Entrevista:O Estado inteligente

sábado, julho 08, 2006

VEJA André Petry Arrozita e Feijó

"Uma amostra estupenda da propaganda
que o governo julga atender a uma 'grave
e urgente necessidade pública' "

A lei diz que, a três meses da eleição, os governos só podem fazer
campanhas publicitárias em casos de "grave e urgente necessidade
pública". A idéia é evitar que os governantes usem o dinheiro público
para promover a si mesmos ou a seus candidatos, fazendo propaganda de
cada tijolo assentado em casa popular, de cada centímetro de asfalto
novo nas estradas. Desde que a proibição entrou em vigor, o
presidente Lula tem feito freqüentes consultas ao Tribunal Superior
Eleitoral. A cada campanha publicitária que lhe cai sobre a mesa, lá
vai o presidente ou seu preposto perguntar ao tribunal: essa pode? As
consultas já passam de dez. E dão uma amostra estupenda do tipo de
propaganda que o governo julga atender a uma "grave e urgente
necessidade pública".

Uma delas é para estimular o consumo de arroz e feijão. É. O governo
acha que, em pleno período eleitoral, é preciso fazer uma campanha
para que os brasileiros não deixem de comer aqueles alimentos que
mais freqüentam nossa mesa – ou "o par perfeito do Brasil", conforme
o mote da propaganda. A justificativa apresentada é que "a população
brasileira está reduzindo o consumo de arroz" e é preciso estancar
essa tendência sob pena de contribuir para "a obesidade no país".
Como não se deve descuidar da alimentação, isso pode mesmo parecer
coisa de "grave e urgente necessidade pública", mas o próprio
governo, contraditoriamente, esclarece que essa redução do arroz vem
ocorrendo desde 1975! Há mais de trinta anos!

A cartilha da campanha criou dois personagens: Arrozita e Feijó.
Arrozita é um pequeno grão de arroz, com lábios graciosos e gestos
contidos. Feijó é um robusto grão de feijão, com olhos enormes e
corpo avantajado. O convite da cartilha, dirigida a estudantes do
ensino fundamental, é o seguinte: "Descubra com Arrozita e Feijó
maneiras deliciosas e saudáveis de combinar arroz com feijão". No
pedido, o governo faz parecer que, se os brasileiros se esquecessem
de Arrozita e Feijó no período anterior à eleição, algo grave, algo
irreparável poderia se abater sobre nós.

O Tribunal Superior Eleitoral informou ao governo que a campanha
poderia esperar três meses, é claro. Com indisfarçável ironia, o
despacho do ministro Marco Aurélio Garcia, presidente do TSE,
detalhou o que as palavras "grave", "urgente" e "necessidade"
significam segundo quatro dicionários diferentes – e, nisso, ocupou
três páginas do despacho. Como ironia final, frisou que os três
vocábulos, quando se juntam num único texto, formam uma expressão que
potencializa o significado isolado de cada um deles.

Há vários casos parecidos. O governo queria fazer, em pleno período
eleitoral, uma campanha publicitária para reduzir filas do INSS –
como se esse sintoma degradante da miséria do serviço público tivesse
aparecido ontem. Queria fazer uma campanha para avisar os estudantes
das olimpíadas de matemática... Outra para anunciar onde se pode
obter dentadura nova...

A lei proibindo a propaganda, e autorizando a divulgação apenas do
que é grave e urgente, nem precisava existir. Aliás, nem existe em
democracias mais maduras. Mas, para isso, bom senso e honestidade de
intenção têm de tomar o lugar do trambique, da esperteza e da
malandragem.

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