Entrevista:O Estado inteligente

sábado, julho 08, 2006

VEJA Por um nariz de vantagem


Calderón bate o populista López Obrador
pela diferença de menos de 1%


Ruth Costas

Nunca houve uma eleição presidencial como esta no México. A diferença de votos entre os dois mais votados candidatos à Presidência, o tecnocrata Felipe Calderón, do Partido da Ação Nacional (PAN), e o populista Andrés Manuel López Obrador, do Partido da Revolução Democrática (PRD), foi tão estreita que, encerrada a votação no domingo 2, ambos festejaram a vitória, animados por pesquisas encomendadas por seus partidos. Depois de quatro dias de contagens e recontagens das atas das sessões eleitorais, reviravoltas e troca de acusações, Calderón, candidato do presidente Vicente Fox, foi declarado vencedor com 35,89% dos votos e uma vantagem de apenas 0,58% em relação a Obrador. O porcentual representa meros 240.000 votos num universo de 41 milhões. A última comemoração do 1º de Maio reuniu um número quatro vezes maior de pessoas na Avenida Paulista, em São Paulo. Obrador, ex-prefeito da Cidade do México, prometeu recorrer à Justiça Eleitoral para pedir uma contagem "voto a voto". Isso poderia arrastar a disputa até agosto, prazo final para que o nome do vencedor seja promulgado e ele possa assumir em dezembro. No passado, a Justiça mexicana já anulou eleições municipais por fraude, mas o mais provável desta vez é que Obrador tenha de se conformar com a derrota.

A votação da semana passada foi uma das mais limpas da história do México. Observadores de diferentes grupos políticos acompanharam a apuração e nenhum deles registrou irregularidades sérias. Está cada vez mais distante o tempo em que o Partido Revolucionário Institucional (PRI) controlava todas as instâncias do governo e mantinha o México em uma ditadura disfarçada por eleições manipuladas. O PRI dominou a política mexicana por mais de sete décadas, até perder as eleições para Fox, em 2000. Durante os seus anos áureos, as eleições eram organizadas e fiscalizadas por um órgão ligado ao próprio Executivo – e a fraude era generalizada a favor do candidato governista. Foi só na década de 90 que o Instituto Federal Eleitoral (IFE), responsável pela realização da votação, se tornou um órgão independente. O surpreendente é a divisão em partes iguais entre os votos de Calderón e Obrador. A ocorrência de uma eleição tão apertada sugere uma questão intrigante: como explicar uma divisão por igual no eleitorado, se tal grau de simetria dificilmente é encontrado em alguma esfera da vida social ou mesmo da biologia? O número de homens não é sequer equivalente ao de mulheres na espécie humana.

O México não é caso único. Eleições disputadas voto a voto estão mais freqüentes. Nos últimos anos ocorreram em países com realidades tão díspares como os Estados Unidos, a maior economia do mundo, e a pequena Costa Rica, na América Central. Nas últimas eleições italianas, o vencedor dependeu dos votos enviados pelos eleitores residentes no exterior para obter a maioria de 0,07%. O que todos esses casos de impasse eleitoral têm em comum são as diferenças sutis entre as propostas dos candidatos, a padronização das técnicas e estratégias de propaganda política e o fato de terem ocorrido em países que vivem períodos de estabilidade e onde as sociedades são relativamente homogêneas. Em regiões marcadas por diferenças étnicas, religiosas, tribais ou ideológicas profundas, na hora de votar as pessoas costumam se manter fiéis ao grupo do qual fazem parte. No Iraque, os sunitas e os xiitas votam, cada qual, em seus pares – o que faz com que as urnas reflitam basicamente a proporção dessas comunidades na população.

Quando não existem tais separações, a preferência do eleitorado é determinada por uma gama de fatores muito mais complexa e variada, que mistura razão e emoção e vai desde a história pessoal e o carisma do candidato até questões econômicas. "A estabilidade acaba com o poder de sedução de propostas radicais, como uma guinada ao populismo, e faz com que os programas dos partidos se aproximem", diz o mexicano Alejandro Poiré, da Universidade Harvard, nos Estados Unidos. "Com isso, os eleitores ficam divididos." Para a inglesa Pippa Norris, diretora do projeto de governança democrática das Nações Unidas, parte da explicação para os impasses eleitorais está na perda de poder do Estado. "Nos últimos anos, processos como a globalização e o enxugamento do aparato estatal limitaram as atribuições e a capacidade de decisão dos governantes", declarou Pippa a VEJA. "Os candidatos tiveram de colocar um limite em suas promessas, e as campanhas se tornaram menos arrebatadoras."

Explicar a dualidade – porque diante de propostas semelhantes o eleitorado racha exatamente ao meio – é ainda mais complicado. "É possível que, estranhamente, em algumas sociedades metade da população tenha uma tendência psicológica a aceitar mudanças e outra não", disse a VEJA o americano William Ascher, especialista em psicologia política. "O primeiro grupo votaria na oposição e o segundo, no partido governista." Em países com eleições apertadas, o maior risco é que os governos se tornem fracos e sem legitimidade. No México há ainda uma agravante: como o presidente eleito não terá maioria no Congresso, enfrentará dificuldade para aprovar seus projetos. Esse foi um dos maiores obstáculos do governo Fox, que não conseguiu passar as reformas fiscal e trabalhista, que dariam mais dinamismo à economia mexicana. "É por isso que o melhor a fazer agora é esquecer as rivalidades e colocar os interesses do México acima dos de partidos", diz o cientista político Carlos Lugo, da Universidade Ibero-Americana, na Cidade do México. Se o trilho e a roda não se alinham, o trem não vai para a frente.


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