "respeitar" Osama bin Laden.
7 A banalização da morte violenta
O número de mortos em ataques terroristas aumentou cerca de 1 000% em relação à década passada
Em 2005, o terror fez 8 359 vítimas, dez vezes mais que a média da década de 90. Essa escalada enterra a esperança de um período de relativa paz no mundo, que o fim da Guerra Fria parecia prometer.
8 Armados no Parlamento
Uma inovação no Oriente Médio: grupos terroristas elegem bancadas políticas
O Hamas venceu as eleições deste ano na Palestina. Em 2005, o Hezbollah elegeu 23 dos 128 deputados do Líbano. A Irmandade Muçulmana obteve quase 20% das cadeiras do Parlamento egípcio. Com a radicalização na região, os grupos terroristas conquistaram espaço político sem ter de se desfazer de seus braços armados.
9 O medo vem pelo correio
Cartas com anthrax fizeram com que o modo de manipular correspondências mudasse no mundo inteiro
No ataque bioterrorista mais conhecido, cartas com o bacilo provocaram cinco mortes nos Estados Unidos, após o 11 de Setembro. Mas bastou para que as empresas se prevenissem contra o contágio. No Brasil, funcionários dos Correios usam luvas para manusear a correspondência.
10 Terroristas são eles
Insurgentes históricos como o IRA e o ETA apressaram-se em depor armas para não se igualar aos islamitas
Os irlandeses e os bascos logo concluíram que era mau negócio ser confundido com a Al Qaeda e trocaram oficialmente a violência pela negociação. Os separatistas bascos do ETA não matam ninguém há quase três anos.
11 Terrorismo de poltrona
A internet tornou-se uma incubadeira de sites que ensinam a fazer bombas em casa
Em 1997, a Universidade de Haifa, em Israel, fez uma contagem de sites ligados a organizações terroristas. Encontrou doze. Na última pesquisa, foram 4 300: a internet tornou-se o principal meio para compartilhar informações, recrutar e distribuir manuais de terror.
12 As viagens aéreas perdem o charme
Viajar de avião virou sinônimo de dissabores, atraso e até humilhações. Tudo em nome da segurança
Pilotos em cabines seladas, policiais armados a bordo, talheres de plástico, revistas e, agora, um golpe na bagagem de mão: até batons são confiscados, numa barafunda de novas regras. A síntese dessa perturbação é a obrigação de tirar os sapatos – norma que nasceu em dezembro de 2001, quando um inglês foi preso com bombas nos calçados.
13 Não me mandem seus "fatigados e pobres"...
O número de vistos de entrada concedidos
pelos Estados Unidos caiu 25%
A burocracia e o rigor no exame de documentos para obtenção de vistos nas embaixadas se intensificaram. Uma modalidade de visto – o de trânsito – foi criada. Está mais difícil entrar nos Estados Unidos para fazer turismo, estudar ou realizar negócios. O número de concessões para brasileiros caiu 30%.
14 Os chips contra o terror
Até 2010, todos os países deverão adotar documentos de viagem com leitura digital
Vigiar a entrada e a saída de pessoas tornou-se prioritário para a segurança nacional. Em quarenta países, os passaportes já ganharam um chip para evitar falsificações. Até 2010, todos os países deverão ter documentos com leitura digital.
15 Videoconferências ganham força
Um meio eficaz de evitar viagens aéreas, as reuniões remotas nunca foram tão populares
O medo das viagens de avião impulsionou as videoconferências. Em 2000, foram vendidos 81.951 equipamentos para esses encontros tecnológicos a distância, segundo a empresa Seal Telecom. Em 2005, foram 136.200.
16 O americano intranqüilo
Grandes viajantes, os americanos vivem às voltas com
alertas de segurança dados por suas embaixadas
Viajar pelo mundo tornou-se uma aventura para muitos americanos. Vítimas preferenciais dos terroristas, muitos se dizem canadenses para evitar ser alvos. A página de internet do Departamento de Defesa americano que traz boletins diários sobre como está a segurança da Argélia ao Zimbábue bate recordes de visualização.
17 O Big Brother aconteceu
Câmeras seguem os passos dos cidadãos
e identificam ações suspeitas
Em todo o mundo, equipamentos de vigilância foram instalados em locais de grande concentração de pessoas. No metrô londrino, palco de um atentado que fez 56 vítimas em 2005, 6.000 câmeras vigiam os transeuntes.
Pedro Rubens | |
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18 A corrida para pôr fim à era do petróleo
Acelerou-se a busca por novos combustíveis que possam neutralizar o poder dos xeques
O Oriente Médio detém dois terços das reservas do combustível no mundo. O planeta é movido a petróleo. Por isso, intensificaram-se em todo o mundo as pesquisas de combustíveis alternativos. Etanol no Brasil, eletricidade nos Estados Unidos e hidrogênio na Alemanha. Quando o petróleo voltar a ser apenas um barro escuro cheirando a enxofre, o Oriente Médio sairá de cena.
19 Reacende-se a febre do ouro
O metal voltou a ser visto como lastro econômico
seguro para países e empresas
Antes dos atentados de 11 de setembro, 1 onça troy de ouro – medida internacional equivalente a 31 gramas – custava 275 dólares na Bolsa de Nova York. Hoje, a cotação mínima é de 620 dólares. Trata-se de um fenômeno recorrente na história: a busca pelo metal sobe em períodos de guerra ou de colapso econômico.
20 Ficou dura a vida dos doleiros
A vigilância sobre as finanças internacionais do terror praticamente acabou com as remessas clandestinas de dólares
O esforço para asfixiar economicamente os terroristas teve impacto sobre as transferências internacionais de moeda. Uma nova legislação baixada pelos americanos após os atentados ampliou as penas para remessas de recursos clandestinas. Do ponto de vista jurídico, hoje os bancos são cúmplices dos clientes corruptos.
21 Explode a inflação de custos
Despesas com segurança das empresas globais passam a ser um de seus maiores custos
Companhias passaram a gastar mais para contratar profissionais e proteger seus sistemas de dados. Uma pesquisa realizada com 331 empresas americanas mostrou que o gasto com segurança aumentou 4% nos dois anos que se seguiram ao 11 de Setembro.
Jae Hong/AP | Jeff Mitchell/Getty Images |
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22 Tudo o que se move é perigoso
Medidas de segurança rígidas inviabilizaram ou encareceram o comércio mundial de muitos produtos
Os Estados Unidos mudaram seus protocolos de importação e exportação. Exportações de tecnologia são monitoradas com vistas à segurança nacional. Importações de alimentos, só de empresas cadastradas. Portos do mundo inteiro tiveram de aprimorar sua inspeção de mercadorias. O Brasil já gastou 100 milhões de reais nesse processo.
23 Aparece o conceito de "guerra preventiva"
Os Estados Unidos declaram que podem usar seu poderio para neutralizar nações potencialmente hostis
Até 2001, os americanos seguiam o preceito de só entrar em conflitos armados quando atacados. Desde então, vale a doutrina da "guerra preventiva": os Estados Unidos têm o direito de atacar países que representem uma ameaça estratégica. Os defensores da tese, como o vice Dick Cheney, passaram a ser os homens mais consultados por George W. Bush.
Jassim Mohammed/AP | Mustafa Ozer/AFP |
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24 Surge um Iraque sem Saddam Hussein
Fazia 24 anos que o mundo identificava a antiga Mesopotâmia com o tirano de bigode e espingarda
Enquanto acumulava riquezas – ele ergueu 23 palácios para uso pessoal –, Saddam mantinha o Iraque sob um jugo sangrento. Capturado em 2003 num abrigo subterrâneo, ele hoje enfrenta julgamento por seus crimes.
25 Os "eixos do mal" se azeitam
O ódio aos EUA une o venezuelano Hugo Chávez, o iraniano Mahmoud Ahmadinejad e o sírio Bashar Assad
Chávez esteve na Síria, onde fez acordos energéticos com Assad e reafirmou o intento de construir um mundo livre da dominação americana. No Irã, trocou abraços com Ahmadinejad, que, mesmo sob pressão da ONU, insiste em ter um programa nuclear. É o trio calafrio.
26 A volta da utopia de "construir nações"
O Plano Marshall do pós-II Guerra conseguiu erguer países arrasados. Agora se tenta o mesmo com países invadidos, como o Afeganistão
Os Estados Unidos derrubaram o ditador Saddam Hussein no Iraque. Os iraquianos estão mergulhados numa guerra civil que já fez mais de 30.000 vítimas. Para os americanos, a amarga conclusão é que construir um país estável é muito mais difícil que depor um tirano.
27 A Europa reafirma suas fronteiras...
A Turquia tenta mas não é aceita na União Européia. O problema é a maioria islâmica no país
A Turquia queria ser integrada à União Européia em 2008. Agora, o prazo mais otimista é 2014. A razão é a "falta de identidade cultural" com a Europa. Ou, em outras palavras, a força do islamismo no país.
28 ...mas nega sua natureza livre
Charges sobre Maomé geram protestos, e líderes europeus relativizam a liberdade de expressão
Desde o iluminismo, o direito de criticar ou mesmo fazer escárnio até das coisas mais sagradas é um pilar cultural do Ocidente. Mas, quando países muçulmanos se enfureceram diante de charges do profeta Maomé publicadas na imprensa dinamarquesa, autoridades européias e outros veículos de comunicação defenderam a tese de que a liberdade de expressão deve, sim, submeter-se a limites impostos por outras culturas.
29 A África sofre mais
Os africanos se matavam por divergências étnicas.
Agora se matam por Alá
Quando dos atentados de 11 de setembro, os conflitos étnicos predominavam na África – como aquele que resultou no massacre de mais de 800.000 pessoas em Ruanda, em 1994. Hoje, despontam as guerras religiosas. Em Darfur, uma província do Sudão, milícias muçulmanas massacram civis de outras religiões. O conflito já deixou 200.000 mortos.
30 Israel se isola mais
O muro erguido na Cisjordânia simboliza a nova
política de consolidar fisicamente as fronteiras
A decisão de erigir uma barreira física entre territórios judeus e árabes veio em 2002. Em 2005, Israel retirou tropas e assentamentos de Gaza. A perspectiva de um Israel demograficamente tomado por árabes fez os líderes judeus mudarem de política, em busca de fronteiras definitivas.
Getty Images |
BANALIZAÇÃO DO MARTÍRIO Acima, a primeira mulher-bomba do grupo palestino Hamas posa com sua filha. Ela se explodiu em 2004 em Israel, matando quatro pessoas. O suicídio em nome da jihad se popularizou |
31 Ressurge o "cavaleiro solitário"
Os Estados Unidos passaram a ignorar acintosamente
as Nações Unidas e a agir unilateralmente
Há muito considerada um fórum irrelevante para lidar com as tensões surgidas no palco internacional, a ONU ainda não se recuperou do baque de os Estados Unidos decidirem invadir o Iraque em 2003, mesmo sem contar com autorização formal do organismo.
32 Olha eu aqui!!
A União Européia exige que os fóruns internacionais sejam centrais no combate ao terror
Apesar dos reveses da ONU e da dificuldade em aprovar uma Constituição para a União Européia, países como Alemanha e França insistem na visão de um mundo regido por cortes internacionais e órgãos multilaterais.
33 Olha eu aqui 2!!!
Colocada em segundo plano pelo terror islâmico,
a Coréia do Norte faz exibição de força nuclear
Isolado no cenário internacional, o excêntrico ditador Kim Jong-Il aumentou o clima de insegurança criado pelo 11 de Setembro para ameaçar o mundo com seu arsenal nuclear e ganhar tempo para seu regime.
34 Os EUA se assumiram como império
Da esquerda à direita, os americanos perderam
a relutância em aceitar o rótulo
Colosso militar e tecnológico, os Estados Unidos sempre hesitaram em se definir como império. A presença prolongada de forças americanas no Afeganistão e no Iraque fez com que a maioria dos americanos reconhecesse esse papel – ainda que para deplorá-lo.
35 O radicalismo cindiu os EUA
Só nos tempos da guerra civil e do Vietnã os americanos
foram tão divididos em relação ao governo
O resultado imediato do 11 de Setembro foi tornar o presidente Bush quase uma unanimidade nacional. Mas a lua-de-mel não durou: a invasão do Iraque, e sob falso pretexto, dividiu as opiniões – entre conservadores e liberais, seculares e religiosos, entre os que amam e odeiam Bush.
36 A Rússia volta a ter poder global
Enriquecido pelo encarecimento do petróleo,
o país de Putin ressurge como potência
Os russos são os segundos maiores produtores de petróleo do mundo, e a injeção inesperada de recursos, causada pela explosão no preço do combustível, deu ao país cacife para voltar a mostrar os dentes. A Rússia trabalha para aumentar o comércio e a cooperação militar com a China emergente e o imprevisível Irã.
37 A China se aproveita
O desrespeito aos direitos humanos na potência
emergente foi esquecido
A potência asiática é líder em número de execuções, censura a internet, bane sindicatos e reprime minorias. Mas ninguém mais toca no assunto. Na era do terror, ela ganhou peso político extra graças às suas relações com a Coréia do Norte, a Rússia e o Irã.
38 Meca para os muçulmanos
Os Estados Unidos retiram suas tropas da Arábia Saudita para atenuar a impressão de interferência no mundo árabe
Em 2003, os americanos retiraram do país 7.000 militares do contingente instalado por lá desde a Guerra do Golfo. A deposição de Saddam Hussein tornou supérflua essa força de proteção, que sempre gerou animosidade – é na Arábia Saudita que está a cidade mais sagrada do islamismo.
39 Surgem países "muy amigos"
Países como o Paquistão ao mesmo tempo
abrigam extremistas e os caçam
O Paquistão reconhecia o regime do Talibã e dava abrigo à Al Qaeda. Oficialmente, agora o governo coopera com americanos e ingleses na guerra ao terror. Mas faz vista grossa para as madraçais, as escolas religiosas que ensinam uma versão ultraconservadora do Corão.
40 A Al Jazira abre o véu do mundo árabe
A rede de televisão do Catar oscila entre ser
a porta-voz do terror e a CNN muçulmana
Mostrar o mundo pelo prisma muçulmano é o trunfo do canal sustentado pela família real do Catar. A rede virou referência na cobertura jornalística das crises que envolveram o mundo árabe quando passou a transmitir via satélite seu noticiário. E ela é também o meio favorito do terror para divulgar suas mensagens.
41 A imprensa se apequenou
Desde o macarthismo o jornalismo americano não
se mostrava tão tímido e chapa-branca
A jornalista Judith Miller, do New York Times, foi presa por não revelar uma fonte, e Matt Cooper, da revista Time, também quase foi para o xadrez pela mesma razão. Esse tipo de intimidação, mais o ambiente de patriotismo exacerbado do pós-11 de Setembro – em que qualquer crítica soava como dissensão –, quase deixou banguela a imprensa americana.
42 O campeão das liberdades as cerceia
O governo americano ampliou os poderes
para vigiar, investigar e prender cidadãos
Os direitos individuais nos Estados Unidos, país cuja Constituição é um dos pilares da democracia moderna, sofreram um duro golpe com a aprovação do Patriot Act, em 2001. O pacote de leis permite ao governo monitorar conversas telefônicas de suspeitos de terrorismo sem necessidade de autorização judicial. Também permite manter estrangeiros presos por até sete dias sem acusação formal.
43 Guantánamo redefinida
A base americana em Cuba era uma questão nacionalista para Fidel Castro. Tornou-se centro do debate sobre os limites constitucionais no trato de prisioneiros
Instalado pelos americanos numa área arrendada de Cuba em caráter perpétuo, o centro de detenção de Guantánamo hoje abriga 460 suspeitos de terrorismo. O governo não dá a eles o status de "prisioneiros de guerra". Eles estão no limbo jurídico, presos por tempo indeterminado, sem acusação formal e sem a possibilidade de ser julgados por um tribunal legítimo.
44 O Japão pega em armas
Pela primeira vez desde a II Guerra o Japão participa de um conflito, mandando tropas ao Iraque
A Constituição japonesa proibia investidas militares em outros países. Com o aumento do terrorismo e a tensão constante entre o país e a Coréia do Norte, isso mudou. Mil soldados japoneses se juntaram às forças da coalizão no Iraque, e o Japão já fala em reformar suas leis.
45 Surge uma atração fatal
O buraco que se abriu no lugar das torres tornou-se a maior atração turística de Nova York
O Marco Zero, como é chamado o vazio que se formou onde estavam as Torres Gêmeas, disputa hoje com o Empire State Building, a Estátua da Liberdade e o Central Park o posto de a atração mais visitada da cidade. A construção de um novo complexo no lugar já começou, e deverá terminar em 2011. O prédio principal se chamará Freedom Tower. Com 78 andares e 1.776 pés de altura (541 metros), referência ao ano da independência americana, será o mais alto dos Estados Unidos.
Mark Wilson/Getty Images |
INFALÍVEL? Sede da CIA, o serviço secreto americano, em Virgínia, nos Estados Unidos: credibilidade abalada por erros de inteligência |
46 A CIA perdeu
a aura
Erros antes e depois do 11 de Setembro minaram a imagem da Agência Central de Inteligência americana
Motivo de orgulho para muitos americanos, a CIA não passou ao FBI dados sobre a Al Qaeda que poderiam muito bem ter evitado os atentados. Depois, voltou a fazer feio quando incluiu num relatório a informação falsa de que o Iraque possuía armas de destruição em massa. Os erros sucessivos abalaram sua influência.
47 Voar dá medo, mas voar barato não
Quem trouxe de volta os passageiros depois dos ataques com jatos comerciais foram as companhias de baixo custo
Depois do 11 de Setembro, o medo de voar, somado à alta no preço dos combustíveis e dos seguros, levou para o chão quatro das sete maiores empresas aéreas americanas e abalou o setor em todo o mundo. Nesse vácuo, as companhias de baixas tarifas ascenderam no mercado. O setor aéreo se reergueu nos últimos meses, mas com nova filosofia de corte de custos e de pessoal.
48 O comércio é a nova diplomacia
Com a ONU enfraquecida, a OMC assume o papel central nas relações internacionais
Os Estados Unidos ao mesmo tempo esvaziaram a ONU e se distanciaram, politicamente, de muitos de seus aliados. As relações econômicas e comerciais, então, passaram a ser um ponto de contato ainda mais relevante entre os países. Com sua arbitragem, a Organização Mundial do Comércio conseguiu esfriar tópicos diplomáticos quentes.
49 Viva o subúrbio
Os prédios altos perdem o valor em Manhattan e as casas baixas são valorizadas
As empresas financeiras deixaram a ilha, dando lugar a residências e empreendimentos de lazer – e muitos moradores migraram para o Queens ou o Brooklyn. Mas os investimentos imobiliários de grande porte saíram da ré: o mercado já emite sinais de que os arranha-céus vão voltar à moda.
50 A "guerra de civilizações" existe
A tese do americano Samuel Huntington sobre o choque de Islã e Ocidente andava desacreditada. Voltou à ordem do dia
A idéia publicada por Huntington em 1993 era que, passado o período das guerras entre Estados, os conflitos do século XXI se dariam entre civilizações ou entre grupos de países. Em seu entender, Islã e Ocidente são incompatíveis em seus valores, instituições e religiões, o que os levaria a uma colisão. Com os atentados, a teoria ganhou ares de profecia realizada.