Entrevista:O Estado inteligente

domingo, julho 09, 2006

Miriam Leitão Lucro ambiental- Jornal O Globo

Os bancos vão apertar ainda mais o cerco em torno de projetos que
ameacem o meio ambiente. Há três anos, dez instituições financeiras
assinaram os Princípios do Equador, comprometeram-se a adotar
critérios ambientais na aprovação de projetos. Na quinta-feira, em
Londres, 42 bancos assinaram um aumento na exigência; desses, quatro
eram brasileiros.

— A participação dos bancos brasileiros mostra a maturidade e a
sofisticação do sistema financeiro do país na questão ambiental.
Estão se formando padrões globais de avaliação ambiental de projetos
e os bancos brasileiros estão participando da formulação desses
padrões — disse-me, de Nova York, Pamela Flaherty, vice-presidente
socioambiental do Citigroup.

— Dez por cento dos signatários eram brasileiros e, por isso, o país
ficou bem. Tanto que as perguntas dos jornalistas eram: por que os
bancos chineses e indianos não estavam lá na mesma proporção? —
contou-me, de Londres, Cristopher Wells, superintendente do Real-ABN
Amro para questões de sustentabilidade.

A economia vivia insulada; ainda vive. É como se fosse uma ilha sem
contato com os interesses do resto da sociedade, como se qualquer
exigência ambiental fosse um inconveniente obstáculo ao
desenvolvimento, à criação de empregos. Nos Princípios do Equador, há
diálogo. Os bancos se comprometeram a cumprir uma série de regras na
concessão de empréstimos. Antes olhavam apenas o risco de crédito, se
o tomador poderia pagar. Agora, olham o risco ambiental e social.
Claro que o diálogo não nasceu por geração espontânea. Bancos foram
pressionados por ONGs; no Brasil, pela Amigos da Terra. Nestes três
anos, foram sendo criadas ferramentas para monitorar os riscos. Em
Londres, houve um novo salto neste processo.

Na reunião na Inglaterra, aumentaram os signatários do acordo e caiu
de US$ 50 milhões para US$ 10 milhões o limite a partir do qual o
empréstimo tem que ser avaliado dentro das exigências de que não
cause dano ambiental nem social às populações locais. Outra mudança é
que passam a ser feitas as mesmas exigências a projetos velhos que
tenham planos de expansão aprovados.

Pamela Flaherty, a quem as unidades de Citibank em cem países do
mundo reportam as questões ambientais e comunitárias, lembra que
essas exigências recaem sobre a aprovação de empréstimos na
modalidade project finance . Não são para os empréstimos eventuais,
de curto prazo, para as empresas, mas para os financiamentos de longo
prazo que envolvem análise do projeto.

— A maioria das obras de infra-estrutura no mundo, hidrelétricas,
estradas, portos, são feitas através do project finance — disse.

O embrião desta idéia nasceu no International Finance Corporation, do
Banco Mundial, e há três anos foi adotado por um grupo de dez bancos.
No Brasil, naquela época, só o Real, e por causa do ABN Amro. Hoje já
adotam os Princípios do Equador no país Banco do Brasil, Unibanco,
Bradesco e Itaú-BBA.

Quem não acredita em generosidade de banco deve estar se perguntando
se eles, de fato, irão mesmo pôr princípios à frente dos lucros na
hora de fazer seus negócios. Perguntei isso aos bancos. Pamela
respondeu que não há conflito entre uma coisa e outra.

— O Citigroup participou do pequeno grupo de bancos que escreveu o
rascunho do acordo. Eram poucas instituições financeiras. Hoje está
difícil ficar fora dos princípios. Sustentabilidade e lucro estão
juntos. É bom para o banco ter bons clientes, isso dá lucro.
Respeitar o meio ambiente e as comunidades locais é bom para os
negócios.

Pedro Malan, presidente do Unibanco, também um dos signatários,
concorda que não há conflito entre uma coisa e outra.

— O Unibanco foi o primeiro banco brasileiro a assinar os Princípios
do Equador, logo no começo. Entre outras coisas, há também cálculo
econômico nisto. Quanto custa para o banco ter um projeto que ele
financiou com suas obras embargadas pela Justiça por controvérsias
ambientais ou por ferir interesses da população local? Uma obra que,
por um problema desses, tem o cronograma dilatado acabará
significando prejuízo para o banco. Financia-se um project finance
com expectativa de retorno — explicou o ex-ministro.

O Bradesco aderiu aos princípios no fim de 2004 e o vice-presidente
que cuida da questão, Milton Vargas, acha que, quanto mais explícitos
forem os critérios de aprovação de projeto, mais garantia terá o banco:

— Além de criar critérios para os empréstimos, é preciso também criar
redes para propagar boas práticas. Temos 1.500 fornecedores; já
fizemos uma reunião com 300 deles sobre a questão ambiental e
queremos fazer com todos. Temos critérios como clientes desses
fornecedores e compromissos, como a erradicação do trabalho escravo.

Cristopher Wells, do Real-ABN Amro, acha que a questão deu um salto
na semana passada ao tornar os critérios mais claros, o compromisso
mais firme. A queda do limite de US$ 50 milhões para US$ 10 milhões é
mais simbólica, porque 98% dos projetos têm valores acima de US$ 50
milhões, mas algumas mudanças são fundamentais.

— Antes se exigia que as empresas fizessem consulta pública sobre o
projeto, hoje o banco está obrigado a contratar um consultor para
avaliar a qualidade da consulta pública. O importante dos Princípios
do Equador é que não há governo no meio, são os bancos e as ONGs
encontrando as melhores práticas. Nós temos uma equipe que cuida
especificamente da avaliação ambiental dos projetos e, no meu setor,
eu trabalho não com gente do mercado financeiro, mas com especialista
em meio ambiente. No ano passado, dois projetos foram vetados por nós.

O planeta agradece.

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