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A decisão do presidente Lula de vetar o FGTS da empregada doméstica
tem um bom motivo eleitoral: as pesquisas de intenção de voto mostram
que é na classe média que ele tem problemas. Quando em 1988 foram
estabelecidos décimo-terceiro salário, férias e repouso semanal
remunerados, os jornais trouxeram as mesmas análises de agora: de que
os patrões não poderiam arcar com o custo e isso provocaria
desemprego. De lá para cá, aumentou em 70% o número de empregados
domésticos.
A interpretação de que o presidente Lula precisou de coragem para
vetar o projeto que instituiu o FGTS para o empregado doméstico é
equivocada. Na verdade, ele precisou apenas olhar para as
estatísticas eleitorais. Entre os eleitores mais pobres, ele está
bem. Seu problema está na classe média. É a ela que Lula não quer
desagradar. O gráfico abaixo mostra que, nos eleitores que ganham até
dois salários mínimos, ele está com 28 pontos na frente do principal
opositor, Geraldo Alckmin. Nos eleitores com renda de dois a cinco
salários mínimos, a diferença é de 12 pontos. Mas, naqueles com mais
de cinco salários mínimos, Lula está atrás do ex-governador Geraldo
Alckmin.
A medida não é popular na maioria da classe média. Lula se esmerou em
agradá-la. Disse que a dona de casa estava sendo equiparada a uma
multinacional. Para acender uma vela a cada um dos grupos de
eleitores, prometeu enviar nova proposta melhorando os direitos
trabalhistas dos empregados domésticos. Jogou o assunto para depois
das eleições.
O Brasil tem 6,5 milhões de trabalhadores domésticos, a maioria
mulheres, e um velho problema escrito na lei que instituiu a
profissão. A lei de 1972 diz que empregado doméstico é “aquele que
presta serviço de natureza contínua e de finalidade não lucrativa a
pessoa da família no âmbito residencial desta”. O que o texto quer
dizer é que o empregador não tem lucro com a atividade do empregado.
Mas tem inúmeras vantagens, benefícios, conforto e mordomias com o
trabalho do empregado doméstico e, no Brasil, só agora esse trabalho
começa a ser devidamente valorizado. Em outros países, o custo é
quase proibitivo. Em conseqüência, cria-se o saudável hábito da
divisão das tarefas diárias entre os integrantes da família.
A soma dos direitos estabelecidos na lei que Lula rejeitou não é, nem
de longe, parecida com os benefícios que as multinacionais concedem
aos seus funcionários. E Lula sabe disso. O que se propôs agora foi
FGTS, multa de 40%, estabilidade temporária na gravidez e férias de
trinta dias corridos, em vez de 20 dias úteis. O único item realmente
pesado seria a multa de 40%. Mesmo assim, o gasto com o Fundo de
Garantia mais a multa, segundo contas do próprio governo, equivaleria
a um custo mensal de R$ 42 para quem paga um salário mínimo.
A classe média alta paga muito mais que isso — e tem muito mais
condição de pagar —, mas o grosso das empregadas tem um salário baixo
mesmo, que representa 35% do salário médio da população ocupada. Do
total dos domésticos, 80% ganham entre um e dois salários mínimos e
17% ganham mais de dois. Evidentemente há casos e casos. Há, de fato,
situação de família em que qualquer aumento de custo pesa no
orçamento, mas, em outros casos, esses 8% não representam nenhuma
ruína financeira.
Nos últimos anos, a situação começa a mudar, mas o Brasil ainda vive
sob a ambigüidade das cozinhas. Juízes do trabalho contam que são
comuns casos de patrões e patroas que alegam em sua defesa que as
empregadas domésticas eram “quase como um membro da família”, isso
para justificar o trabalho extenuante, sem hora para acabar e sem
pagamento de horas extras. “Eu dava roupas para ela”, argumentam
patroas, sem dizer que são as roupas velhas. Ou “Eu a levei aos
Estados Unidos”, sem acrescentar que foi para tomar conta do filho. A
ambigüidade é uma forma de constranger a exigência de relações de
trabalho objetivas e respeitosas. Isso sem falar no ofensivo elevador
de serviço.
Quando a deputada Benedita da Silva apresentou sua proposta de décimo-
terceiro e repouso remunerado, em 1988, a classe média também disse
que haveria desemprego. A informalidade ainda é alta, mas seria mesmo
sem esses direitos. Não são eles que criam o problema e, sim, a
mentalidade de não valorizar devidamente esse profissional.
— O que estamos querendo é o pacote completo, com FGTS e estabilidade
para gestante. Para aumentar a formalização, nós queremos que o
governo fiscalize — diz Ione Santana, presidente da Federação
Nacional das Empregadas Domésticas.