Entrevista:O Estado inteligente

sábado, julho 08, 2006

VEJA Os novos pastores


Com menos ênfase no sobrenatural e mais
investimento em técnicas de auto-ajuda,
a nova geração de pregadores evangélicos
multiplica o rebanho protestante e aumenta
a sua penetração na classe média


Camila Pereira e Juliana Linhares


Valéria Gonçalves/AE
REBANHO QUE CRESCE
Evangélicos na Marcha para Jesus, evento que reuniu 3 milhões de pessoas em São Paulo em junho


A informação foi divulgada pela primeira vez no último mês de maio, para perplexidade dos 320 bispos católicos reunidos na 44ª Assembléia Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em Indaiatuba, no interior de São Paulo: nas últimas décadas, a Igreja Católica brasileira perdeu nada menos do que 15 milhões de almas, segundo pesquisa de mobilidade religiosa feita pelo Centro de Estatística Religiosa e Investigações Sociais (Ceris). O trabalho, coordenado pela socióloga Sílvia Regina Fernandes, abrangeu cinqüenta municípios brasileiros, sendo 23 capitais, e foi realizado entre agosto e novembro de 2004. De acordo com o estudo, o primeiro motivo pelo qual o católico vem abandonando a doutrina é a discordância em relação aos seus princípios. O segundo é a sensação de não ser acolhido pela igreja e o terceiro é o fato de não ter encontrado nela apoio para os momentos difíceis. Os resultados da pesquisa do Ceris embutiam um desconcertante corolário: de que, de cada dez ex-católicos, sete se tornaram evangélicos. De 2000, ano do último censo, a 2003, o número de evangélicos brasileiros passou de 15% para quase 18% da população, conforme estudo inédito feito pela Fundação Getulio Vargas (FGV) e coordenado pelo economista Marcelo Neri. Em valores absolutos, isso significa dizer que, em três anos, quase 6 milhões de brasileiros aderiram ao protestantismo, que continua crescendo com fôlego renovado graças ao trabalho de uma nova geração de pastores.

Das três grandes correntes evangélicas presentes hoje no Brasil (veja quadro), a neopentecostal é a que mais cresce. Surgida na década de 70, ela teve como principais expoentes pregadores como o pastor Romildo Ribeiro Soares, conhecido como R.R. Soares, e o bispo Edir Macedo. Juntos, eles fundaram a Universal do Reino de Deus e lotaram estádios com seus brados de cura e suas performances exorcistas. Eram tempos muito diferentes para os evangélicos: no início dos anos 90, eles não passavam de 9% da população brasileira. Na tentativa, então, de abrir portas para o neopentecostalismo nascente, alguns pastores acabaram por arrombá-las. Um dos episódios mais famosos ocorreu em 1995, durante a transmissão do programa Despertar da Fé, na TV Record. Para salientar a diferença entre os evangélicos e os "adoradores de imagem" católicos, o pastor Sergio von Helde, da Universal do Reino de Deus, desferiu socos e pontapés em uma estátua de Nossa Senhora Aparecida. A cena foi ao ar no dia 12 de outubro, data que os católicos devotam à santa, e ganhou tamanha repercussão que, quatro dias depois, o bispo Edir Macedo foi obrigado a ir à TV pedir desculpas públicas aos católicos. Embora Macedo continue a ocupar o posto de líder máximo da Universal e R.R. Soares, hoje líder de uma igreja dissidente, mantenha no ar seu programa religioso há mais de 25 anos, ambos os religiosos pertencem a uma geração passada. Na pregação das novas estrelas evangélicas não há espaço para destruição de santos ou descrições sobre o apocalipse e o demônio. O Deus que pregam os telepastores da segunda geração não tem na ira sua característica principal. Tampouco cultiva o hábito de espreitar as carteiras de fiéis à procura de tostões secretamente sonegados, como sugeriam, ameaçadores, muitos dos pastores antigos, defensores da tese de que uma boa graça tem seu preço.


Claudio Rossi
VELHA-GUARDA
Decano dos televangelistas brasileiros, o pastor R.R. Soares está há mais de 25 anos no ar

A nova geração de líderes evangélicos achou um caminho muito mais certeiro e útil de chegar ao coração dos fiéis: o da auto-ajuda. A promessa é a mesma que ofereciam pentecostais e neopentecostais da geração passada: o da felicidade e prosperidade aqui e agora. Só que, para alcançá-las, os novos pastores sugerem outras ferramentas: além da fé, o bom senso; somado à intervenção divina, o esforço individual. "O discurso atual dá mais ênfase ao pragmatismo e à pró-atividade do fiel do que ao sobrenatural", avalia o pesquisador da PUC-SP Adilson José Francisco. "Em vez de pregar, como fazem algumas igrejas, a libertação de todos os males por meio do exorcismo, por exemplo, esses pastores adotam alguns conceitos da psicologia: para se livrar dos problemas, é preciso uma mudança de atitude, na maneira de ver o mundo", explica o antropólogo Flávio Conrado, pesquisador do Instituto de Estudos da Religião. Um indicativo claro dessa transformação está na comparação da produção literária dos velhos e dos novos pastores. Títulos como A Fé de Abraão ou Estudo do Apocalipse, assinados pelo bispo Edir Macedo, abrem lugar nas prateleiras das livrarias evangélicas para obras com títulos como Jamais Desista!, do pastor metodista Silmar Coelho, ou Vencendo Obstáculos e Conquistando Vitórias, de autoria de Silas Malafaia. Um dos nomes mais conhecidos da Assembléia de Deus, o pastor Malafaia chega a vender, por ano, 1 milhão de DVDs e CDs de pregações de conteúdo motivacional. Em seus discursos, as parábolas bíblicas dão lugar à objetividade de um Lair Ribeiro. Conflito amoroso? "Vem cá, minha filha: o sujeito é bonitão e sarado, mas não trabalha nem estuda? Então, fica com o magrinho narigudo que é melhor! Ele pode ser feio mas é trabalhador", brada o pastor. Perda de emprego? "Meu amigo, você ganhava 700 reais e viu abrir uma porta de 300 reais? Mete a cara! Não fica dizendo que Deus está olhando, que vai abrir uma porta melhor... Deus tá vendo o quê, rapaz? Vai trabalhar!" "Os neopentecostais pregam o faça-você-mesmo", afirma o historiador e especialista em religiões da Universidade Estadual Paulista (Unesp) Eduardo Bastos de Albuquerque. "E, muitas vezes, a técnica funciona. Ao deixar de beber, fumar, brigar dentro de casa e ao passar a trabalhar, o fiel alcança, de fato, uma melhoria de vida."

Para o sociólogo Ricardo Mariano, da PUC do Rio Grande do Sul, o sucesso do discurso dos novos pastores está diretamente relacionado ao que ele chama de "desencanto" dos fiéis em relação à idéia da "barganha" com Deus proposta pelos antigos pregadores. "Há certa decepção com esse discurso fácil de que bastaria dar o dízimo e orar que Deus deixaria todo mundo feliz, vitorioso e saudável", diz. O sociólogo chama ainda atenção para o fato de que, ao enfatizarem a importância da racionalidade em detrimento da magia, os novos pastores estão mirando um segmento que, embora ainda incipiente, começa a crescer: o dos fiéis de classe média. As últimas pesquisas indicam que a maior parte dos evangélicos ainda pertence às classes econômicas mais pobres. O estudo "Retratos das religiões no Brasil", divulgado no ano passado pela FGV, mostra que, enquanto o porcentual de evangélicos em todo o país, em 2000, era de 15%, na periferia das regiões metropolitanas ele chegava a 20%. Na comparação com fiéis de outras religiões, a situação socioeconômica dos evangélicos também é desfavorável. Em média, eles ganham 7% a menos do que os trabalhadores católicos, diz a pesquisa. Alguns indícios, no entanto, sugerem que as igrejas evangélicas começam a penetrar de forma mais intensa nas classes econômicas mais altas. A formação dos próprios pregadores é um desses indicativos. O decano R.R. Soares, por exemplo, é filho de pedreiro, não tem curso superior e, antes de ingressar na carreira religiosa, era comerciante, assim como Edir Macedo. Dos cinco pastores da nova geração ouvidos por VEJA, quatro têm curso superior e dois deles possuem pós-graduação: Malafaia, da Assembléia de Deus, é teólogo e psicólogo; Rinaldo de Seixas Pereira, da Bola de Neve Church, é formado em propaganda e marketing, com pós-graduação em marketing; Silmar Coelho, da Igreja Metodista Wesleyana, é teólogo, com doutorado em teologia e liderança; e Robson Rodovalho, da Sara Nossa Terra, é físico, com especialização em ressonância magnética nuclear.

A qualificação desses novos pregadores não contribuiu apenas para que eles modernizassem seus discursos, mas, em alguns casos, para que aprimorassem técnicas de gerenciamento de suas igrejas também. O conceito de segmentação está presente nos espaços e eventos dedicados ao público jovem da igreja Sara Nossa Terra. "Dar um tratamento diferenciado a jovens ou idosos é uma preocupação que não existe nas igrejas evangélicas mais antigas", diz o professor e pesquisador da Universidade de Brasília Rogério Rodrigues da Silva. Os evangélicos são hoje o grupo religioso que mais cresce no Brasil – e nada indica que isso vá mudar. Basta ver a rapidez com que a igreja cria novas lideranças. Atualmente, o número de pastores evangélicos por fiel é dezoito vezes maior que a proporção de padres por católico. Enquanto a Igreja Católica não consegue ordenar mais do que 900 padres por ano, só um único instituto evangélico de São Paulo forma, no mesmo período, 200 pastores . O sucesso da doutrina, a facilidade de comunicação com os fiéis e a eficiência na gestão das igrejas permitem vislumbrar templos evangélicos cada vez mais cheios. Projeção feita pelo economista Marcelo Neri indica que em 2015 mais de 20% da população brasileira será evangélica. É o rebanho cada vez mais satisfeito com o que lhe proporciona sua fé.

Lailson Santos
SANDY DOS EVANGÉLICOS
A pastora e cantora batista Ana Paula Valadão, entre o pai, Márcio (à esq.), e o irmão André: show para um 1 milhão de fiéis
Nélio Rodrigues/1º Plano
Nome: Ana Paula Valadão
Idade: 30 anos
Formação: superior incompleto
Igreja: Igreja Batista (Convenção Batista Nacional)
Sede: Brasília (DF)
Número de templos: 2 200

Com seu rosto bonito, voz afinada, ar de moça comportada e sorriso eternamente pregado no rosto, Ana Paula Valadão mais parece uma estrela pop de público adolescente do que pastora da Igreja Batista da Lagoinha, de Belo Horizonte – função que exerce há seis anos. Na verdade, ela é as duas coisas. À frente da banda Diante do Trono, essa mineira de 30 anos se tornou uma das maiores estrelas brasileiras da música gospel. Dos oito CDs lançados por seu grupo, sete já ultrapassaram a marca de 400 000 cópias vendidas. Em 2004, em uma apresentação em Salvador, a banda reuniu 1 milhão de pessoas. Nos shows, as músicas (quase todas compostas por ela) são acompanhadas em uníssono pelo público. Em ritmos que vão de baladas românticas a animadas canções pop, as letras falam de um Deus bom, que ama a todos e oferece proteção. Nenhuma referência ao demônio ou ao mau-olhado, comuns no receituário dos primeiros superpregadores. Filha do pastor Márcio Valadão, que preside a Igreja da Lagoinha há 35 anos, Ana Paula começou a cantar em hospitais, festas familiares e no coral da igreja. Hoje, também faz sucesso na TV. Seu programa, que tem o mesmo nome da banda, é um dos mais vistos da Rede Super, canal de sua igreja. O irmão e o marido – a família é formada por quatro gerações de evangélicos – também são pastores e têm seus próprios programas. Ana Paula, no entanto, faz questão de ressaltar que o sucesso não passa de uma conseqüência menor de sua missão. Como diz, docemente, a pastora: "Nós não fazemos entretenimento. Queremos que as pessoas se divirtam, mas louvando ao Senhor, e não a nós".

Fotos Lailson Santos
FÉ SOBRE AS ONDAS
Rinaldo Pereira, fundador da Church Bola de Neve: entre pranchas de surfe (acima) e pregando para a "galera"
Nome: Rinaldo de Seixas Pereira
Idade: 34 anos
Formação: publicitário
Igreja: Bola de Neve Church
Sede: São Paulo (SP)
Número de templos: 26

Rinaldo Luiz de Seixas Pereira, o pastor Rina, gosta de dizer que a coisa que mais gosta de fazer na vida é orar – e, em segundo lugar, surfar. Aos 34 anos, cabelo espetado, figurino surfwear, ele é o fundador da igreja neopentecostal Bola de Neve Church. Com seis anos de existência, ela tem um público formado essencialmente por jovens, em sua maioria surfistas e skatistas – e vem daí o seu nome, explica Rina. "Bola de Neve é porque eu sabia que seria uma coisa que cresceria. Church porque era como os primeiros freqüentadores, esportistas que costumam usar muitas palavras em inglês, chamavam carinhosamente o templo. Acabei incorporando", conta o pastor. Pouca coisa na Bola de Neve lembra uma igreja evangélica tradicional. No púlpito, uma prancha de surfe faz as vezes de altar. Na platéia, o que se vê são jovens de boné, tatuagem e piercing. Imagens de paisagens e animais são projetadas nas paredes do templo enquanto Rina fala. "Está estressado? Anda tomando Yakult com o chinelo na mão para matar os lactobacilos vivos? Pensa, 'cabeção'! Em vez de estourar uma 'bucha' (fumar um cigarro grande de maconha, na gíria do surfe) e ficar 'doidão' por aí, ora para Deus." Se, na forma, a pregação de Rina soa moderna, no conteúdo é mais tradicional. O pastor defende a manutenção da virgindade até o casamento, é favorável ao aborto apenas em casos de estupro e só aceita no templo gays dispostos a "converter-se" ao heterossexualismo.

Fotos Anderson Schneider
PREGAÇÃO DE RESULTADOS
Robson Rodovalho: rombo no cartão de crédito se resolve com economia, e não com oração
Nome: Robson Rodovalho
Idade: 50 anos
Formação: físico
Igreja: Sara Nossa Terra
Sede: Brasília (DF)
Número de templos: 650

"Quem aqui está com o cartão de crédito estourado que levante a mão", pede o bispo Robson Rodovalho, fundador da igreja Sara Nossa Terra. Depois de observar as dezenas de braços erguidos na platéia, ele diz: "Então, hoje nós vamos fazer uma lista dos gastos que podemos cortar e planejar nossas contas para os próximos três meses". Na igreja do bispo Rodovalho – dono da Rádio Sara Brasil FM e da Rede Gênesis, canal de programação gospel em que ele é a principal estrela –, cartão de crédito no vermelho se resolve com aperto de cinto, e não com oração. Judoca, praticante de corrida e musculação, o bispo conta com a ajuda da mulher, Maria Lúcia, para administrar os negócios e a igreja que fundou em 1992 – e que, por causa de incursões ocasionais de atrizes como Deborah Secco e de cantores como Rodolfo (ex-integrante da banda de rock Raimundos), ficou conhecida como "a igreja dos famosos". A também bispa Maria Lúcia é a encarregada do segmento jovem da Sara Nossa Terra. Além de introduzir nos templos aulas de hip hop, capoeira e funk – tudo embalado ao som de música gospel –, a bispa criou o que batizou de "point", um encontro dominical de jovens. "Lá, eles podem cantar, dançar e até beijar na boca", explica.

"CASAMENTO É COMO CONTA BANCÁRIA"
"Só saca quem deposita", diz o pastor Silmar Coelho (acima, na academia de seu prédio)
Nome: Silmar Coelho
Idade: 55 anos
Formação: teólogo
Igreja: Igreja Metodista Wesleyana
Sede: Petrópolis (RJ)
Número de templos: 500

Em arrastado sotaque carioca, o pastor Silmar Coelho provoca os fiéis do sexo masculino: "Meu irrrrmão, casamento é que nem conta bancária. Só saca quem deposita. Tem de dar flores, elogiar todo dia. Depois, não adianta reclamar que o saldo tá zerado". Foi assim, recorrendo mais a conselhos práticos do que a citações bíblicas, que esse pastor metodista se tornou uma celebridade do mundo evangélico. Seu sucesso é tão grande que ele hoje é convidado a dar palestras para as mais diferentes correntes evangélicas do país: virou uma espécie de consultor para pastores com dificuldades de ibope. O segredo de Silmar está na capacidade de usar piadas, cenas de cinema e metáforas futebolísticas para ilustrar os preceitos da doutrina evangélica e dar suas receitas de felicidade conjugal, resumidas em livros como Manual de Namoro e Sexo e Quanto Vale Quem Você Ama, dois dos dezoito títulos que ele publicou nos últimos anos.

Fotos Roberto Setton
CAMPEÃO DE VENDAS
Silas Malafaia, que vende 1 milhão de CDs e DVDs de pregação: "Naquilo que o homem pode resolver, Deus não move uma palha"
Nome: Silas Malafaia
Idade: 48 anos
Formação: psicólogo
Igreja: Assembléia de Deus
Sede: Rio de Janeiro (RJ)
Número de templos: 180 000

Há 24 anos no ar, o telepastor Silas Malafaia, da Assembléia de Deus, tem idade e tempo de estrada suficientes para ser considerado um pregador da antiga geração. Basta que comece a falar, no entanto, para que se perceba que sua oratória não poderia ser mais atual. Malafaia tornou-se o campeão brasileiro de venda de DVDs e CDs de pregação (1 milhão de unidades comercializadas por ano) com o discurso evangélico da moda: aquele que defende que, na busca pela felicidade, recorrer ao bom senso e ao esforço individual pode ser muito mais eficaz do que ficar aguardando a providência divina. Seu grande ensinamento é: "Deus move o céu inteiro naquilo que o ser humano é incapaz de fazer. Mas não move uma palha naquilo que a capacidade humana pode resolver".


Como se forma um pregador

Além de freqüentar cursos de teologia
e de oratória, candidatos a pastor agora
aprendem a pregar na TV e portar-se à mesa


Juliana Linhares


Fotos Fabiano Accorsi
ESCOLA DA FÉ
Helton (no centro), professor de mídia cristã, e Helba, professora de etiqueta: na tela, sorrir sempre; à mesa, comer devagar



Não é milagre. O nascimento de um pastor capaz de arrebatar multidões ou comandar programas de televisão campeões de audiência é fruto de uma bem arquitetada operação em que só vocação espiritual não basta. Para conseguir pular dos bancos dos templos para os púlpitos, os jovens candidatos a pregador das igrejas evangélicas de linhas pentecostal e neopentecostal aprendem de noções de teologia a oratória, passando por técnicas para apresentação em rádio e televisão e até etiqueta. Na semana passada, VEJA esteve na sede do Instituto Bíblico das Assembléias de Deus (Ibad), em Pindamonhangaba, no interior de São Paulo. Todos os anos, o Ibad forma 210 novos pastores que vão comandar os mais de 180.000 templos que a Assembléia de Deus – hoje a maior igreja evangélica do Brasil, com 8,6 milhões de fiéis – tem espalhados por todo o país. Embora o curso seja o mesmo para homens e mulheres, apenas os primeiros podem ser ordenados na função. As alunas, ao fim do treinamento, formam-se missionárias. Sua tarefa é abrir novas igrejas.

Fundado em 1958, o Ibad tem estrutura semelhante à de uma boa universidade. Como grande parte dos alunos vem de regiões distantes do país, seus três prédios abrigam dormitórios com capacidade para até 100 pessoas: homens, mulheres e casados são acomodados separadamente. Além das salas de aula, o instituto dispõe de um moderno estúdio de gravação de rádio e TV com cinco câmeras e duas ilhas de edição, onde são ministradas as aulas de "mídia cristã". Nelas, os alunos aprendem as mesmas técnicas usadas por apresentadores de programas de televisão. "Termine as frases sempre sorrindo", diz o professor Helton Souza à aluna Simone Imroth, que veio de Santa Catarina para cursar os três anos de preparação. "É mais agradável para os telespectadores", explica. "É importante também olhar diretamente para a câmera. Dessa forma, você passa confiança para o público."

O que diferencia o curso de TV do Ibad de uma aula em uma faculdade de comunicação é a rígida disciplina imposta aos alunos. Há um uniforme para os homens e outro para as mulheres. Os primeiros têm de estar sempre barbeados e vestindo camisa de cores sóbrias, com terno e sapatos pretos. As mulheres usam camisa branca, saia, sapato e casaco escuros. Uma leve maquiagem é permitida para elas. Em todas as aulas, os professores transmitem aos alunos a noção de que o pastor é um modelo a ser seguido. "Os fiéis vão observar como vocês se comportam à mesa, se comem devagar ou afobadamente, se limpam a boca no guardanapo ou na borda da toalha", ensina a professora Helba Galvão Lemos, responsável pelas aulas de etiqueta. Nelas, os aspirantes a pastor aprendem desde como posicionar corretamente copos e pratos na mesa até a maneira certa de usar o talher de peixe.

Essa grade curricular – em que aulas destinadas a aperfeiçoar a relação entre o pastor e seus fiéis ganham tanto ou mais ênfase do que os estudos bíblicos – tem sido a tônica dos cursos realizados sobretudo nas igrejas do ramo neopentecostal. Esse grupo, uma dissidência dos pentecostais, é hoje o que mais arrebanha fiéis no Brasil. A velocidade de seu crescimento aumenta na mesma proporção em que diminui o tempo exigido para a formação dos que vão comandar os seus milhares de templos no país. A Universal do Reino de Deus, por exemplo, do bispo Edir Macedo, chegou ao paroxismo ao optar simplesmente por abrir mão dos cursos de formação. Na Universal, os novos pastores são formados no dia-a-dia da igreja. É observando os mais experientes que os aspirantes à carreira aprendem de técnicas de exorcismo e cura a métodos de gerenciamento de templos. "É um modelo funcional para as igrejas. Além de agilizar o processo de formação, reduz o alto investimento na preparação de novas lideranças", diz Ricardo Mariano, professor da PUC do Rio Grande do Sul e autor do livro Sociologia do Novo Pentecostalismo no Brasil. Entre evangélicos tradicionais, como luteranos e batistas, a formação de um pastor leva até cinco anos. Além de um curso superior em teologia, o candidato tem de passar por um estágio de um ano antes de assumir o comando de um templo.

A diferença nos vários tipos de formação entre os ramos evangélicos resulta em distintos perfis de pastor para cada igreja. Uma pesquisa realizada em 2004 pelo psicólogo Rogério Rodrigues da Silva na Universidade de Brasília mostrou que, enquanto entre os evangélicos históricos o porcentual de pastores com mestrado e doutorado é de 17%, nos ramos neopentecostais esse número baixa para 1%. "A ênfase na preparação prática ajuda no crescimento do número de fiéis, mas a falta de uma base mais sólida pode tornar o atendimento dos pastores mais precário", afirma o teólogo Lourenço Stelio Rega. Nas igrejas católicas, a formação de um padre é um processo que leva dez anos e inclui dois diplomas de graduação – um em teologia e outro em um curso da área de humanas. A manutenção da tradição tem seu preço: atualmente, segundo estudo inédito do professor Marcelo Neri, da FGV, apesar de o número de evangélicos brasileiros ser quase cinco vezes menor que o de católicos, o número de pastores é quatro vezes maior que o de padres.

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