O Estado de S. Paulo
17/7/2006
A Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) realizou em Ouro Preto o 32º encontro da “catchiguria”. Jornalistas empregados não puderam comparecer. Estavam trabalhando - uma exigência de seus patrões malvados, que comem a vovozinha. Deveriam comer Chapeuzinho. O Vermelho. A palestra de abertura, no dia 5, foi feita por Marilena Chauí, uma estranha e ambivalente criatura. Como petista, é filósofa; como filósofa, é petista. No partido, é uma inoperante prática; na filosofia, uma extravagante teórica.
O trabalho de media criticism no Brasil é um braço do PT. Perueiros e jornalistas sindicaleiros têm algo em comum: servem ao mesmo patrão, um partido. A revista Imprensa se diferencia. Foi no seu portal que li primeiro a sharia de Marilena contra os meios de comunicação. Ela abandonou a sua madrassa na USP para incitar os conjurados de Ouro Preto. O site da Fenaj traz o melhor da sua intervenção, que segue em itálico: “(...) o jornalismo se tornou hoje um dos principais protagonistas da destruição da opinião pública. (...) os meios de comunicação cumprem uma função de reprodução e valorização da ideologia capitalista (...). Com a onda de neoliberalismo instalada no mundo, está ocorrendo o encolhimento do espaço público e o alargamento do espaço privado (...). Ela cita que há uma verdadeira ‘saturação de informações’ que, assim, contribui para desinformar a população à medida que inibem a reflexão crítica.”
Uma pessoa alfabetizada não emprega assim o verbo “citar”. Certas coisas são indecorosas. Não sei como madame conseguiu sair de casa depois que o saudoso José Guilherme Merquior, nos idos de 1980, evidenciou a “influência” que Claude Lefort exercia sobre ela. Ou melhor, sei. É precursora de uma tática tornada um método no seu partido: em caso de flagrante, negue, parta para o contra-ataque e acuse um golpe.
Foi o que fez. Até abaixo-assinados contra Merquior circularam na USP. Essa gente é capaz de levar Fédon a um tribunal para que o Comissariado de Assuntos Filosóficos decida se são válidas as provas da imortalidade da alma. Até Lefort saiu em socorro de Marilena, sem contestar o mérito do que Merquior dissera. Eles adoram um cartório. Melhor ainda se for acadêmico.
Madame é a Tati Quebra-Barraco da filosofia. Seu pensamento é pleno de palavras de duplo sentido e apela à barbárie. É claro que a fatwa contra a imprensa buscava atingir os “patrões”. Nós, jornalistas, somos menores de idade ou escravos subjugados por capitães-do-mato. Não lhe ocorre que é possível ser jornalista e gostar do capitalismo por boas e severas razões. Marilena esperneia porque sabe que a esquerda dá o tom na mídia. Ela exerce o poder da vítima porque é o melhor para a sua causa. Afinal, as grandes empresas de comunicação no Brasil, em nome de seus princípios liberais, facultam aos inimigos da liberdade de expressão “direitos” que estes, se estivessem no poder, não lhes facultariam em nome dos deles.
O funk filosófico de Madame impressiona. Até o PT chegar ao poder, não havia “pensadora” mais midiática do que ela. De Spinoza a ovo frito, dava palpite na Folha sobre tudo. Encarnava o eterno feminino e revolucionário, aquela figura rechonchuda de A Liberdade Conduzindo o Povo, de Delacroix (conterrâneo de Lefort), só que tornada ainda mais palpitante pelo sol dos trópicos. Aí ela decidiu silenciar e só se indignar a favor do governo. Parou de falar com a “imprensa burguesa”: a fase de “resistência” já havia passado. Não era mais necessário desenhar estrelas na areia, a exemplo dos primeiros cristãos com seus peixes. Agora, pertence ao Tribunal do Santo Ofício. Por isso foi lá incitar os inquisidores da Fenaj.
E o que querem os valentes? Voltaram a defender o Conselho Federal de Jornalismo (CFJ), um órgão que pretendem apto até a cassar o registro dos jornalistas que não se ajoelharem no altar de suas taras ideológicas. E vão adiante: mantêm a luta pela obrigatoriedade do diploma e dão apoio a um projeto boçal, aprovado no Senado, que amplia de 11 para 23 as funções que só podem ser exercidas por diplomados. Até o câmera, coitado!, terá de ouvir as sharias pucuspianas contra a imprensa burguesa.
A Fenaj tornou público um documento sintetizando o encontro. Chama-se Por ideais ousados e democráticos ainda que tardios. O Virgílio amputado da bandeira não merecia isso. Prega a retomada dos “princípios que inspiraram a criação do movimento pela ética na política nos anos 80” - ou seja, retorno ao petismo original - e cobra dos candidatos a luta contra a corrupção eleitoral. Sobre os escândalos do PT, nada!
A entidade, que poupa o babalorixá de Banânia, ataca George W. Bush! Está lá: “A consolidação de governos sul-americanos não alinhados aos Estados Unidos, principalmente sob a doutrina Bush, traz sérios transtornos aos interesses estratégicos norte-americanos e, certamente, gera reações.” O “não-alinhado” Evo Morales expropriou a Petrobrás. Bush perdeu o sono. Mais adiante, assegura: “Não por acaso, o primeiro passo da invasão na região é conquistar ‘corações e mentes’, por meio da hegemonia cultural, a partir do controle dos sistemas de mídia e telecomunicações.” Gente que ainda emprega “corações e mentes” merece chicote. Parte da Editora Abril foi comprada pelo imperialismo sul-africano...
Depois de outras considerações, conclui: “É por conta desse pano de fundo multifacetado que o jornalista brasileiro precisa trabalhar pela consolidação de um Código de Ética que seja aplicado por um Conselho Federal dos Jornalistas.” O pano de fundo sempre teve duas faces. Agora tem muitas caras. Como o PT. Não entendi bem como é que o CFJ poderia colaborar no combate ao imperialismo. Vou perguntar a Tati Quebra-Barraco. A original.