A FDA aprova a primeira pílula
que combina três substâncias
do coquetel antiaids
Anna Paula Buchalla
Um dos principais desafios da medicina é manter as vítimas de doenças crônicas fiéis aos tratamentos. Como convencer um paciente a tomar um remédio – muitas vezes não um só, mas vários deles – pelo resto da vida? Uma das saídas encontradas pela indústria farmacêutica tem sido simplificar os tratamentos ao máximo. Em se tratando de tomar remédios, facilitar a vida do paciente significa reduzir a quantidade de comprimidos e de doses diárias. Se isso tudo resulta em remédios mais baratos, melhor ainda. Um grande passo nesse sentido foi dado na última semana, com a aprovação do primeiro remédio em dose única contra a aids pela FDA, a agência americana que controla a venda de medicamentos. O Atripla reúne em uma única pílula três importantes remédios que compõem o coquetel anti-HIV – o tenofovir, a emtricitabina e o efavirenz. Eles pertencem a duas classes distintas de medicamentos, que agem bloqueando a enzima transcriptase reversa, necessária para a replicação do vírus. É uma ótima notícia para quem se vale desses medicamentos – sem a pílula única, a prescrição é de uma dose durante o dia e duas à noite. Nos casos mais graves, um paciente de aids chega a tomar oito comprimidos por dia. Em termos de economia, contudo, o Atripla não alivia em nada a vida do paciente. O custo do tratamento é praticamente o mesmo da terapia com os três remédios separados – 1.150 dólares por mês. Inicialmente, o Atripla será vendido apenas nos Estados Unidos. Aqui no Brasil, um dos componentes da fórmula, a emtricitabina, ainda não obteve registro da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Se a baixa adesão aos tratamentos das doenças crônicas preocupa, o caso da aids é ainda mais alarmante. E envolve uma questão delicadíssima: o aumento da resistência do vírus aos remédios. Abandonar uma medicação significa fortalecer o inimigo: o vírus HIV se replica com mais facilidade e torna-se ainda mais mutante. Além de agravar a doença, a interrupção ainda diminui as opções de tratamento com outras associações entre as 21 drogas do coquetel. "Costumo dizer a meus pacientes que há três maneiras de seguir um tratamento: tomando os remédios corretamente, pela metade ou não tomando. A segunda opção é a pior de todas. O doente pode estar criando um monstro às vezes impossível de combater", diz o infectologista Artur Timmerman, do Hospital Albert Einstein. Evitar que o vírus se torne mais resistente também é importante para o controle social da epidemia – impede-se que cepas mais agressivas se disseminem. Para isso, a adesão dos pacientes ao tratamento tem de ser de, no mínimo, 95%.
O Atripla é resultado da associação de dois laboratórios americanos: o Gilead Sciences, fabricante do tenofovir e da emtricitabina, e o Bristol-Myers Squibb, que comercializa o efavirenz nos Estados Unidos. "É a primeira associação desse tipo em 25 anos de história da epidemia de aids", disse a VEJA o porta-voz do laboratório Bristol, Eric Miller. O remédio representa uma das tendências mais fortes da indústria farmacêutica: a criação de pílulas que combinam dois ou mais compostos ativos. Há um remédio que ataca de uma só vez o colesterol alto e a hipertensão. Outro combina duas substâncias para o controle do diabetes tipo 2 em um único comprimido. As pílulas combinadas têm uma vantagem adicional para os fabricantes: são uma forma de driblar a expiração da patente de remédios cujas vendas trazem rendimentos na casa do bilhão de dólares por ano.
| ||||
|