Origens do Totalitarismo e seus atores
No artigo que escrevi há quase três semanas na Veja, citei Origens do Totalitarismo, de Hannah Arendt, um estudo emblemático de como as sociedades podem caminhar rumo à degenerescência, ao horror. Um coleguinha achou um exagero, um despropósito. Porque poderia haver subentendido um paralelo entre, digamos, o nazismo e o petismo. Fatos históricos muito marcantes, com o tempo, tornam-se símbolos. A República de Weimar, que assistiu à ascensão nazista, é um símbolo de como as instituições democráticas podem ir cedendo espaço ao assalto autoritário. Até que não mais resistam. E então morrem. É claro que eu torço para que a democracia brasileira sobreviva ao petismo. De maneira mais imediata, torço para que ele seja derrotado nas urnas. Mas os ingredientes de uma rendição estão todos dados.
Na política institucional, aqueles que têm o poder da representação ou estão ameaçados pela revelação das próprias falcatruas, ou estão acovardados, ou estão fazendo cálculos que miram o próprio interesse ou, coitados!, estão sós — estes são os decentes. Pegue-se agora o caso desse falso dossiê envolvendo Vedoin, petistas, sindicalistas, segurança de Lula, o diabo a quatro... Depois de todo o entorno de Lula ter caído por causa do mensalão — de que ele, claro, não sabia... —, são pegos em flagrante delito o homem de sua guarda pessoal, dois de seus mais íntimos companheiros sindicalistas — um deles marido de sua secretária particular —, e, claro, é preciso afirmar: “Lula não sabia de nada”. A Polícia Federal de Márcio Thomaz Bastos, exemplo de espalhafato que, muitas vezes, agride a lei — já apontei isso aqui tantas vezes —, desta feita, age com notável discrição: não! Foto do dinheiro nem pensar... Imaginem se fosse dinheiro tucano comprando falsos dossiês contra Lula...
Ouvido a respeito do caso, o governador de Minas, Aécio Neves, tucano graúdo, diz que seria leviano afirmar se Lula sabia ou não. Digamos que seja — embora ele, com isso, cole o adjetivo no presidente do seu partido, Tasso Jereissati, e no do coligado PFL, Jorge Bornhausen, que dizem ser impossível o presidente não saber. Não cobro que Aécio diga um “Lula sabia”. O que lhe custa dizer que o caso chega, a cada hora, mais perto de Lula? Eu respondo: custa um cálculo eleitoral
Leio a coluna de Fernando Rodrigues, na Folha, e lá ele aponta “a incapacidade atávica (sic) de Lula de perceber o tipo de gente que o cerca” e afirma ser “necessário investigar mais o que ocorreu na área de saúde durante a gestão tucana de José Serra”. Fica óbvio, para começo de conversa, que ele não sabe o que quer dizer “atávica”. A palavra não cabe aí de jeito nenhum, ainda que fosse uma figura de linguagem. Note-se que Lula seria “incapaz” de perceber a qualidade dos seus amigos. Ou seja: Lula é inocente. Lula foi enganado. Seguindo Rodrigues, Lula, como diria Lula, foi traído. Segundo a sua lógica de aparentemente dar uma no cravo e outra na ferradura, o presidente é bobo, e Serra precisa ser investigado.
Fernando Rodrigues, Tereza Cruvinel, Ricardo Noblat e outros... A inocência de Lula já está decretada. Nada mais precisa ser apurado. Ser, então, idiota e traído no Brasil é moralmente superior a ser culpado. É uma variante do nosso complexo de vira-lata. A questão, claro, também é de moralidade pessoal, tanto do presidente como dos que asseveram a sua inocência.
Imaginem só Lula não ver problema em se passar por bobalhão, sempre sacaneado pelos seus amigos mais próximos. Se Dirceu o trai, se Genoino o trai, se Silvio Pereira o trai, se ele é traído por Freud, Lorenzetti, Bargas, o que não pode acontecer com esse Estadista em questões que digam respeito ao futuro do Brasil? Não é por acaso que a literatura popular trata o corno de forma amorosa e simpática no Brasil.
O establishment político está corroído ou pela corrupção ou pelo cálculo espertalhão, como se vê; amplos setores da imprensa estão rendidos, como se evidencia. Para a Weimar tropical, falta o quê? Um população enredada numa mítica — ou numa mística — redentora. Temos isso também. Os partidos de oposição, até agora, não conseguiram botar o guizo no pescoço do gato, chamar o modelo de Lula pelo nome.
E a celebração autoritária não estaria completa sem as Marilenas Chauis e os Wanderleys Guilermes dos Santos, devidamente coadjuvados por Marcos Nobres e afins, que se oferecem para ser os intelectuais justificadores de um, entendem eles, necessário regime de força petista. Como diz Marilena, no sobrevôo de sua vassoura teórica, “a construção da democracia está a caminho”.
Leiam ou releiam Origens do Totalitarismo.
Na política institucional, aqueles que têm o poder da representação ou estão ameaçados pela revelação das próprias falcatruas, ou estão acovardados, ou estão fazendo cálculos que miram o próprio interesse ou, coitados!, estão sós — estes são os decentes. Pegue-se agora o caso desse falso dossiê envolvendo Vedoin, petistas, sindicalistas, segurança de Lula, o diabo a quatro... Depois de todo o entorno de Lula ter caído por causa do mensalão — de que ele, claro, não sabia... —, são pegos em flagrante delito o homem de sua guarda pessoal, dois de seus mais íntimos companheiros sindicalistas — um deles marido de sua secretária particular —, e, claro, é preciso afirmar: “Lula não sabia de nada”. A Polícia Federal de Márcio Thomaz Bastos, exemplo de espalhafato que, muitas vezes, agride a lei — já apontei isso aqui tantas vezes —, desta feita, age com notável discrição: não! Foto do dinheiro nem pensar... Imaginem se fosse dinheiro tucano comprando falsos dossiês contra Lula...
Ouvido a respeito do caso, o governador de Minas, Aécio Neves, tucano graúdo, diz que seria leviano afirmar se Lula sabia ou não. Digamos que seja — embora ele, com isso, cole o adjetivo no presidente do seu partido, Tasso Jereissati, e no do coligado PFL, Jorge Bornhausen, que dizem ser impossível o presidente não saber. Não cobro que Aécio diga um “Lula sabia”. O que lhe custa dizer que o caso chega, a cada hora, mais perto de Lula? Eu respondo: custa um cálculo eleitoral
Leio a coluna de Fernando Rodrigues, na Folha, e lá ele aponta “a incapacidade atávica (sic) de Lula de perceber o tipo de gente que o cerca” e afirma ser “necessário investigar mais o que ocorreu na área de saúde durante a gestão tucana de José Serra”. Fica óbvio, para começo de conversa, que ele não sabe o que quer dizer “atávica”. A palavra não cabe aí de jeito nenhum, ainda que fosse uma figura de linguagem. Note-se que Lula seria “incapaz” de perceber a qualidade dos seus amigos. Ou seja: Lula é inocente. Lula foi enganado. Seguindo Rodrigues, Lula, como diria Lula, foi traído. Segundo a sua lógica de aparentemente dar uma no cravo e outra na ferradura, o presidente é bobo, e Serra precisa ser investigado.
Fernando Rodrigues, Tereza Cruvinel, Ricardo Noblat e outros... A inocência de Lula já está decretada. Nada mais precisa ser apurado. Ser, então, idiota e traído no Brasil é moralmente superior a ser culpado. É uma variante do nosso complexo de vira-lata. A questão, claro, também é de moralidade pessoal, tanto do presidente como dos que asseveram a sua inocência.
Imaginem só Lula não ver problema em se passar por bobalhão, sempre sacaneado pelos seus amigos mais próximos. Se Dirceu o trai, se Genoino o trai, se Silvio Pereira o trai, se ele é traído por Freud, Lorenzetti, Bargas, o que não pode acontecer com esse Estadista em questões que digam respeito ao futuro do Brasil? Não é por acaso que a literatura popular trata o corno de forma amorosa e simpática no Brasil.
O establishment político está corroído ou pela corrupção ou pelo cálculo espertalhão, como se vê; amplos setores da imprensa estão rendidos, como se evidencia. Para a Weimar tropical, falta o quê? Um população enredada numa mítica — ou numa mística — redentora. Temos isso também. Os partidos de oposição, até agora, não conseguiram botar o guizo no pescoço do gato, chamar o modelo de Lula pelo nome.
E a celebração autoritária não estaria completa sem as Marilenas Chauis e os Wanderleys Guilermes dos Santos, devidamente coadjuvados por Marcos Nobres e afins, que se oferecem para ser os intelectuais justificadores de um, entendem eles, necessário regime de força petista. Como diz Marilena, no sobrevôo de sua vassoura teórica, “a construção da democracia está a caminho”.
Leiam ou releiam Origens do Totalitarismo.