Panorama Econômico
O Globo
2/7/2006
As eleições mexicanas chegam ao momento decisivo com os dois
principais candidatos praticamente empatados. O terceiro está logo
atrás. O país está dividido em três. Há dez dias, está proibida a
divulgação de novas pesquisas e lá não há segundo turno. Uma vitória
o México já pode comemorar: está tendo eleições livres e
imprevisíveis, enterrando o passado de eleições de cartas marcadas
que viveu durante quase todo o século passado. E melhor: não está
vivendo uma crise econômica, como em outras vezes.
Desde a revolução em 1910, o México teve eleições sob o controle do
PRI, Partido Revolucionário Institucional. Ele parecia imbatível até
que foi derrotado por Vicente Fox há seis anos. Esta eleição é o tira-
teima. O PRI continua forte, fará um terço do Parlamento, tem muito
poder nos estados, mas seu candidato, Roberto Madrazo, não ficou na
frente em nenhuma das sete pesquisas principais que foram divulgadas.
Um detalhe: nos últimos dias, aumentou seu percentual de votos. Não é
o suficiente para ganhar a eleição, mas ele tira votos do candidato
de esquerda.
Os outros dois: Andrés Manuel López Obrador, do PRD, de esquerda, e
Felipe Calderón Hinojosa, do PAN, governista, alternam-se no primeiro
lugar dependendo da pesquisa. Com vantagem para AMLO (sigla pela qual
López Obrador é conhecido), que está na frente em cinco das sete
pesquisas. FCH — curiosa sigla para designar Calderón — está empatado
em uma e na frente em outra. Na média das pesquisas, perde por dois
pontos, mas os analistas acham que ele pode ser beneficiado pela
rejeição a López Obrador.
O cientista político mexicano José Fernández Santillán disse à coluna
que os dois programas são bem diferentes. O de Calderón é
continuidade governista, e o de Obrador, “bem próximo ao que Lula faz
no Brasil”.
Analistas de outras tendências e até o “The New York Times” não
concordam com a comparação entre Obrador e Hugo Chávez:
— López Obrador é alguém que, diferentemente de Hugo Chávez, esteve
na política em toda a sua carreira, eu acho que ele vai ser
pragmático se for eleito — diz Santillán.
Há vários motivos para comemorar nesta eleição; há várias razões de
preocupação com o resultado. O resultado não vem de quem vai ganhar a
disputa, mas de como vai governar. Um dos cenários com que trabalha o
cientista político Antonio Ortiz Mena, do Centro de Investigación y
Docencia Económicas, é o de que o perdedor não aceite o resultado e
tente impugnar a eleição, criando incerteza política no país. Há o
risco de reação do PRI, que é ainda o partido que tem uma grande
clientela. O terceiro risco é o do impasse e crise de governabilidade
pelo fato de que nenhum partido fará a maioria.
— O melhor cenário é que algum candidato ganhe com boa margem de
votos pois, se a margem for pequena, os partidos derrotados podem ir
ao tribunal — afirma Ortiz.
Ele conta que Calderón tem falado em dividir o Ministério com outros
partidos para formar coalização que permita fazer as reformas no
Legislativo. Já López Obrador diz claramente que não pretende fazer
um governo assim. Uma possibilidade seria o pragmático PRI acabar se
aproximando do vencedor para se manter no poder.
Há outros problemas a serem enfrentados pelo México. O país tem
crescido pouco, mesmo num momento de forte crescimento mundial. No
ano passado, conseguiu ficar abaixo do Brasil. Sua grande força
econômica sempre foi a exportação para os Estados Unidos, mas ele
anda perdendo espaço para a China. As reformas ficaram pela metade,
como no Brasil, mas com alguns agravantes.
O México é hoje o 5 maior produtor de petróleo do mundo e o setor
corresponde a 9% do PIB, mas a petroleira estatal Pemex não consegue
ter lucro porque financia diretamente o Tesouro. Vicente Fox foi
eleito prometendo fazer a reforma da energia, e não conseguiu. Felipe
Calderón foi ministro da Energia e também não conseguiu fazer o que
promete agora.
Fox termina o governo consagrado, apesar de ter sido derrotado.
Parece contraditório, mas não é. Ele tem 60% de popularidade, mas não
conseguiu sequer emplacar seu candidato ao PAN. FCH saiu do governo,
disputou a legenda e ganhou. Sua trajetória se deve ao seu esforço e
aos erros de López Obrador que, comemorando antecipadamente o fato de
estar na frente nas pesquisas, não quis participar do primeiro
debate, quando o candidato governista deu um salto.
Por uma dessas ironias da política, o que faz o direitista Fox ter
tamanha popularidade é um programa igualzinho ao Bolsa Família, que
embala a popularidade de Lula. Fox também o herdou do governo
anterior, também mudou o nome de Progresa para Oportunidades e hoje
ele chega a quase 25% da população. Segundo a revista “Economist”,
Fox mantém uma “campanha perpétua”. Parece que a moda pega.
O que preocupa em López Obrador são certos exageros de sua proposta:
ele disse que vai aumentar todos os salários de funcionários abaixo
de US$ 900 dólares em 20% na primeira semana de governo. Na história
mexicana, outros dois presidentes fizeram a mesma coisa: Luis
Echeverría e López Portillo, nos anos 70. O resultado foi o mesmo:
logo depois, o país teve que fazer uma enorme desvalorização. Obrador
defende um programa keynesiano clássico: propõe empurrar a economia
com incentivos estatais. Faltou combinar com a realidade atual. Isso
só deve aumentar o desequilíbrio nas contas produzido pelo magro
ingresso de 12% do PIB de impostos.
Fazer uma impopular reforma tributária vai ser apenas mais um dos
muitos desafios do novo presidente mexicano que será escolhido hoje.