14/7/2006
Todos os atores políticos dos últimos 20 anos pelo menos são
responsáveis pela tragédia da segurança pública no Brasil, que desde
maio assumiu em São Paulo a forma sem precedentes da guerra
terrorista da "indústria do crime", como o presidente Lula chamou os
que a deflagraram. Os seus alvos são múltiplos: o aparelho de Estado
em primeiro lugar, mas também a atividade econômica e a sociedade,
sem distinções - como agem todos os movimentos terroristas. A
incompetência, ou impotência, dos agentes públicos e dos três Poderes
da República é o fundamento irrefutável da aterradora realidade que
os paulistas passaram a viver esta semana, pela segunda vez em 60
dias. A essência do problema precisa ficar à vista de todos, para
impedir desde logo que prosperem as tentativas de exploração
eleitoral do novo surto de matanças e destruição.
Este espaço seria insuficiente para arrolar a massa de erros e
omissões que conduziram, ao longo de décadas, ao presente descalabro.
Tome-se o mais recente deles. Sob o impacto da primeira leva de
ataques do PCC, o Senado aprovou a toque de caixa o chamado pacote da
segurança - um conjunto de medidas das quais as mais importantes são
a criação do Regime Disciplinar de Segurança Máxima para os
envolvidos com o crime organizado e a instalação obrigatória de
bloqueadores de sinais de telefonia móvel nos presídios. Já aprovado,
o projeto levou um mês para chegar à Câmara - onde está parado porque
medidas provisórias à espera de deliberação trancam a pauta da Casa.
E o que dizer do programa de construção de presídios federais de
segurança máxima? O plano data de 1984. Produziu, agora, só uma
unidade, a de Catanduvas, no Paraná, com capacidade para 208 presos,
ainda vazia.
O pior é o paradoxo paulista. A partir de 1994 e especialmente depois
de 1998, o governo estadual demonstrou uma eficiência inédita no
combate ao banditismo e na construção de novos presídios. Em
conseqüência, a população trancafiada em São Paulo praticamente
triplicou nos últimos 8 anos. São hoje 125 mil os detentos,
distribuídos por 144 superlotadas unidades prisionais, formando o
inferno carcerário que não há quem ignore. É a clientela do PCC. Só
este ano, quase 5 mil presos se juntaram a essa população. Menos da
metade dos presos (41%) cometeu crimes hediondos. O que significa que
grande parte dos demais poderiam expiar as suas culpas cumprindo
penas alternativas, de acordo com a elogiada Lei de Execução Penal.
Mas apenas 11% dos detentos têm acesso ao regime semi-aberto.
Diante disso, para que as condições no interior das penitenciárias e
centros de detenção provisória deixassem de ser infernais,
transformando-se no purgatório, em sentido literal, previsto nas leis
modernas brasileiras e nos textos internacionais de que o País é
signatário, seria preciso acrescentar ao sistema, já, 28 mil vagas, o
equivalente a 40 novos presídios. Nos 6 anos e meio da gestão do
secretário da Administração Penitenciária, Nagashi Furukawa, levado a
se demitir duas semanas depois do início da onda terrorista, em 12 de
maio, o Estado entregou 82 novas unidades. Investimentos em cadeias
não podem diminuir, mas o abrandamento da corrida contra o relógio
exige o fim do encarceramento imitigado de condenados por crimes
comuns, desde que não reincidentes e com bom comportamento. E muito
mais agilidade da Justiça para julgar e, quando for o caso, soltar.
Não é hora, agora, de discutir causas e culpas. O importante, hoje, é
combater os efeitos das deficiências estruturais, apagar o incêndio
em curso. Para tal, a prioridade é a cessação da troca de estocadas
entre o presidente candidato, o ex-governador candidato e o
governador que o substitui. Revelando uma surpreendente sensatez para
o seus costumeiros padrões radicais, a senadora e presidenciável
Heloísa Helena, do PSOL, pediu da tribuna que as autoridades federais
e estaduais, com espírito construtivo, e "as forças vivas da
sociedade paulista" se juntem para traçar um plano de contingência
capaz de fazer cessar a violência terrorista. O Planalto tem a
oferecer algo sério: não os magros efetivos da Força Nacional de
Segurança, mas o compartilhamento de inteligência, como diz o
ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos. Polícia Federal e estadual
já cooperam. Falta fazer o mesmo na gestão da crise e esquecer a
disputa eleitoral.