Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, setembro 20, 2006

Miriam Leitão Os brancaleones

o globo


O presidente Lula disse ontem que aqueles que o acusam não queriam sua candidatura. Quem o acusa? Gedimar Pereira Passos, funcionário do comitê de campanha da reeleição, foi preso pela Polícia Federal num hotel com reais e dólares nas mãos para comprar um dossiê, junto com outro petista, Valdebran. Gedimar fala que estava agindo a pedido da executiva do PT e acusa Freud Godoy, que é um assessor direto do presidente da República. Seu chefe, Jorge Lorenzetti, é churrasqueiro do presidente e coordenador da operação dossiê. O ex- secretário do Ministério do Trabalho, também no comitê de campanha, Oswaldo Bargas ofereceu o dossiê para uma revista. Quem acusa o presidente? Ele está cercado de assessores, alguns que privam de sua intimidade, envolvidos num caso escabroso que exige investigação ampla.

É um volume tão grande de irregularidades num caso só, que espanta e intriga. Cinco pessoas ou do gabinete presidencial ou da campanha estão envolvidas no escândalo e, a cada momento, um novo nome entra na rocambolesca história da fabricação e venda de um dossiê contra um adversário político. Os personagens são: Gedimar, Valdebran, Freud, Oswaldo, Lorenzetti. Esse exército de brancaleone estava todo marchando na campanha eleitoral do presidente.

Tudo ainda está confuso, mas o que já dá para dizer é que o PT nunca passou por aquela refundação que havia anunciado após o colapso delubiano. O presidente do novo PT, Ricardo Berzoini, sabia da tentativa de oferecer o dossiê para a imprensa e tenta se livrar de qualquer relação com o fato culpando subordinados. Já dá para concluir também da balbúrdia que a série de escândalos que começou derrubando o chefe da Casa Civil agora queima o churrasqueiro do presidente.

Algumas pessoas trabalham na campanha presidencial, outras são funcionárias do governo; duas são de copa e cozinha do presidente. Freud administrava a casa e a chácara de Lula em São Bernardo, resolvia problemas domésticos, atendia à família em pequenos serviços. Mais do que próximo, era íntimo.

Se não fosse tão grande o escândalo, poderia ser dito que um funcionário público, como Freud Godoy, não pode ter uma empresa de segurança e prestar serviços para o partido do governo. É irregular e tem conflito de interesses. Mas isso ficou soterrado no meio de outros detalhes de um escândalo que ainda não se entendeu completamente. A única defesa do governo esboçada até agora é que parece inverossímil que um candidato que esteja tão na frente, de forma tão incontrastável, entre numa roubada dessas. O problema é que essa defesa cai diante da coleção de impressões digitais petistas no pacote de malfeitorias.

A quem interessa melar o jogo eleitoral? Perguntou, ontem, o presidente Lula, juntando-se aos que defendem a tese de que é uma armação para parecer que é uma armação do PT. Ora, interessa ao partido que está perdendo a eleição em São Paulo, porque lá é que ele faria estragos se a manobra desse certo. Mas o importante agora é entender exatamente tudo o que houve.

O presidente Lula não deveria estar repetindo fala velha de outras peças como a surrada: “Vou apurar doa a quem doer.” Isso ele já disse lá atrás, quando surgiu a primeira onda dos escândalos no PT. E nunca cumpriu. Foi uma das várias versões que deu para o mesmo episódio. Lula disse que não sabia; depois, que foi traído e que tudo seria apurado (“doa a quem doer”); depois, que isso é feito sistematicamente no Brasil; depois, que era um jogo das elites que governaram esse país por 500 anos; depois, que tudo estava aparecendo porque a Polícia Federal investiga; depois, que 80% dos casos surgiram no governo passado. Ele entrou em outras e várias contradições durante o escândalo que começou quando Roberto Jefferson, um deputado de sua base — a quem ele havia dito que entregaria um cheque em branco —, denunciou o mensalão.

Lorenzetti e Gedimar exercem no PT uma função chamada “analista de risco e mídia”, que agora já se sabe o que é: é mais risco do que mídia. Foi Lorenzetti que esteve junto com Bargas na revista “Época” oferecendo o dossiê, há duas semanas. Freud ora fala que conheceu Gedimar há 25 dias, ora fala em dois meses. Admite que esteve com ele cinco vezes no período para tratar da segurança no comitê de campanha. O que ele faria lá se a empresa de segurança era da mulher dele e não dele? Esse assunto fazia parte das funções do “analista de risco e mídia”?

Tudo o que veio à luz nos últimos dias é gravíssimo; aterrador. A única forma de enfrentar essa teia de intrigas é apurar com isenção, ligeireza e rigor. A Polícia Federal, que prendeu os acusados — mas escorregou ao divulgar rápido demais o dossiê armado e nunca mostrar as fotos dos acusados com o dinheiro que prova o crime —, precisa se concentrar no fato de que serve ao Estado brasileiro, e não a um governo. O Ministério Público precisa continuar funcionando da forma como funcionou até agora. A Justiça Eleitoral fez bem em abrir uma investigação. A Justiça liberou os acusados, que hoje amanhecem todos soltos, antes que se tenha tempo de entender minimamente o que se passou. Mesmo assim, a esperança é que as instituições funcionem.

Esse caso pode não afetar a eleição, mas assombrará o próximo governo se o presidente for reeleito. Os governos passam, as instituições ficam. Esse é o ponto fixo do qual não se deve perder o foco.

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