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Um dos problemas do ser humano (e não somente do brasileiro) é o de que se contenta com achar um culpado e não uma solução.
No passado, o atraso do Brasil em relação aos países mais avançados foi atribuído sucessivamente a várias razões: à mistura excessiva de raças, à indolência natural do caboclo brasileiro, à excessiva credulidade inculcada pelos jesuítas desde Martim Afonso de Souza, às adversidades geográficas dos trópicos. Até a saúva foi responsabilizada por nossos males depois que Auguste Saint-Hilaire viu o estrago que um formigueiro é capaz de produzir numa plantação.
Mais recentemente, a Geni da economia brasileira foram os juros escorchantes. Para não ir muito para trás, nos últimos três anos foram responsabilizados por tudo que de errado acontecia. Se as cotações do dólar mergulharam para o buraco em que estão hoje, foi porque os juros excessivos atraem capitais especulativos de todas as capitais financeiras do mundo e inundam de dólares o nosso pobre câmbio. Se as empresas estão quebrando e não conseguem abrir mais postos de trabalho é porque estão na mão dos banqueiros que os engolem com juros do olho da cara. Se o crescimento econômico é esse vôo de galinha é porque o Banco Central só pensa naquilo, impõe juros de agiota à economia e, nesse ambiente asfixiante, não há planta que cresça.
De um ano para cá, os juros básicos (Selic) caíram 5,5 pontos porcentuais, de 19,75% para 14,25% ao ano. Continuam entre os mais altos do mundo, mas, por tudo quanto havia sido atirado sobre essa Geni, era ao menos para aparecer alguma reação, tanto no câmbio como no crescimento econômico. No entanto, o câmbio segue atolado e só não afunda mais porque o Banco Central puxou as reservas para US$ 71 bilhões, operação pela qual este país pobre, endividado até o pescoço, passou a emprestar dinheiro para os países ricos, especialmente aos Estados Unidos.
Por tudo quanto diziam críticos e reclamões, o recuo dos juros também deveria ser suficiente para ao menos esboçar alguma reação na atividade econômica. O crédito está mais farto e mais barato (especialmente o crédito consignado, que é descontado diretamente do salário e da aposentadoria), os preços da comida vêm baixando, o consumo está mais robusto a ponto de avançar mais do que a produção, como mostram os últimos números das Contas Nacionais apontados pelo IBGE.
Mais ainda, o tombo da inflação substancialmente abaixo da meta, neste ano e no ano que vem, sugere que o Banco Central terá de adiar indefinidamente seu plano de usar mais 'parcimônia' no corte dos juros. Isso significa que os juros reais (descontada a inflação) têm tudo para resvalar para abaixo dos 10%. E, no entanto, nenhum radar aponta para um crescimento superior a 4,5% no ano que vem.
Enfim, está mais do que na hora de atribuir aos juros só a parcela que lhe cabe no travamento do crescimento econômico brasileiro e de cavucar mais embaixo, onde estão os reais problemas.
A economia brasileira não deslancha porque tem uma bola de ferro amarrada aos pés. Trata-se da encrenca fiscal, essa propensão do setor público a gastar mais do que pode. No ano passado, arrancava 37,4% do salário (renda) do brasileiro só em impostos e contribuições. Hoje, esse porcentual já deve estar próximo dos 40% pelo simples fato de que o governo está mais eficiente na arrecadação. E, se é verdade que a informalidade e a sonegação são enormes por aqui, quem contribui de fato paga muito mais de 37,4% do salário. Só para comparar, a carga tributária na Rússia é de 16,9%, na China, 16,7%; na Argentina, 22%; nos Estados Unidos, 25,4%; na Suíça, 29,4%; e no Canadá, 33,0%.
A asfixia tributária brasileira já está próxima da escandinava (em torno dos 50%) que está entre as mais altas do mundo. Em troca dessa extorsão, o governo devolve serviços públicos de baixa qualidade, como já sabemos. O Regime Geral da Previdência Social deverá apontar neste ano um rombo de R$ 41 bilhões, número que no ano que vem já estará nos R$ 50 bilhões e, nos próximos, daí para cima.
A dívida pública interna líquida ultrapassa a cifra de R$ 1 trilhão (50% do PIB) e, mesmo com a formação do superávit primário de 4,25% do PIB (cerca de R$ 90 bilhões por ano) para pagar a dívida, estamos longe de ter folga nesse segmento.
Essa é uma das razões pelas quais o investimento não consegue ser de mais de 16% do PIB (na China, é de mais de 40%) e é, também, por que o sistema produtivo não consegue acompanhar nem sequer o desempenho mundial. A solução, estamos carecas de saber, passa pelas reformas: da Previdência, do Sistema Tributário, das leis trabalhistas e sindicais e do sistema político. Os juros têm parte na culpa, mas não dá para exagerá-la.