Entrevista:O Estado inteligente

domingo, setembro 17, 2006

O legado de Lula

ESTADO
O legado de Lula

Suely Caldas

O que mais prejudica as decisões de investimento, a escolha de um país para o empreendedor aplicar seu dinheiro? O crescimento medíocre da economia? Juros elevados? Excesso de burocracia? Falta de reformas estruturais? Congresso que não vota leis? Risco jurídico alto? Governo sem estratégia, sem rumo? Instituições frágeis? Ambiente encorajador de corrupção? A tudo isso o governo Lula submeteu o País nestes quase quatro anos. Como esperar prosperidade econômica nos próximos quatro anos com Lula e o PT no poder? Com exceção da gestão macroeconômica e do efeito do Bolsa-Família na renda dos pobres, o governo paralisou. Não investiu em infra-estrutura porque preferiu gastar em consumo e salários e tampouco estimulou o investimento privado ao enfraquecer as agências reguladoras e substituir o marco regulatório por novas regras de cunho ideológico que só trouxeram insegurança e incerteza para quem quer investir. Neste primeiro mandato o governo ficou perdido. Será capaz de se encontrar no segundo?

De dentro e de fora, o País é visto com desesperança. O Fundo Monetário Internacional (FMI) avisou na quarta-feira: o Brasil vai continuar crescendo pouco em 2007, muito abaixo de China, Índia, Chile, Argentina e outros países emergentes. No mesmo dia, o jornal britânico Financial Times advertiu: com a economia crescendo quase nada, investidores não aplicam em ativos que dependam do crescimento (novas plantas industriais e expansão da produção). Pesquisa da Ernst & Young com 586 líderes de grandes empresas concluiu que o mensalão cancelou investimentos que já haviam sido programados. Outra pesquisa, da consultoria espanhola Management & Excellence com países latino-americanos, constatou que o Brasil é o segundo pior em segurança e em número de presos (169/1.000 habitantes) e sua taxa de desemprego é uma das mais elevadas do Continente. O relatório Doing Business 2007, do Banco Mundial, revela: num ranking de 175 países onde é mais fácil fazer e abrir negócios, o Brasil ficou em 121º lugar, atrás de muitos africanos, porque não fez reformas estruturais. Em outro ranking, da ONG Transparência Internacional sobre percepção de corrupção, o Brasil ficou em 62º lugar, atrás de Botswana e Colômbia.

Pesquisas desfavoráveis não faltam. É verdade que, apesar do pífio crescimento, ainda há uma sensação de melhoria que tende a se esgotar rapidamente, justamente porque a falta de investimentos anula a expectativa de crescimento contínuo no futuro próximo. Na alternativa de um segundo mandato, a saída de Lula seria fazer reformas (política, previdenciária, tributária, administrativa, trabalhista), reduzir gastos correntes e dar uma guinada de 180 graus em relação ao que ele fez nestes anos, recuperando a autonomia das agências reguladoras e refazendo regras que facilitem, e não dificultem, decisões de investimento.
Essa guinada é difícil, mas viável, desde que Lula faça a coisa certa, abandone preconceitos ideológicos e assuma o comando das negociações com o Congresso, com métodos firmes, decentes, sem mensalão, vampiros ou sanguessugas. Mas ele terá consciência, habilidade e paciência para tal? A minúscula coligação do PT nesta eleição (só conseguiu atrair PCdoB e PRB) promete uma base aliada minguada, com poucos parlamentares na Câmara e no Senado. Portanto, não será fácil aprovar reformas que dependam de emenda constitucional e de três quintos dos votos. E, se continuarem adotando os mesmos métodos, Lula e PT podem entregar anéis, dedos, mãos, estatais, ministérios e órgãos públicos ao PMDB e fracassarão - perdendo tempo com o troca-troca sem sucesso.

Pelo alcance e extensão, a corrupção foi a marca política mais relevante e trágica do governo Lula. Os sucessivos escândalos paralisaram o País, o Congresso deixou de votar leis importantes. A falta de definição de limites entre governo e partido levou petistas a se apropriarem de instrumentos de Estado para beneficiar Lula na campanha eleitoral. Mais frágeis e sensíveis, porque estão em plena formação moral e intelectual, os jovens são os mais atingidos pela banalização da corrupção. Como Lula, na famosa entrevista em Paris, eles tendem a considerar natural condutas erradas que deveriam censurar. E recuperar valores de integridade e honestidade leva tempo. Este é o legado mais condenável do governo Lula.

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