O Globo
11/7/2006
A defesa da ética, que já foi uma bandeira que diferenciava a atuação
dos petistas na política, depois que se revelou apenas retórica
eleitoral passou também a ter, por parte dos “pensadores” do partido,
uma interpretação toda própria, como parece ser toda pessoal a ética
do próprio presidente da República, que considera não apenas
aceitável ser desinformado sobre questões cruciais que atingiram toda
a estrutura de seu governo, como insiste em repetir os mesmos erros
que geraram os fatos delituosos que finge ignorar, como a desafiar a
opinião pública.
Uma das “promessas” que o PT fez durante os momentos mais agudos da
crise política em que se envolveu a administração de Lula foi de que
as coordenações das campanhas políticas não seriam mais misturadas
com as do PT, para evitar “mal-entendidos”.
Essa mistura da contabilidade petista com a da campanha de 2002 teria
levado o então tesoureiro do partido, Delúbio Soares, a exorbitar de
suas funções, segundo a versão oficial. Pois muito bem, vem a
campanha para a reeleição e o que acontece? O novo tesoureiro do PT,
Paulo Ferreira, vai dividir as funções com o prefeito de Diadema,
José de Filippi Júnior, da mesma forma que Delúbio dividia as funções
com Antonio Palocci, ex-prefeito de Ribeirão Preto, que substituiu o
assassinado prefeito de Santo André Celso Daniel.
Filippi Jr. pertence à dinastia petista que vem desde os anos 1990 do
século passado ocupando prefeituras do interior, onde nasceu a
prática de arrecadação de “dinheiro não contabilizado” para as
campanhas petistas, segundo acusações de fundadores do partido como
César Benjamim, hoje candidato a vice de Heloísa Helena, e Paulo de
Tarso Venceslau.
Além desse “pedigree”, Filippi carrega consigo uma outra sina, que
parece perseguir os petistas de alto escalão: não tem como explicar o
pagamento, com recursos próprios, de uma multa que recebeu por
ilícitos eleitorais. Teve que recorrer a um “tio Mário” para
justificar a existência do dinheiro, assim como o PT recorreu a Paulo
Okamotto para pagar uma dívida de Lula ao partido.
Lula, na verdade, nem precisava que um laranja assumisse o débito, se
recusou a pagar de pirraça, pois não reconhecia a dívida com o PT.
Como demonstrou sua declaração de rendimentos à Justiça Eleitoral,
tinha dinheiro mais que suficiente em aplicações financeiras para
pagar a dívida e não se meter em encrenca.
Mas são apenas os procedimentos que são repetidos, não as
formulações. Como, por razões óbvias, não podem repetir o slogan da
primeira campanha — “Queremos um país decente” — os petistas
entregaram de bandeja o lema à oposição e passaram a refazer seus
conceitos sobre ética na política.
Até mesmo o ministro das Relações Institucionais, Tarso Genro, que à
época em que assumiu a presidência do PT pretendeu refundá-lo,
afirmando que o que aconteceu foi o uso de uma “ética bolchevique mal
digerida”, quando existia “uma ética ‘nossa’ e uma ética ‘deles’,
cujos pressupostos não são adaptáveis ao estado democrático de
direito“, hoje já procura explicações mais prosaicas para as críticas
que o governo sofre.
Ele vai desde uma “conspiração da mídia” até uma reação das elites ao
que chama de “plebeização” da política, uma política feita para os
pobres. Já o ex-ministro Luiz Gushiken saiu de seus cuidados no
Núcleo de Assuntos Estratégicos, onde está abrigado das intempéries
políticas, para ir à convenção do PT que lançou Lula à reeleição e
saiu-se com essa nova interpretação do que seja ética na política: “A
ética mais importante para um governante no Brasil é optar pelo povo
que tem mais necessidade. Não há na história um governante que se
preocupou tanto com o povo mais pobre deste país. Acho que isso é o
mais decisivo da política.”
Também o ex-assessor especial para assuntos da América Latina, Marco
Aurélio Garcia, hoje vice-presidente do PT, reagiu indignado à
pergunta sobre se não haveria constrangimento para o presidente Lula
com a presença entre os candidatos petistas de todos os que foram
acusados de receber o mensalão: “Não aceitamos o conceito de
mensalão. Eles vão participar do palanque do presidente como todos os
que apóiam a reeleição. O único constrangimento seria se eles não
tivessem votos”.
Sem constrangimentos éticos, e convencidos de que em busca de votos
vale tudo, os petistas caminham para a campanha com bons números na
economia que se refletem nas pesquisas eleitorais. Lula continua
franco favorito, e pode vencer até mesmo no primeiro turno.
Mas tanto o slogan da campanha do tucano Geraldo Alckmin — “Queremos
um País Decente” — quanto sua retórica janista de varrer a corrupção
do país indicam que a campanha eleitoral do principal candidato da
oposição será centrada na questão ética. A subida de Alckmin nas
pesquisas, depois de um bombardeio televisivo, pode indicar que a
opinião pública não é tão avessa assim a esse apelo. Resta saber se
ele tem mais peso eleitoral do que os bons resultados da economia
que, mesmo temporariamente, estão melhorando a vida dos eleitores
mais pobres.