Sobrenome famoso no Brasil por causa do filho Claude ("Hoje, mais brasileiro que muitos brasileiros"), Troisgros pai, 78 anos, chef respeitadíssimo e um dos inventores da nouvelle cuisine, vem ao Brasil em agosto para uma mesa-redonda em São Paulo e um festival de gastronomia em Santa Catarina. De sua casa, na França, ele falou à repórter Bel Moherdaui.
O RESTAURANTE DA SUA FAMÍLIA, O MAISON TROISGROS, JÁ ESTÁ NAS MÃOS DA TERCEIRA GERAÇÃO. TODO TROISGROS NASCE FADADO ÀS PANELAS?
Sem dúvida. Sou cozinheiro, meu irmão era, meus filhos e meus sobrinhos também são. Meu filho Michel ajuda a perpetuar a qualidade do restaurante da família e a manter as três estrelas do Michelin, que eu e meu irmão recebemos. Minha filha, Anne-Marie, é casada com um cozinheiro de Bordeaux. Claude, meu outro filho, tem restaurante no Brasil. Na geração seguinte, Thomas, filho do Claude, acaba de se formar no Culinary Institute of America. O mais velho do Michel está trabalhando em um restaurante de Paris. Ao todo, são onze pessoas da família trabalhando na cozinha.
A FRANÇA AINDA É O CENTRO DO MUNDO QUANDO SE FALA EM COMIDA?
É preciso ter humildade. Sem dúvida, a França tem uma enorme vantagem na diversidade de produtos, de clima, de produção artesanal. Também tem muita influência a personalidade do francês, que é individualista e quer dar um toque pessoal à sua comida. Ainda acho que a cozinha francesa está no topo da gastronomia. Mas temos de lutar para que se mantenha lá, porque, com a globalização e o aumento das viagens, isso pode mudar.
ALÉM DA FRANÇA E DA ESPANHA, QUE OUTRO PAÍS O SENHOR AVALIA QUE TEM UMA GASTRONOMIA DE ALTA QUALIDADE?
No caso da Espanha, não é exatamente a culinária espanhola, mas uns quatro ou cinco cozinheiros espanhóis. Ferran Adrià, por exemplo, é um gênio e fez uma grande revolução na comida. Fora ele, não acho que se devam seguir esses modernismos todos, porque isso se afasta muito do que deveria ser a cozinha. Acredito também que a Itália mereça menção. Lá existe uma cozinha tradicional, sedimentada, que faz poucas concessões.
POR QUE MULHER NÃO TEM LUGAR NA ALTA CULINÁRIA?
Em geral, elas têm dificuldade para se impor, principalmente na hora de chefiar tantos homens. É uma profissão muito difícil, muito cansativa. É preciso ter uma vontade férrea, e a mulher fica dividida entre a profissão e o lar. Além disso, pelo fato de serem responsáveis pela alimentação da família, elas têm esse espírito de formiga. Não têm esse lado mais exuberante e criativo da cigarra, como os homens.
HOJE, MUITOS CHEFS SE TORNARAM CELEBRIDADES. SÃO CONVIDADOS PARA FESTAS, TEM PROGRAMA DE TELEVISÃO, LIVROS, FÃS. O QUE O SENHOR ACHA DISSO?
Eles têm mais é que aproveitar esse fenômeno. Mas não é o meu caso.
O INGLÊS JAMIE OLIVER, POR EXEMPLO, CONTRIBUI PARA O BEM OU PARA O MAL?
Ele é um artista de primeira, que sabe manter a atenção do público. Mas sua cozinha é boa para as donas-de-casa e para o público que quer ver show na televisão.
A COMIDA, PRINCIPALMENTE A GORDUROSA E POUCO NUTRITIVA, VIROU ALVO DE PERSEGUIÇÃO GERAL. ESTAMOS A CAMINHO DE PERDER O PRAZER DA ALIMENTAÇÃO?
Acho que ainda não chega a tirar o prazer, mas sem dúvida se presta muito mais atenção hoje ao que se come. As pessoas estão mais conscientes em relação aos componentes nutricionais dos alimentos e mais atentas ao excesso de gordura. A nouvelle cuisine de alguma maneira teve o mérito de fazer as pessoas prestar mais atenção à saúde, à silhueta.
Agradeço aos céus por ter 78 anos e 110 quilos e nunca ter feito nada. Há cinqüenta anos espero que um médico me mande fazer regime. Por enquanto, isso não aconteceu.