Jornal O Globo
Das cinco metas estabelecidas pelo movimento Compromisso de Todos
pela Educação, que pretende criar um ambiente propício à melhoria da
qualidade do ensino no país até o ano 2022, bicentenário da
Independência, apenas uma não é ligada diretamente aos objetivos, mas
estabelece critérios para que se obtenham os meios que possibilitarão
o alcance das outras quatro metas. É a que trata da garantia dos
recursos para a educação de qualidade. Inicialmente o objetivo era
estabelecer um mínimo de 5% do PIB para investimento em educação.
Depois, a meta ficou genérica, para ser definida mais adiante, mesmo
porque existem dúvidas sobre se o que a educação brasileira precisa é
de mais recursos ou de uma gestão mais competente.
O economista Luiz Schymura, do Ibre da Fundação Getúlio Vargas, faz
uma análise sobre essa questão em sua carta mensal, onde destaca a
importância da educação para o combate à criminalidade no Brasil.
Segundo dados do Unicef, o Brasil, tendo gasto 4,15% do PIB em
educação em 2002, está na média de um grupo selecionado de países
desenvolvidos e em desenvolvimento. No mesmo ano, os Estados Unidos
gastaram 5,71%, a Alemanha 4,77%, o Japão 3,58%, a Argentina 4,02%, o
Chile 4,22% e a Bolívia 6,22%.
Em termos de gasto público em educação por estudante, como
percentagem do PIB per capita, o Brasil, com 14%, fica atrás dos
países ricos (25% nos Estados Unidos, 24% na Alemanha e 20% no
Japão), mas está próximo do nível médio das nações latino-americanas
— 15% na Argentina, 17% no México, 9% no Peru, 12% no Uruguai e 20%
na Colômbia (que está na dianteira).
Schymura observa que quando se analisam os resultados da educação
brasileira, comparados com os dos seus vizinhos, “fica claro que
historicamente o Brasil investiu pouco em educação”. Citando dados de
2000 do Unicef, ele ressalta que a média de anos de ensino da
população com 15 anos ou mais no Brasil era de 4,88 anos comparado
com 8,83 na Argentina, 7,55 no Chile, 5,58 na Bolívia, 6,18 no
Paraguai e 7,23 no México.
Em termos de qualidade, os indicadores educacionais brasileiros são
igualmente desanimadores. Nos exames internacionais Pisa, que
comparam o desempenho educacional de vários países ricos e alguns em
desenvolvimento, o Brasil foi último uma vez e penúltimo na outra,
com desempenho particularmente ruim em matemática, lembra Schymura.
Exatamente por isso as metas definidas pelo projeto Compromisso de
Todos pela Educação são bem objetivas: até 2022, 98% das crianças e
jovens brasileiros de 4 a 17 anos devem freqüentar a escola; 95% dos
jovens brasileiros, na data do seu aniversário de 16 anos, devem ter
completado o ensino fundamental (destes, 90% sem nenhuma repetência);
90% dos jovens brasileiros, na data do seu aniversário de 19 anos,
deve ter completado o ensino médio (destes, 80% sem nenhuma
repetência); toda criança de 8 anos deve estar alfabetizada; 95% dos
alunos deve estar acima do nível básico e 75% acima nível
satisfatório do Sistema de Avaliação do Ensino Básico (Saeb).
Depois de salientar a insuficiência dos governos na repressão aos
criminosos, o economista Luiz Schymura destaca que, “devido à falta
de investimento em educação básica de qualidade, o país vem perdendo
a oportunidade de poder comemorar a grande vitória que é a redução da
taxa de mortalidade infantil”, que caiu à metade nos últimos 20 anos
e está atualmente em torno de 30 por mil nascidos.
Para ele, “parte daquelas crianças que em outros tempos engordariam a
lista de óbitos acaba crescendo sem oportunidades, e, por falta de
alternativa, entra no mundo do crime”. Ele atribui ao “baixo
investimento histórico em educação” a taxa de natalidade muito alta
entre os muito pobres, “o que faz com que a fileira dos sem
oportunidades cresça e, por conseguinte, a criminalidade aumente”.
Luiz Schymura diz que “a solução para os nossos altos índices de
criminalidade passa, necessariamente, por mecanismos de atendimento à
massa de crianças brasileiras geradas em ambientes extremamente
desfavoráveis para prepará-las para uma vida honesta e digna”. Ele
chama a atenção para a “realidade espantosa” da pirâmide populacional
dos grupos dos 10% mais pobres da população brasileira, comparada com
a dos 10% mais ricos:
“A primeira parece a típica pirâmide de um país pobre, muito larga na
base (com uma grande população jovem) e estreita no topo. A pirâmide
dos ricos, ao contrário, é semelhante à daqueles países ricos com
população estabilizada, com uma base retangular que avança até a
idade plenamente adulta, com uma camada mais larga aos 25 anos, e
afinamento só a partir da meia-idade”.
A explicação está nos dados sociodemográficos: os casais mais ricos
têm em média 0,99 filho, comparado com a média de 4,5 filhos do grupo
mais pobre. “Por conta disso, hoje, cerca da metade dos brasileiros
de 0 a 15 anos reside em lares que não ultrapassam a linha de
pobreza”, ressalta o economista. A revolução educacional necessária
dependerá, segundo Schymura, “bem mais de melhoras radicais de gestão
do que da injeção de novos recursos — embora esta última
possibilidade também não deva ser descartada”.