O Capitão Sparrow ainda é o melhor
de Piratas do Caribe. Com ele, o ator
que não quer agradar a ninguém
agradou a todo mundo
Isabela Boscov
Divulgação |
Depp como o deliciosamente canalha Sparrow: da primeira vez, ele quase perdeu o emprego |
Três anos atrás, Johnny Depp por pouco não perdeu o emprego. Quando os executivos da Disney se reuniram para ver os primeiros rolos filmados de Piratas do Caribe – A Maldição do Pérola Negra, muitos deles foram tomados por tremores, palpitações e sintomas apopléticos: com mais de 140 milhões de dólares em jogo, quem Depp pensava que era para fazer do Capitão Jack Sparrow, herói/vilão de uma aventura estritamente familiar, um sujeito tão esquisito, tão cheio de trejeitos, tão... quase gay? De alguma forma, o diretor Gore Verbinski conseguiu persuadi-los de que o ator tinha um plano, e de que ele iria funcionar. Como se sabe hoje, não se tratava de conversa fiada. Jack Sparrow (que Depp moldou a partir da menos "família" de todas as criaturas, o guitarrista Keith Richards, dos Rolling Stones) se revelou desde o primeiro momento um favorito do público, e a razão maior do sucesso do filme. É em boa parte graças a Depp, portanto, que Piratas do Caribe – O Baú da Morte (Pirates of the Caribbean: Dead Man's Chest, Estados Unidos, 2006), que estréia no país nesta sexta-feira, bateu dois recordes tão sérios para a indústria cinematográfica quanto os 100 metros rasos o são para o atletismo: é o primeiro filme a alcançar os 100 milhões de dólares na bilheteria americana em apenas dois dias e a maior renda já registrada entre uma sexta-feira e um domingo nos Estados Unidos – 135,6 milhões. Agora, a má notícia: ao que tudo indica, os donos da série ainda não se convenceram plenamente de que o ator é quem fez o filme, e não o contrário, e continuam relutantes em entregar a Sparrow o comando pleno da franquia.
A grande graça de Piratas do Caribe (ou ao menos do episódio inaugural) está justamente no humor brincalhão e descompromissado que Depp levou para o filme, e que deu o tom para o restante do time. Pérola Negra tinha toda a fantasia inofensiva de uma daquelas aventuras de bucaneiros dos anos 30, mas sem a pretensão ao heroísmo. Como também a origem do filme não era exatamente nobre – ele se baseia numa atração dos parques da Disney –, as expectativas se mostravam modestas. O público iria prestigiá-lo e a crítica, ignorá-lo, era o que se acreditava. A primeira parte da teoria se cumpriu com honras; entre ingressos de cinema e venda de DVDs, Pérola Negra rendeu mais de 1 bilhão de dólares, tornando-se o título mais lucrativo da carreira já bilionária do produtor Jerry Bruckheimer. A segunda parte da tese é que se desmentiu de forma surpreendente. Todo mundo adorou o filme e, acima de tudo, comemorou que finalmente a platéia tivesse se dado conta do ator singular e carismático que Johnny Depp é.
Bruckheimer interpretou esses dados de sua forma habitual: se o público gostou disso, então lhe dê ainda mais disso. O que, no seu entender, significa tanto barulho e confusão que, lástima, não sobra um mínimo de tranqüilidade para apreciar os bons personagens – em especial Mackenzie Crook, da série inglesa The Office, como o marujo com um olho de vidro, a deliciosa Naomie Harris, como a vidente Tia Dalma, e Bill Nighy, o roqueiro velhusco de Simplesmente Amor, no papel de Davy Jones, o coisa-ruim dos mares, que vem cobrar uma dívida. Além, é claro, de Jack Sparrow. Se Depp notou que desta vez a ação tende a soterrar até as suas melhores tiradas, então é ainda melhor ator do que se supõe: pela sua tranqüilidade, ele poderia estar encenando O Baú da Morte num teatro de repertório.
Algum tempo atrás, Depp foi censurado por ter corrido com um pedaço de pau atrás de um paparazzo que tentou fotografar sua mulher, a francesa Vanessa Paradis, e seus dois filhos. Em vez de vir com desculpas e a justificativa-padrão de que perdera a cabeça, ele negou que tivesse saído do sério e, ao contrário, reiterou que pretende infligir o máximo de dor a qualquer um que roube de seus filhos o anonimato (e o casal Brangelina bem que poderia aprender uma coisa ou outra com ele). É isso que Depp tem de mais atraente – a absoluta falta de necessidade de se engraçar com o público, e a mais completa indiferença à opinião alheia, seja ela boa ou ruim, e venha ela de cima ou de baixo. Atores narcisistas e egocêntricos há aos montes; com tamanha auto-estima, nunca se viu.
Kevin Winter/Getty Images |
Com a mulher, Vanessa Paradis: "muita dor" a quem fotografar seus filhos |
À parte dois dos filmes feitos com o amigo Tim Burton – A Lenda do Cavaleiro sem Cabeça e A Fantástica Fábrica de Chocolate –, a franquia Piratas do Caribe é a primeira experiência de Depp no clube dos 100 milhões. Um sujeito menos autoconfiante teria moderado suas tendências à peculiaridade. Depp não considerou fazê-lo nem quando sua demissão entrou em pauta. Segundo ele, o primeiro dia num novo set é mesmo sempre aquele em que ele espera que alguém bata à porta do seu trailer trazendo o bilhete azul. "Se consegui aprender alguma coisa com gente como Marlon Brando ou Al Pacino, é que o medo de ser demitido é igual ao medo de errar – o que equivale, de saída, a não fazer o papel do modo que você entende, mas sim do jeito que os outros querem", diz. Depp inclusive já tentou ser posto na rua. Quando se cansou de ser o astro teen do seriado Anjos da Lei, entrou numa espécie de greve branca, trocando falas do roteiro e errando as marcações para forçar uma demissão. Ainda assim, teve de cumprir o contrato. Mas prometeu a si mesmo que ninguém o pegaria, de novo, num trabalho que ele próprio julgasse ruim.