Entrevista:O Estado inteligente

sábado, julho 15, 2006

O mapa do descaminho

VEJA

A crise no Oriente Médio mostra que certas
questões mundiais devem ser encaradas
como sem solução. Os ataques do Hamas
e do Hezbollah e a violenta reação israelense
enterram a última iniciativa de paz na
região, o chamado mapa do caminho


Diogo Schelp


Adnan Hajj/Reuters
NA CAPITAL DO LÍBANO
Atingidos por um ataque aéreo israelense, tanques de combustível queimam no aeroporto internacional de Beirute: fim de uma década de estabilidade no Líbano.


No Oriente Médio, o processo de paz costuma ser um exercício de curto prazo. Os povos da região já estão acostumados a ver sinais de estabilidade e cenas de apertos de mão de velhos inimigos se desintegrarem de um dia para o outro, dando lugar à tradicional seqüência de provocações e retaliações. Em termos mais recentes, o complicado relacionamento entre Israel e seus vizinhos foi marcado por duas retiradas unilaterais – a primeira do Líbano, em 2000, e a segunda de Gaza, em agosto do ano passado – e pelo Mapa do Caminho, o plano de paz bancado pelo chamado Quarteto (Estados Unidos, Rússia, União Européia e Nações Unidas). Esses movimentos foram acompanhados pelo prognóstico de que poderiam resultar, se não em um acordo de paz, pelo menos em algum tipo de acomodação pacífica. Nem isso foi possível. Na semana passada, a sensação era de déjà vu com guerras em duas frentes, a Faixa de Gaza e o Líbano.

A nova crise na região é um lembrete de uma realidade que as pessoas têm dificuldade em aceitar – a de que certas questões mundiais simplesmente não têm solução à vista. A disputa entre judeus e árabes pela Palestina é de difícil acordo devido, em parte, ao tamanho exíguo do território reivindicado por ambos os povos. Não é só isso. Os acontecimentos no Oriente Médio tendem a ser controlados pelos extremistas, cuja influência é reforçada por multidões tomadas pela emoção, pela fúria e pelo desejo de vingança. Na semana passada, com três soldados israelenses seqüestrados – um em Gaza, pelos palestinos, e dois no Líbano, pelos guerrilheiros do Hezbollah – e Israel ocupado em represálias militares em duas frentes, não restava espaço para vozes moderadas. Os ecos mais antigos desse conflito estão na última década do século XIX, quando tomou impulso a empreitada sionista de criar um Estado judeu na Palestina. As escaramuças entre comunidades rivais tornaram-se guerra de verdade com a criação do Estado de Israel, em 1948. Depois da guerra de 1967, quando os israelenses ocuparam os territórios árabes da Cisjordânia e de Gaza, o confronto reassumiu parte do caráter comunitário original.


Gil Cohen Magen/Reuters
VÍTIMAS DA GUERRA
A guerra civil libanesa acabou em 1990. Dez anos depois, as tropas de Israel desocuparam o sul do país. Na última década, o Líbano viveu um período de reconstrução e prosperidade, que agora está ameaçado. O ataque do Hezbollah e o contra-ataque israelense fizeram os libaneses reviver os pesadelos do passado: acima, o disparo do canhão israelense.

A retirada israelense de Gaza pressupunha a existência de algum tipo de racionalidade entre a liderança palestina. Sem a opressão diária da ocupação, os palestinos teriam a oportunidade de levar vida normal e de cimentar os alicerces de um Estado autônomo. A expectativa era que tal quadro levaria ao surgimento de um interesse pragmático na manutenção de um estado de não-beligerância com o inimigo sionista. Não foi o que aconteceu. Grupos armados levaram o caos ao território e, nas eleições, os palestinos entregaram o governo ao Hamas, movimento islâmico que se opõe a qualquer entendimento com Israel. Empurrados pelo furor ideológico e pelas disputas internas, os grupos palestinos passaram a disparar foguetes caseiros contra as povoações israelenses do outro lado da fronteira – foram mais de 500 desde a retirada de Gaza – e, por fim, seqüestraram o soldado, o que provocou o retorno das tropas israelenses a Gaza. Os bloqueios, a destruição da infra-estrutura de serviços públicos e a morte de civis tornaram a vida dos palestinos mais miserável do que nunca.

Nessa situação, o Hezbollah cruzou a fronteira ao norte, matou três e levou dois soldados como reféns para o Líbano. Israel reagiu com todo o seu tremendo poder de fogo. Trata-se de outra reviravolta para pior comandada pelos extremistas. Desde o fim da guerra civil, em 1990, e da ocupação israelense no sul, em 2000, o Líbano vivia um acelerado processo de reconstrução, prosperidade e otimismo. No ano passado, o país teve um momento glorioso. Indignada com o assassinato de um político popular, a população saiu às ruas e forçou a retirada das tropas sírias que estavam no Líbano desde 1976. Tudo isso está agora ameaçado, apesar de a esmagadora maioria dos libaneses só querer distância dos fanáticos do Hezbollah. Na semana passada, a aviação israelense começou a sistemática destruição da infra-estrutura libanesa. Bombardeou a pista do aeroporto internacional de Beirute e bloqueou inteiramente o pequeno país pelo ar e pelo mar. Os ataques aéreos contra posições do Hezbollah estão cobrando um alto preço em vítimas civis. Entre os mortos está uma família de quatro brasileiros que passava férias no Líbano.

A experiência mostra que, quando os israelenses partem para a força bruta, a situação pode fugir totalmente ao controle, dando início a uma perigosa escalada bélica. Nem sempre é fácil saber a quem interessa tanta violência, mas é evidente que a crise atual tem dimensões regionais. Apesar de pertencerem a ramos rivais do Islamismo, o Hamas (sunita) e o Hezbollah (xiita) compartilham o objetivo ideológico (criar Estados islâmicos e destruir Israel) e a peculiaridade de receber ordens do exterior. O Hezbollah é financiado e orientado pelos aiatolás do Irã, mas também deve vassalagem à Síria. No processo de pacificação do país, o Líbano desarmou todas as milícias, mas seu governo, controlado com mão-de-ferro por Damasco, não dispõe de poder, energia nem autonomia para tirar as armas do Hezbollah. O pretexto para a manutenção da milícia xiita é a resistência à ocupação israelense. Como esta deixou de existir, eles precisam provocar Israel com foguetes e seqüestros.

O braço militar do Hamas obedece apenas aos líderes exilados em Damasco. Estes, por sua vez, só agem com o consentimento do governo sírio. Pressionado a abandonar seu projeto de construir armas nucleares, é bem possível que Teerã tenha usado o Hezbollah para demonstrar sua capacidade de pôr fogo no Oriente Médio. O recado tem destino certo: Washington. Atolados no Iraque, tudo o que os Estados Unidos querem evitar é outra encrenca na região. Os prognósticos não são otimistas. Por um lado, o conflito pode se espalhar se a Síria ou o Irã decidirem atacar Israel. Por outro, os israelenses já convocaram seus reservistas. E só fazem isso quando a guerra é séria e prolongada. A reação violenta aos ataques do Hezbollah e do Hamas – que a União Européia classificou de "desproporcional" – dá uma idéia de como o seqüestro de soldados tocou num nervo exposto do Estado judeu. Por força de uma geografia perversa e de sua história peculiar, Israel é forçado a conviver olho no olho com inimigos que o superam em número, mas não em tecnologia e eficácia militar. O seqüestro de soldados e o bombardeio de cidades israelenses por palestinos e libaneses viraram essa vantagem estratégica de cabeça para baixo. É de imaginar que os israelenses só vão parar depois de afastar os foguetes do Hezbollah e do Hamas para longe de suas fronteiras. Por algum tempo, evidentemente. Até a próxima explosão no Oriente Médio.

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