O Globo |
5/9/2006 |
O processo de moralização da política brasileira tem hoje um momento importante, embora não decisivo: o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) deve julgar diversos recursos de pessoas que tiveram suas candidaturas rejeitadas pelo Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro, com base no princípio da moralidade. O TSE tem emitido sinais desencontrados quanto ao seu entendimento, por isso não é possível antecipar qual será a decisão da maioria. Mas há indícios alvissareiros, como no caso do deputado Paulo Baltazar (PSB-RJ), envolvido com a máfia dos sanguessugas. Acolhendo impugnação do Ministério Público Eleitoral, o relator do processo, juiz Rodrigo Lins e Silva Cândido de Oliveira, do TRE do Rio, entendeu ser aplicável o princípio constitucional previsto no artigo 14, parágrafo 9ºda Constituição, o da moralidade administrativa, observada a vida pregressa do candidatos. Confrontando esse princípio com outro - também constitucional -, o da presunção da inocência até o trânsito em julgado de alguma decisão condenatória, o TRE, seguindo o voto do relator, entendeu que, se tratando de candidato a cargo público de representação congressual, deve prevalecer o princípio da moralidade. O deputado Paulo Baltazar impetrou mandado de segurança no TSE, mas não teve sucesso: o ministro Marcelo Ribeiro negou o pedido, imediatamente, extinguindo o processo. Esse foi o primeiro caso concreto apreciado pelo TSE, uma decisão inédita, que pode indicar uma tendência. O mesmo TSE não respondeu a consulta formulada pelo deputado Miro Teixeira, baseada no parágrafo 10º do artigo 14 da Constituição, que diz que "o mandato eletivo poderá ser impugnado ante a Justiça Eleitoral no prazo de 15 dias contados da diplomação, instruída a ação com provas de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude". Ao não se pronunciar, o TSE deu a impressão à opinião pública de que havia se colocado contra a posição do deputado, quando, na verdade, nada decidiu. Segundo o juiz Rodrigo Lins e Silva Cândido de Oliveira, o TSE "apenas entendeu que não cabe, nesta fase do processo eleitoral, responder a questionamentos em tese que podem significar o prejulgamento de casos concretos a serem brevemente apreciados". Na verdade, são duas etapas de um mesmo processo de moralizar a representação legislativa. O TRE do Rio de Janeiro, presidido pelo juiz Roberto Wider, seguindo uma linha de atuação que tem no desembargador Marcus Faver, do Conselho Nacional de Justiça, um pioneiro, tem tomado decisões com base no preceito constitucional da moralidade pública para impugnar candidaturas, postura que não vem sendo seguida por outros tribunais regionais. O de São Paulo, por exemplo, escolheu outro caminho e tentou impugnar as candidaturas de políticos como Paulo Maluf ou João Paulo Cunha com base em incorreções nos processos de registro de candidaturas, mas todos eles conseguiram o registro em recurso no TSE. A utilização do princípio da moralidade ainda é um recurso controverso, que não encontra apoio entre a maioria dos legisladores porque esbarra na exigência do trânsito em julgado, feita por uma lei complementar que, no entendimento de juristas que defendem o princípio da moralidade, é inconstitucional, mas está em vigor. A decisão do TSE de hoje definirá essa disputa pelo momento, mas, se revogar as impugnações do TRE do Rio, como parece ser a tendência, deverá ser contestada politicamente num outro estágio, o da impugnação do mandato eletivo, também baseado na Constituição, como propõe o deputado Miro Teixeira. A impugnação do mandato eletivo está sendo preparada por diversos procuradores regionais eleitorais. A decisão do procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza, de encaminhar aos procuradores regionais a petição do deputado Miro Teixeira para que, com base na Constituição, começassem a preparar ações de impugnação de mandatos eletivos é o passo inicial de um processo que pode transformar a política brasileira. O fato de o procurador-geral ter encaminhado seu despacho a todos os procuradores nos estados significa que considerou a petição do deputado do Rio procedente, embora não tenha assumido formalmente a tese defendida por Miro Teixeira, e nem era o caso. Na sua petição, o deputado alerta para o fato de que "a urgência das medidas de caráter preparatório, tais como a instauração de procedimentos administrativos e/ou a requisição de documentos ou diligências (artigo 7º da Lei Complementar 75/93), é ditada pelas indagações da opinião pública, que está na condição de refém de artifícios legais que garantem a impunidade". Sem essas providências preparatórias, o prazo de 15 dias para a propositura da ação não seria cumprido. Miro afirma que tramitam, especialmente no Supremo Tribunal Federal, inquéritos com provas fartamente documentadas contra candidatos ao pleito deste ano, "mas não há possibilidade de conclusão e trânsito em julgado dos feitos até as próximas eleições". Na interpretação do deputado Miro Teixeira, a prova de corrupção impede o mandato, "tendo ou não os crimes praticados ocorrido em período eleitoral". Pela decisão recente do TSE, um pronunciamento oficial só ocorrerá depois das eleições, nos casos em que procuradores regionais eleitorais pedirem a impugnação dos mandatos eletivos dos políticos envolvidos com corrupção que vierem a ser eleitos. A decisão do TSE dependerá, também, da reação da sociedade diante da eventual eleição de políticos corruptos. |
Entrevista:O Estado inteligente
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terça-feira, setembro 05, 2006
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