Entrevista:O Estado inteligente

sábado, julho 08, 2006

VEJA Roberto Pompeu de Toledo Recomendações para a Copa de 2010

Uma contribuição para que os erros na
Alemanha não se repitam na África do Sul

1. A maioria dos jogadores deve ser recrutada entre os que jogam no
Brasil. É imperativo que tenham bem frescas na memória coisas como
mensalão, estradas esburacadas, favelas, poluição visual, bala
perdida, deputados sanguessugas, nepotismo, trambique, propina,
ultrapassagem pela direita, trafegar no acostamento, cadeias
superlotadas, rebeliões em cadeias, dar um jeito, jogar lixo nas
ruas, atirar pneus velhos nos rios, guerra de quadrilhas, salário
mínimo, menos que salário mínimo e caixa dois. A ausência do convívio
cotidiano com tais categorias pode levar à sensação de que se é
alemão, suíço ou holandês.

2. Não devem ser convocados, especialmente, jogadores do Real Madrid.
Trata-se de um time perdedor. É bom jogar no Madrid para ser capa de
revista, vender camisetas com seu nome e namorar modelos, não para
ganhar campeonatos. Todos os jogadores desse time fracassaram na Copa
da Alemanha: os da seleção da Espanha, os da seleção do Brasil e
David Beckham. Luis Figo e Zinedine Zidane tiveram boas atuações
porque deixaram a tempo o Real Madrid e a maldição que o acompanha.
De Robinho não se pode dizer que fracassou porque quase não jogou,
mas é pena que integre um elenco de contumazes perdedores. Estão
criadas as condições para ser estragado.

3. Devem ser convocados jogadores mais afeitos a comemorar vitórias
do que derrotas. Ronaldinho Gaúcho, um dia depois da eliminação do
Brasil, deu uma festa em sua casa de Barcelona. Os presentes, entre
os quais Adriano, ainda esticaram numa boate, até altas horas. O
mesmo Adriano tinha acabado de comprar um Porsche de 500 000 reais
para se homenagear pela performance nos campos da Alemanha.

4. O técnico deve ter real disposição para formar equipes vencedoras.
Formando Equipes Vencedoras é o título do livro que, assinado por
Carlos Alberto Parreira, ocupou os melhores espaços nas livrarias nas
semanas anteriores à Copa. Na Alemanha, no entanto, ele abriu uma
exceção e formou uma equipe perdedora. Nesse novo desiderato, foi
impecável: teve medo de desagradar aos mais famosos, treinou o time
pouco e mal e achou normal que os jogadores gastassem as folgas em
baladas até as 5 da manhã.

5. O técnico deve ter cabeça menos colonizada. Parreira disse o tempo
todo que preferia os jogadores que jogam na Europa. Apoiou com
entusiasmo a transferência de Robinho para o Real Madrid. Acha que os
jogadores "amadurecem" na Europa. É curioso. Se o Brasil se considera
– e é considerado – possuidor do melhor futebol do mundo, por que
seus jogadores amadureceriam melhor em outro lugar? Questões de
mercado à parte, mais certo seria dizer que Figo ou Zidane
amadureceriam disputando um campeonato brasileiro. Nem Pelé nem
Garrincha jogaram em times europeus. Dispensaram esse amadurecimento.

6. Anúncios com jogadores ou com o técnico da seleção só devem ser
permitidos terminada a Copa, como prêmio aos vencedores, não antes.
Parreira estava tranqüilo porque tinha a Golden Cross a seu lado. Tão
tranqüilo que dormia no banco durante os jogos. "Hã? Só faltam quinze
minutos?", perguntou, ao despertar, no segundo tempo do jogo contra a
França. Pôs então Cicinho e Robinho em campo. Era tarde. Dizia-se que
Vicente Feola, o técnico vencedor de 1958, dormia durante os jogos.
Era mentira. Parreira, graças à Golden Cross, é o verdadeiro Vicente
Feola. Já Ronaldinho Gaúcho ficou tão desesperado para recuperar seu
desodorante Rexona, ao se descobrir misteriosamente desprovido dele,
que gastou ali toda a sua energia. Há uma relação direta entre os
anúncios e o fracasso do Brasil na Copa da Alemanha.

7. Devem ser cortados do elenco jogadores que digam se sentir
"motivados" para a Copa. Se precisam dizer isso, é porque não estão.

8. Terão preferência, ao contrário do que ocorre entre os executivos
das empresas, jogadores que não dominem línguas estrangeiras. Roberto
Carlos foi flagrado dando ordens em espanhol à defesa. Não causaria
espanto se viesse a público que Lúcio e Juan se comunicavam em
alemão, sem que Dida os compreendesse. Ou que Kaká pedia a bola em
italiano e Juninho Pernambucano, interpretando-o mal, respondia com
palavrões em francês. Houve uma zaga da seleção, formada por Aldair e
Antônio Carlos, que dialogava em italiano. "Confundamos a sua
linguagem para que não mais se entendam uns aos outros" (Gênesis, 11,
7). O pessoal de Babel, quando muito, chega às quartas-de-final.

9. Serão suspensos de suas funções os locutores que falarem em
"atitude" sem especificar a que atitude se referem. "Faltou
atitude!", disseram vários deles depois do jogo contra a França. Qual
atitude? Atitude derrotista? Atitude conformada? Atitude de apatia?
Atitude passiva? Estas, ao que consta, sobraram. Atitude arrogante?
Atitude de valentia? Atitude de vencedor? Virou moda recorrer à
palavra "atitude" como se, em si mesma, significasse algo.
Desacompanhada, não quer dizer nada.

10. Devem ser convocados jogadores um pouco mais pobres do que os da
safra 2006.

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