Entrevista:O Estado inteligente

sábado, julho 15, 2006

A lei dos mais fortes

VEJA

Os quatro grandes partidos
devem ficar mais musculosos.
Pena que lhes falte identidade


Otávio Cabral


Robson Fernandes/AE
Comício com petistas em Minas Gerais e com tucanos na Bahia: cenário político cada vez mais polarizado entre PT e PSDB
Ricardo Stuckert/OBRITONEWS



Com o fim da bitola do bipartidarismo em dezembro de 1979, o Brasil enfrentou uma explosão partidária da qual jamais se recuperou. Hoje, o número de partidos políticos legalizados no país encontra-se no seu ponto mais alto, depois da criação do PRB, o partido do vice-presidente José Alencar: são 29 legendas, das quais nada menos que dezessete têm representação no Congresso Nacional. A profusão de siglas, porém, talvez esteja começando a ser combatida. Nesta campanha, cujos candidatos foram oficialmente registrados na semana passada, o cenário eleitoral está particularmente restrito. Na maioria dos estados, apenas dois candidatos têm chance real de vitória – e a maior parte deles é filiada a um dos quatro maiores partidos brasileiros: PMDB, PSDB, PFL e PT. Há mais de uma década, candidatos das quatro legendas monopolizam a preferência do eleitorado nacional, mas as pesquisas indicam que, nesta eleição, o domínio tende a aumentar ainda mais. A última rodada de levantamentos mostra que os candidatos a governador dos quatro partidos podem passar a comandar mais de 95% do eleitorado nacional (veja gráfico abaixo).

"A tendência nesta eleição é o fortalecimento dos grandes partidos, principalmente nos maiores estados, e o fim dos candidatos aventureiros, sem história e sem estrutura partidária forte", analisa Gaudêncio Torquato, professor de marketing político da Universidade de São Paulo (USP). "Apenas os quatro maiores partidos devem sobreviver a curto prazo. Os menores vão ser extintos ou virar satélites dos grandes." Os candidatos a governador do PMDB, do PSDB, do PFL e do PT lideram as pesquisas eleitorais em 21 estados e no Distrito Federal. Além disso, os estados onde não ocupam a dianteira são unidades da federação com pouca influência política, escassa projeção econômica e eleitorado pequeno. São eles: Mato Grosso, Amapá e Rondônia, além de Acre e Alagoas, embora nos dois últimos estados ainda seja grande a chance de que o candidato do partido nanico venha a ser superado pelo candidato do partido grande. Juntos, esses cinco estados respondem por 2,4% do PIB nacional e somam apenas 4,4% do eleitorado.

A questão central é medir se o darwinismo partidário, em que as legendas mais fortes sobrevivem enquanto as mais fracas vão se extinguindo, é positivo ou negativo para o país. Em tese, a redução do número de partidos dá mais nitidez ao quadro político, dificulta o surgimento de candidatos aventureiros e facilita a governabilidade na medida em que reduz o leque de negociadores – além de evitar a praga dos partidos de aluguel, que fazem da política um balcão de negócios. "Com menos partidos, as propostas de cada um deles se tornam mais claras. A negociação política deixa de ser feita pontualmente com deputados e passa a acontecer entre a cúpula dos partidos, em torno de propostas. Isso é positivo para a democracia", diz o cientista político Octaciano Nogueira, da Universidade de Brasília (UnB). O dilema brasileiro é que os partidos que estão virando hegemônicos no cenário político parecem não ter nenhuma criatividade programática – e são extremamente lentos na abordagem de assuntos que interessam à sociedade. Por exemplo: nenhum dos quatro grandes partidos tem uma posição definida sobre a polêmica questão das cotas raciais.

VEJA perguntou à cúpula dos quatro principais partidos sua posição oficial sobre nove temas nacionais. A semelhança é espantosa. O que mais chama atenção é a identidade programática entre PT e PFL, dois partidos que aparentemente ocupam pontos cardeais opostos no aspecto ideológico. Dos nove temas propostos pela revista, o único em que os dois partidos divergem frontalmente diz respeito à independência do Banco Central – com o PT contra e o PFL a favor. Nos demais assuntos, há pontos em que ambos são idênticos até mesmo nos detalhes (veja quadro). "Temos quatro partidos iguais, um quadro partidário com uma imaginação política limitadíssima", constata o filósofo Roberto Romano, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). "É o choque político no Parlamento que gera idéias novas, que faz o país se desenvolver. Com PT, PSDB, PMDB e PFL, quatro partidos iguais, o debate político fica obstruído", completa. Para combater essa indigência de idéias, o advogado Goffredo Telles Junior, em seu livro O Povo e o Poder, de 2003, diz que o ideal para o Brasil seria ter quatro partidos – dois à esquerda e dois à direita.

A semelhança entre os partidos nacionais decorre de uma distorção histórica: a maioria surge com o interesse de chegar ao poder, e não como instrumento para representar um conjunto de idéias ou um segmento da sociedade. Com isso, são partidos cuja alma é voltada para as eleições, tanto que, fora dos períodos eleitorais, os partidos praticamente não têm vida partidária. "Os quatro partidos se parecem porque têm uma visão fisiológica do poder", comenta o deputado Moreira Franco, do PMDB do Rio de Janeiro, que preside a Fundação Ulysses Guimarães, encarregada de produzir idéias para o partido. "Para os quatro, o essencial é manter o poder, sem nenhuma preocupação programática", diz ele, para acrescentar em seguida: "Essa característica dos partidos, de querer o poder pelo poder, está na origem de todos os problemas da atual legislatura, do fisiologismo, do mensalão".




Fotos André Penner/Mario Rodrigues/Delfim Martins/Ed Ferreira-AE e Ana Araujo

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