Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, julho 14, 2006

O destino do Brasil (Por Lucia Hippolito)


Blog do NOBLAT

O resumo dos acontecimentos em São Paulo é: população aterrorizada,
poder público acuado, autoridades atarantadas.

Todos batendo cabeça, todos jogando a responsabilidade para o outro.
E todos tentando tirar proveito político da tragédia.

Tudo chocante, mas nem um pouco surpreendente. É o resultado esperado
do persistente processo de "desconstituição" do Estado, que vem
acontecendo, e não é de hoje, nas grandes metrópoles brasileiras.

Há séculos, o que se conhece como Estado Moderno vem se constituindo
a partir de alguns elementos. A soberania sobre o território
consolida-se gradativamente a partir da presença do poder público em
todo o país.

O monopólio do uso legítimo da força faz com que grupos privados
deixem de reprimir e oprimir sob motivações privadas e se subordinem
às forças do Estado.

A Justiça passa a ser exercida pelo Estado. A lei subordina tudo e
todos, e a única ordem jurídica reconhecida é a vinculada ao Estado.
Não há mais justiça privada, mas aquela patrocinada e exercida pelos
órgãos do Estado.

Muito bem. Se estes três elementos representam importantes fatores
constitutivos do Estado Moderno, é perfeitamente possível classificar
o processo por que passa o Brasil como de "desconstituição" do Estado.

A soberania sobre o território já foi ferida de morte, porque há
vastas áreas onde o poder público não penetra. E aí, entenda-se não
apenas a polícia, mas o agente de saúde, a ambulância, o caminhão de
lixo, o carro de bombeiros, o recenseador do IBGE, o carteiro etc.

Na maioria das vezes, estes agentes do Estado só conseguem ter acesso
a certos locais depois de solicitar permissão ao "protetor" do lugar,
em geral um traficante. Pois o poder público simplesmente abandonou
essas áreas e marginalizou suas populações, praticamente empurrando-
as para os braços do crime organizado.

Já o monopólio sobre o uso legítimo da força tem sido
sistematicamente desrespeitado por ricos, classe média e pobres,
indiferentemente.

Ricos contratam seguranças particulares (mas não evitam seqüestros).
A classe média contrata seguranças para suas ruas e condomínios (mas
não evita assaltos). Pobres recorrem à "proteção" de criminosos, uma
vez que a polícia (ou seja, o poder público) não protege ninguém.

Mas também os pobres pagam um imposto cruel por esta "proteção":
vivem sob o império do silêncio e do medo.

Finalmente, a justiça tem sido igualmente privatizada, subtraindo
soberania ao poder público.

A justiça privada (dos traficantes, das elites, da polícia) é sumária
e rápida. Espancamentos, assassinatos, ajustes de contas, "queimas de
arquivo" freqüentam corriqueiramente as páginas dos jornais.

Enquanto isso, a Justiça do Estado é lenta, cara, inacessível aos
mais pobres, justamente os que mais precisam dela. A impunidade
protege políticos, ricos, pessoas com diploma de ensino superior,
gente com boas conexões.

O crime organizado desafia o estado democrático de direito à luz do
dia, para todo mundo ver. E a reação das autoridades varia entre a
total indiferença, a resignação, os discursos grandiloqüentes e
vazios, as metáforas futebolísticas e os chavões de sempre.

O Estado brasileiro fracassou. Falhou o Judiciário, falharam os
Executivos federal, estaduais e municipais e falhou o Legislativo.

Nesta altura, não se trata mais de saber se o bandido é municipal,
estadual ou federal. O problema é nacional.

O poder público não entendeu que segurança é um problema político a
ser enfrentado como um todo, ou seja, violência urbana, crime
organizado, contrabando e tráfico de armas e drogas, lavagem de
dinheiro, caixa dois, corrupção na Polícia, no Legislativo, Executivo
e Judiciário.

Não vamos nos iludir. O destino do Brasil não está sendo jogado nem
no controle da inflação nem na geração de empregos ou no crescimento
sustentado. O destino do Brasil vai ser decidido no enfrentamento do
crime organizado.

Ou vencemos ou nos afundamos todos. Governo, oposição e sociedade.

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