Irado com o governador, partido espera ele descer a 'escada da sorte'
para reagir
O PFL tem assistido calado, porém irado, à performance do governador
de São Paulo, Cláudio Lembo, que desde sua ascensão ao posto, no
lugar de Geraldo Alckmin, só faz surpreender.
Seja com críticas ao candidato à Presidência numa chapa em que seu
partido ocupa a vice, seja com ataques "à elite branca" tomados pelos
pefelistas como agressões pessoais, ou mais recentemente com gestos
explícitos de agrado ao presidente Luiz Inácio da Silva e ao PT, a
"raça" que o presidente do PFL, Jorge Bornhausen, quer ver longe do
poder nos próximos 30 anos.
No partido ninguém está entendendo nada. Político disciplinado,
discreto, forjado e formado na seara daqueles que, segundo ele,
"infelicitam o País", Cláudio Lembo jamais deu sinal de desconforto
na convivência com seus pares nem manifestou qualquer razão para mágoa.
De repente, em plena campanha eleitoral e do alto de uma tribuna
importante como o governo de São Paulo, pôs-se a atirar para dentro.
No primeiro momento, o PFL achou que era tudo fruto da tensão por
causa dos ataques do crime organizado pouco depois de Lembo assumir.
A cúpula reuniu-se com ele em São Paulo, providenciou uns panos
quentes e achou que estava tudo resolvido. Ledo engano, viu-se em
seguida, quando o governador intensificou o tiroteio.
Perplexos, os pefelistas não compreendem porque ele prosseguiu nem
aonde pretende chegar. De Bornhausen a Antonio Carlos Magalhães estão
todos fervendo de raiva, mas fervem calados. E distantes. Friamente
no aguardo do fim do mandato para, então, reagir.
Como, não se sabe. O que se diz apenas é que Cláudio Lembo terá
tratamento condizente com sua atitude, assim que "descer a escada da
sorte". Afinal, chegou lá por obra e graça do senador Marco Maciel,
indicado para compor a chapa de Alckmin em 2002.
Essa indicação é fator de constrangimento dentro do partido, onde o
assunto é tratado com cuidado, mas sem mesuras. Durante a semana,
quando Lembo recebeu Lula com honras consideradas excessivas pelo
PFL, o senador José Jorge consultou Bornhausen sobre a possibilidade
de um novo encontro com o governador, mas o presidente do partido se
recusou.
Mas, se não quer aproximação, tampouco considera prudente qualquer
tipo de rompimento ou reprimenda pública agora. Isso, avalia a cúpula
do PFL, faria do partido um vilão e de Cláudio Lembo uma vítima. Além
disso, é tido como certo, o PT se mobilizaria todo, inclusive com
instrumentos da máquina federal, em defesa do governador, e isso não
renderia nenhum benefício à campanha de Alckmin.
Ao contrário. Na avaliação do PFL, poderia causar prejuízos pesados,
porque haveria o risco de Lembo partir para uma atuação explícita de
confronto com a candidatura apoiada por seu partido. E, estando o
inimigo na posse do governo de São Paulo, pragmático como é, o PFL
prefere adaptar o lema e aderir ao manda quem por enquanto pode e
espera calado quem tem juízo.
Massa amorfa
São tantos os desatinos verbais, que algumas declarações importantes
do presidente Lula acabam não merecendo a devida atenção e análise. É
o caso da opção preferencial pelos pobres manifestada de forma
arrevesada dias atrás.
Segundo Lula, é um prazer governar para os mais pobres. Até aí tudo
certo, pois deve mesmo ser estimulante alguém perceber-se no poder de
beneficiar a quem precisa.
O problema foi a explicação: na visão do presidente, é bom lidar com
gente sem dinheiro e desprovida de condições de mobilização porque
"não dá trabalho". Ou seja, e isso ele disse explicitamente, pobre
não tem tempo, recursos nem energia para reivindicar, se organizar,
protestar e contestar a validade do recebido e, portanto, quanto mais
pobres melhor.
Trata-se de uma percepção especialmente distorcida porque vem de uma
pessoa cuja carreira política foi feita dando trabalho aos poderosos.
Quando era pobre, Lula sonhou deixar de ser. Entrou no sindicato, se
juntou aos companheiros metalúrgicos, desafiou a ditadura,
ressuscitou o sindicalismo, se organizou, protestou, fundou um
partido, brigou, deu muito trabalho e conseguiu se eleger presidente
da República.
Agora governante, com recursos e poder, prefere lidar com a massa
amorfa porque, esta é a tradução de sua frase, ela se presta com
submissão a manobras que favorecem posições político-partidárias.
Quer dizer, o presidente sai de baixo, chega em cima e do alto olha
para baixo com satisfação de ver como há tanta gente ainda embaixo.
Seu projeto, ao que se sabia, era combater a pobreza. Mas pelo jeito
passou a ser alimentar com migalhas os pobres para que assim se
mantenham na ignorância, na penúria e na dependência agradecida e
submissa.
Triste. E politicamente atrasado, sem diferença nenhuma dos velhos
coronéis que tratavam - e nos grotões ainda tratam - o cidadão
necessitado como instrumento da preservação de seu poder. Não por
acaso, a esse eleitorado dócil e fiel dava-se o nome de curral.