O Globo
13/7/2006
Os tucanos parecem ser aves políticas migratórias, que têm mania de
estar no exterior nos momentos mais difíceis. Na primeira onda de
violência em São Paulo, em maio, estavam todos em Nova York. Mais uma
onda de ataques do crime organizado em São Paulo ontem, e onde
estavam o candidato oficial do PSDB/PFL, Geraldo Alckmin, e o
presidente do PSDB, Tasso Jereissati? Na Europa, numa viagem
totalmente extemporânea, cuja única finalidade é ter imagens do
candidato com personalidades internacionais para tentar se contrapor,
nos programas eleitorais, ao presidente Lula, que este fim de semana
terá reunião com gente de muito mais peso, os integrantes do G-8, na
Rússia.
Fora essa coincidência incômoda, não é possível culpar unicamente a
administração Alckmin pela crise de segurança pública em São Paulo, a
não ser pela “esperteza” eleitoreira de ter anunciado o fim da maior
facção criminosa do estado quando o combate ao crime organizado exige
tempo, dinheiro e luta permanente e, vê-se hoje, estava apenas
começando. Por essa “esperteza” Alckmin pagará nas urnas, já tendo
reduzido sua vantagem sobre Lula em São Paulo.
Mas a falência é nacional. O Sistema Único de Segurança Pública é
excepcional no papel mas mostrou-se inexistente na prática, e a ajuda
da suposta Guarda Nacional, que Lula insiste em oferecer como se não
tivesse nenhuma intenção eleitoral, não passa de uma solução
farsesca, pelo menos no caso atual de São Paulo.
O governador Claudio Lembo, que entrou em parafuso nos momentos
iniciais da crise em maio, parece ter recuperado a capacidade
analítica requintada que sempre demonstrou. Não é simples teimosia a
recusa da ajuda federal em termos de homens, pois já aceitou a ajuda
da inteligência da Polícia Federal. É um misto de sensibilidade
política com raciocínio lógico: se São Paulo tem a maior, mais bem
aparelhada e treinada polícia do país e mesmo assim está sendo
impotente diante de atos de terrorismo, que diferença farão mais 500
ou mil homens da chamada Guarda Nacional, que existe mais de fachada
do que propriamente de verdade?
Os 7 mil homens da Guarda Nacional são arregimentados em vários
pontos do país, sem treinamento conjunto nem conhecimento do terreno.
Podem fazer diferença no Espírito Santo ou Mato Grosso do Sul, mas
não mudarão o panorama em São Paulo, onde o que acontece é uma guerra
terrorista que precisa de um projeto de inteligência de segurança,
que não foi organizado ainda.
Mesmo que se critique a antiga administração pela empáfia com que
brandiu estatísticas que refletiam uma vitória teórica das forças de
segurança sobre o banditismo que se revelou na prática uma farsa, não
é possível negar que existe nesses ataques um cunho político que tem
que ser repudiado por todo cidadão de bem.
Não bastassem as gravações já reveladas mostrando que o grupo que
controla o crime organizado em São Paulo quer desmoralizar a
administração tucana, há a coincidência de que os ataques começaram
logo depois que o governador Alckmin deixou o cargo para se
candidatar à Presidência.
Isso não quer dizer que os bandidos trabalhem em favor de um partido
político, mas não é possível tirar-se dessa crise trágica a idéia de
que evidencia a incapacidade administrativa do candidato Alckmin,
cuja gestão eficiente foi comprovada em diversos outros setores do
governo e aprovada pela população.
A crise mostra, isso sim, que a facção é muito mais organizada do que
se imaginava (e essa é uma falha terrível do sistema de inteligência
da polícia paulista) e tem condições de desestabilizar um governo,
para receber em troca tratamento mais “humano” ou obter regalias para
seus líderes.
Não é aceitável que disputas políticas transformem bandidos em
mocinhos, mesmo que as autoridades estaduais tenham sido levianas ao
anunciar vitórias que jamais se concretizaram. Se a questão for
politizada dessa maneira, acabaremos com parte da população apoiando
os métodos cada vez mais violentos de repressão policial, cujo
principal representante no governo paulista é o secretário de
Segurança, Saulo Queiroz, que chegou a ser cogitado como candidato à
sucessão de Alckmin, ironicamente pela suposta capacidade de pôr
“ordem na casa”.
Não é possível, porém, afirmar que o governador Alckmin escolheu o
caminho errado para a segurança pública, privilegiando a força em
detrimento da inteligência. Sem o repasse de verbas e as cadeias de
segurança máxima que o governo federal ainda não construiu, a crise
do sistema prisional paulista, como a de todo o país, já explodiu em
diversas ocasiões ( remember Carandiru) e continuará a explodir, seja
qual for o governo.
Levantamento da Comissão de Direitos Humanos da Câmara revelou que
São Paulo tem 125.804 presos, metade dos presos nacionais, e um
déficit de 32.775 vagas. No país todo, o déficit é de 76.508 vagas, o
que gera uma situação de barbárie em todos os recantos do país,
barbárie que pode ser resumida naquela foto brutal do presídio
destruído em Araraquara, com os presos amontoados como animais.
Mas é ingenuidade achar que o crime não está em condições de
manipular imagens e fragilidades do sistema prisional para chantagear
autoridades, até destruindo prisões para pôr em xeque o Estado.
Todos estamos perdendo essa guerra, e só com um programa nacional de
combate ao crime, permanente e que não esteja sujeito a contingências
orçamentárias, poderemos ganhá-la. Quem for eleito não terá um
governo vitorioso se vencer explorando politicamente essa tragédia e,
mais do que isso, se não se dispuser a enfrentar o problema como
questão de segurança nacional.