Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, setembro 20, 2006

MERVAL PEREIRA - Sinais de Lula

O GLOBO

A tese de que não interessava a Lula criar nenhum tipo de tumulto estando com a eleição praticamente ganha no primeiro turno — o que nova pesquisa do Datafolha confirmou ontem — não exime o presidente de culpa, pelo menos indireta, no caso da compra de um suposto dossiê contra os candidatos tucanos. Supondo que Lula não tenha sido informado da operação, mesmo com tanta gente ligada diretamente a ele envolvida, é o responsável pelo clima de leniência que envolve, desde o primeiro momento, os autores dos crimes, eleitorais e comuns, que vêm sendo cometidos nas cercanias do Palácio do Planalto.

Desde quando, na famosa e estranha entrevista que concedeu na Embaixada do Brasil em Paris, o presidente Lula justificou o dinheiro que circulou do PT para os partidos aliados como sendo de caixa dois de campanha eleitoral, “o que se faz tradicionalmente no Brasil”, ele acendeu um sinal verde não apenas para os que participaram das operações de caixa dois, que aconteceram, como também dos outros tipos de transações que comprovadamente ocorreram, como o mensalão.

Lula emitiu diversos sinais de que não abandonaria “os companheiros”, e disse isso em diversas ocasiões, não se vexando de receber no próprio Palácio do Planalto os petistas acusados de mensaleiros.

Além de insistir, em diversos pronunciamentos, em que não sabia se houve o mensalão — chegou mesmo a afirmar em certa ocasião que não existiu —, o presidente acobertou todos os políticos ligados àquela operação e, à medida que seu prestígio popular foi se firmando, passou a se sentir mais e mais seguro para avançar na direção de garantir a impunidade aos envolvidos no esquema.

A tal ponto que, dias antes de eclodir o mais recente e mais explosivo escândalo de seu governo até o momento, o da compra de um dossiê que supostamente conteria provas contra adversários tucanos, Lula se sentiu forte o suficiente para afrontar toda a sociedade com atitudes desafiadoras nos palanques políticos em diversos estados do país.

Num dado momento, abraçou o ex-governador de Minas Newton Cardoso, candidato ao Senado por uma coligação branca esdrúxula com o PMDB, e chamou-o de “estadista”. Em outra ocasião, foi ao Pará e beijou a mão do deputado Jader Barbalho, em tempos idos o exemplo mais acabado para o PT de político corrupto.

Na Paraíba, fez questão de abraçar o senador Ney Suassuna, acusado de estar envolvido no escândalo dos sanguessugas, e chamouo de “leal”, o que, na lógica sindicalista que rege as relações deste governo, significa mais do que “honesto” ou “competente”.

Essas atitudes aparentemente extemporâneas têm uma razão política de ser: todos os envolvidos são do PMDB, partido do qual Lula dependerá num segundo governo para ter um mínimo de governabilidade. O que o presidente está fazendo é demonstrar que topa fazer qualquer tipo de jogada política, desde que conte com a “lealdade” do PMDB.

Da mesma maneira que transmite a idéia de que, com sua popularidade, enfrentará qualquer crítica da sociedade para apoiar seus “companheiros”, Lula dá um sinal para dentro de suas hostes de que não devem temer represálias ou punições, pois ele estará sempre disposto a dar a mão a quem precisar, mesmo que num primeiro momento tenha que jogar cargas ao mar. No momento seguinte, todos encontrarão abrigo no seu governo, de uma maneira ou outra.

A lógica do jogo bruto sindicalista que predomina nas relações internas deste governo fica exposta nas figuras que agora estão envolvidas no episódio da compra do dossiê dos sanguessugas.

Já na campanha de 2002, enquanto a farsa marqueteira do “Lulinha paz e amor” era montada para as aparências, não apenas pagava-se com depósitos em paraísos fiscais as contas de Duda Mendonça, como montava-se uma “equipe de guerrilha” na campanha para atacar os adversários e evitar ataques.

O grupo era formado por membros da confiança pessoal de Lula, muitos deles sindicalistas ligados à Central Única dos Trabalhadores, conforme reportagem da revista “Veja” de 2003. O hoje presidente do PT, Ricardo Berzoini, era o orientador político e, com base em pesquisas, passava as instruções sobre os alvos a atacar.

O sindicalista Osvaldo Bargas, velho amigo de Lula, era a ligação entre o grupo e o candidato, levando-lhe as informações mais relevantes.

Os dois aparecem agora na história do dossiê, segundo a revista “Época”, que foi procurada por Bargas antes de o material ter ido parar na “IstoÉ”.

Hoje, na campanha de reeleição de Lula, o grupo tem um outro nome, mais pomposo, “Núcleo de Informação e Inteligência”, mas a função continua a mesma.

Quem chefia a equipe de “analistas de informação” é o petista histórico Jorge Lorenzetti, ex-dirigente da CUT, enfermeiro de profissão, e que exercia a função de diretor financeiro do Banco do Estado de Santa Catarina e de churrasqueiro do presidente nas horas vagas.

Lorenzetti chefiava Gedimar Pereira Passos na tarefa de contra-informação eleitoral, e foi nessa qualidade que Gedimar teria sido enviado para analisar o dossiê contra os tucanos. Ontem ele pediu demissão do comitê eleitoral e admitiu que se excedeu nas suas funções. Outro que assume toda a culpa, para tentar evitar que o presidente Lula seja envolvido diretamente.

Quanto ao tal dossiê de que tanto se fala, os próprios petistas envolvidos admitiram que não valia nada, pois as fotos e o DVD registravam cerimônias públicas.

Só teriam sentido se apresentados junto com a entrevista dos Vedoin, que negaram na CPI o que disseram à revista no pacote que estava sendo vendido ao PT.

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