A Coréia do Norte testa míssil capaz
de atingir os Estados Unidos
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Duda Teixeira
Katsumi Kasahara/AP![]() | |
| Kim Jong-Il e o Taepodong-1 (em imagem de TV): o ditador agora atira mais longe | |
Kim Jong-Il, o ditador da Coréia do Norte, faz de tudo para chamar atenção. Seu visual inclui sapatos com salto plataforma e um cabelo empinado, artifícios para tentar disfarçar seu mísero 1,60 metro de altura. Nada disso se compara, em ousadia, à sua última investida para atrair a atenção do mundo. Na quarta-feira passada, logo depois do lançamento da nave espacial Discovery, a Coréia do Norte disparou sete mísseis em direção ao mar – entre eles, o Nodong, com alcance suficiente para atingir o Japão, e o Taepodong-2, um projétil balístico capaz, em teoria, de chegar ao Alasca e à costa oeste dos Estados Unidos. No ano passado, o ditador já tinha anunciado que seu país desenvolvera armas nucleares. Do ponto de vista técnico, os testes foram um fiasco. Os mísseis caíram no mar, muito antes da costa japonesa, e o Taepodong-2 explodiu quarenta segundos depois do lançamento. Também é improvável que a Coréia do Norte disponha de ogivas nucleares pequenas o bastante para ser transportadas por foguetes. Seja como for, o mundo não pode deixar de se preocupar com o foguetório nas mãos do enigmático Kim Jong-Il.
Essa não é a primeira vez que a Coréia do Norte lança mísseis na direção do Japão. Em 1998, o Taepodong-1 voou sobre a cabeça dos japoneses e afundou no oceano. No ano seguinte, atendendo a pressões internacionais, o país aceitou interromper seus testes. Em 2003, cinco países (Estados Unidos, China, Rússia, Japão e Coréia do Sul) formaram um grupo para iniciar conversas com a Coréia do Norte sobre seu programa nuclear. No ano passado, os norte-coreanos anunciaram que o que fora combinado não valia mais, sob o argumento de que os ensaios são uma questão de soberania nacional. O principal objetivo de Kim Jong-Il parece ser avisar o mundo de que ele ainda dispõe de um programa de mísseis de longo alcance e, obviamente, isso tem um preço. A chantagem pretende obter ajuda internacional, sem a qual a maioria da população da Coréia do Norte morreria de fome.
Amante de conhaques, lagostas e produtos estrangeiros de luxo (o ditador mantém um avião exclusivamente para trazê-los da França), Kim Jong-Il governa sobre terra arrasada pela economia comunista. Ele recebeu o poder de seu pai, Kim Il-sung, em 1984, e já tentou outros golpes. A falsificação de dólares e a lavagem de dinheiro do narcotráfico estão entre os mais conhecidos. Um terço do PIB de seu país é destinado a fins militares. Graças a isso, a Coréia do Norte se gaba de possuir um dos cinco maiores Exércitos do planeta, com arsenal de 400 mísseis e 1,1 milhão de soldados. Em contrapartida, a população depende da ajuda humanitária internacional. Só a Coréia do Sul envia 1 bilhão de dólares em dinheiro, comida e medicamentos por ano. De acordo com as Nações Unidas, 70% da população urbana depende da distribuição pública de alimentos.
Na quarta-feira 5, quando os novos projéteis caíram no mar, o Japão pediu ao Conselho de Segurança da ONU o fim da transferência de fundos, de material e de tecnologia que poderiam ser usados em programas bélicos. A proposta contou com o apoio da Inglaterra e dos Estados Unidos, porém enfrentou a resistência da Rússia e da China. Mas alguns mimos de que Kim dispunha foram cancelados. O Japão interditou os portos de onde saíam barcos com ajuda monetária e mercadorias, e a Coréia do Sul suspendeu o envio de 500.000 toneladas de arroz e 100.000 de fertilizantes.
Pode parecer paradoxal que um ditador assuste os países próximos quando depende da ajuda deles, mas com Kim Jong-Il é assim. Ele quer tirar proveito do poderio militar para arrancar condições mais favoráveis nas negociações com esses outros países. "Kim aproveita que tem costas quentes com a China e a Rússia para tentar negociar diretamente com os Estados Unidos", diz Williams Gonçalves, historiador da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Assim, o presidente americano George Bush, que já colocou o pequeno país entre os membros do "eixo do mal", aparece como um inusitado defensor da via diplomática. As tropas americanas, vale lembrar, estão esgotadas com as guerras sem fim no Afeganistão e no Iraque. Com isso, duas possibilidades aparecem no cenário imediato. Ou Kim Jong-Il consegue o que pretende ou continuará importunando os outros. O teatro estrelado pelo líder coreano poderá ter novos atos. Difícil é saber se se trata de uma comédia ou de uma tragédia.