Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, julho 03, 2006

VEJA Diogo Mainardi Vou embora

"Cada um tem seu talento. O meu é ir embora
do Brasil. Se ir embora do Brasil fosse pintura,
eu seria Michelangelo. Se ir embora do Brasil
fosse literatura, eu seria Flaubert. De maneira
calma e ordenada, consigo largar tudo e partir"

Uma senhora me abordou na rua. Eu sou muito abordado em Ipanema.
Ninguém aqui engole o Lula. Por isso me abordam. Para falar mal dele.
O tempo todo. Com as piores ofensas. É meio aborrecido para mim.
Estou enjoado do Lula. Quero me desatrelar dele. Quero parar de
comentar suas asneiras. Mas agora é tarde. Lula sou eu. Lula c'est moi.

Curiosamente, não foi para falar mal do Lula que aquela senhora me
abordou na rua. Foi para falar mal de mim. Ela queria que eu
arrumasse as malas e fosse embora do Brasil. Para sempre. Eu e meus
descendentes. Porque o Brasil, segundo ela, não é um lugar para quem
não gosta do Brasil. Dei-lhe uma resposta educada e segui adiante.
Quando cheguei em casa, me deitei no sofá e pensei. Depois, cutucando
a orelha com uma caneta, pensei mais um pouco. E continuei a pensar
nos dias seguintes. Por mais que me empenhasse, não consegui
encontrar um argumento para contestar aquela senhora. Ela está certa,
claro: o Brasil não é um lugar para quem não gosta do Brasil. Tão
simples. Tão linear. Tenho de dar um jeito de me mandar daqui.

Cada um tem seu talento. O meu é ir embora do Brasil. Ninguém sabe ir
embora do Brasil com mais engenho do que eu. É nisso que sou bom. E
só nisso. Se ir embora do Brasil fosse pintura, eu seria
Michelangelo. Se ir embora do Brasil fosse literatura, eu seria
Flaubert. De uma hora para a outra, consigo largar tudo e partir. De
maneira calma e ordenada. Com pouca bagagem. Minha turma é a dos
retirantes. Daqueles que matam cadelas a pauladas. Tenho trinta anos
de prática acumulada. Fui embora do Brasil num monte de
oportunidades, por longos períodos. E sempre me dei bem. Porque eu
sei o que esperar dos outros lugares. Quem parte pensando em
encontrar lá fora algo muito melhor do que o Brasil se estrepa.
Comigo isso nunca acontece. Vou embora do Brasil com o único
propósito de ficar longe do Brasil. Qualquer lugar suficientemente
distante daqui serve. Por pior que ele seja.

Um dos maiores atrativos de ir embora do Brasil é incomodar aqueles
que ficam. Muita gente se sente pessoalmente ofendida quando alguém
decide renunciar à nacionalidade. Eu sempre achei que nada podia ser
mais nobre do que incomodar meus compatriotas. Mais nobre e mais
gratificante. Estou mudando de idéia. Incomodei um bocado de gente no
último ano. O resultado é que me encheram de processos. Todos aqueles
mensaleiros que roubaram milhões e milhões conseguiram se safar. O
único punido fui eu. Por acaso entrar pela garagem para fugir do
oficial judiciário é nobre? É gratificante?

O ano que vem será um desastre para o Brasil. Golpismo de um lado.
Golpismo do outro. Já comecei a preparar a retirada, estudando as
rotas de fuga. Eu cumpri meu dever. Agora vou assistir à patetada de
longe. De muito longe.

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