Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, setembro 20, 2006

Muito além de Freud



Editorial
O Estado de S. Paulo
20/9/2006

William Goldman, o roteirista do filme Todos os homens do presidente, sobre o Watergate, faz o principal interlocutor dos jornalistas do Washington Post que investigavam o escândalo, o "garganta profunda" W. Mark Felt, aconselhá-los: "Sigam o dinheiro." No escândalo do dia no Brasil - o acerto da família Vedoin, a da máfia dos sanguessugas, com o PT e um órgão de imprensa para a venda de um "dossiê" que incriminaria, entre outros, o candidato tucano ao governo paulista José Serra, quando ministro da Saúde -, o conselho fictício deve ser desdobrado em dois. Claro que buscar a origem do R$ 1,75 milhão amealhado para pagar o material, que - agora se sabe - não vale um centavo, é crucial para se chegar aos responsáveis últimos pela baldada baixaria, aqueles que mandaram o assessor especial e amigo íntimo do presidente, Freud Godoy, enviar o advogado e ex-policial Gedimar Pereira Passos para fechar o negócio com os donos da empresa mafiosa. (A versão é de Gedimar. Freud nega ter parte no caso.)

Mas talvez convenha também seguir o churrasqueiro oficial da Granja do Torto - outro dos "homens do presidente" (do Brasil). Trata-se do catarinense Jorge Lorenzetti. Fundador do PT e professor de enfermagem, capaz de dividir o seu último naco de carne com os velhos companheiros José Dirceu e Delúbio Soares, amigo de Lula pelo menos desde a campanha de 2002, dirigia o setor de Administração do Banco do Estado de Santa Catarina, federalizado em 1999. Lorenzetti licenciou-se em agosto passado para trabalhar no comitê da reeleição do presidente. A sua função oficial é de "analista de risco e mídia". Freud diz que foi Lorenzetti quem o apresentou a Gedimar. Faz sentido. Até ser preso, o operador da compra do "dossiê", funcionário do diretório nacional do PT, respondia a Lorenzetti no chamado "dispositivo de tratamento de informações" da campanha, o setor da arapongagem. Era, segundo Freud, "o homem que desarmava bombas" contra o presidente.

Se for verdadeiro o mecanismo descrito por Gedimar da bomba que acabou rebentando no pé do petismo - e chamuscando as barbas do presidente -, a iniciativa de armá-la partiu de Vedoin, que procurou o PT por intermédio de Valdebran Padilha da Silva, filiado à agremiação em Mato Grosso. Valdebran teria levado a oferta "à executiva nacional" - a instância suprema de decisão nos partidos. Essa parte do trajeto permanece obscura, mas Lorenzetti, como "analista de risco e mídia", tinha obrigação de percorrê-la. Ele recomendou à cúpula da sigla a convocação de Gedimar para "fazer a análise jurídica (sic) da documentação", nas palavras deste à Polícia Federal. Talvez porque os hierarcas foram induzidos a crer que o material continha algo mais sério do que as denúncias da entrevista na IstoÉ contra Serra. "A família Vedoin", afirmou o ex-agente, "se dispôs a vender informações graves que comprometeriam não só políticos de outros partidos, como políticos do PT." O que levou um dos investigadores do esquema, citado pelo jornal O Globo, a deduzir que "o partido teria se movimentado para comprar as informações, mas também para suprimir provas".

Isso tem mais lógica do que a exclusiva montagem de uma operação de desmoralização do candidato Serra, embutindo riscos claramente superiores aos seus eventuais benefícios eleitorais. O presidente, a duas semanas de se reeleger em primeiro turno, por todas as pesquisas, seria o último a querer marola na reta final da campanha. E, a menos que o "dossiê" de fato armazenasse evidências letais ao tucano, as suas chances de vitória também no primeiro turno dificilmente seriam abaladas.

Mas, tendo lógica ou não tendo, é patente que o PT cometeu mais um dos seus atos escabrosos que, como todos os outros, expõe a, no mínimo, conivência de Lula, desta vez pela participação de seu mais íntimo assessor, Freud Godoy, cuja importância no esquema de corrupção institucionalizada do partido começa agora a ser desvendada. A apuração cabal do vexame quem sabe alcance o notório companheiro de viagem dos petistas em São Paulo, o candidato ao governo do Estado Orestes Quércia. O coordenador de sua campanha, Marcelo Barbieri, egresso do MR-8, foi subsecretário do Gabinete Civil do Planalto. E a capa da IstoÉ com as acusações a Serra decerto ainda estava quente quando foi fotografada para entrar no horário eleitoral do peemedebista.

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