Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, julho 12, 2006

Merval Pereira - Luta política

O Globo
12/7/2006

Foi essa cândida explicação, de que se tratava de uma “luta
política”, que justificou a dramática mudança de posição dos petistas
no início do governo Lula, quando passaram a defender o que antes
combatiam, especialmente a reforma da Previdência, que conseguiram
aprovar com o auxílio da oposição, depois de, por anos a fio, a
barrarem no plenário do Congresso, durante os dois mandatos de
Fernando Henrique Cardoso. Coube ao então praticamente desconhecido
deputado federal João Paulo Cunha, eleito presidente da Câmara por
absoluta falta de opções da bancada do PT, explicitar as razões da
mudança de atitude dos petistas, com uma naturalidade que antecipava
o que viria pela frente, mas que, na ocasião, chocou pelo simplismo
com que tratava um tema crucial para o futuro do país.

PSDB e PFL, jogados na oposição pelo eleitorado brasileiro que, em
2002, acreditou nas promessas de campanha dos petistas e os levou ao
poder central depois de três tentativas, aprenderam a lição e hoje,
por pura “luta política”, põem o governo petista contra a parede,
obrigando-o a vetar a extensão do reajuste de 16,67% aos aposentados
que ganham mais de um salário-mínimo.

Não há a menor dúvida de que a decisão do presidente Lula está
correta, não há política previdenciária que possa absorver tamanho
aumento para todas as faixas salariais. Mas não há a menor dúvida,
também, de que Lula e o PT passaram anos bradando contra a política
de salário-mínimo para os aposentados do governo “neo-liberal” tucano-
pefelista, prometendo mundos e fundos a esses crédulos eleitores, que
hoje se decepcionam mais uma vez.

A oposição, por seu lado, também joga o jogo da maneira como ele
vinha sendo jogado quando a oposição era petista, e constrange o
governo, sabendo que ele não tem alternativas. É uma
irresponsabilidade calculada. Temos então uma situação interessante
do ponto de vista político, abstraído o fato de que ela não deveria
acontecer em um país minimamente sério, onde as políticas públicas
estivessem estabilizadas e fossem políticas de Estado, não de um
eventual grupo político no governo.

De um lado, os partidos da situação são obrigados a se empenhar em
plenário para não permitir que seja colocado em votação um aumento
maior do que o governo pode dar para os aposentados que ganham acima
de um salário-mínimo. Mas não querem aparecer para os eleitores
votando contra esse aumento e, por isso, boicotam com a ausência as
votações.

E a oposição tenta votar a extensão do aumento de 16,6%, mesmo
sabendo que ele é incompatível com as contas públicas. Das duas, uma:
ou não acredita que chegará ao governo nas eleições de outubro, ou,
mesmo acreditando que pode vencer as eleições, tem certeza de que o
presidente Lula vetará a iniciativa. Uma situação sob qualquer ponto
de vista constrangedora, onde ninguém está muito preocupado com os
aposentados, mas com sua mímica política.

Assim como anteriormente acontecia com o PT, a oposição hoje colhe os
lucros dessa atitude eleitoreira. E colhe duplamente: mostra que as
promessas de campanha do presidente Lula eram bravatas
irresponsáveis; e aparece junto aos aposentados como defensora de
seus “direitos”. Caso chegue ao governo em 2007, não há possibilidade
de o governo Alckmin dar um aumento deste tamanho aos aposentados, e
será a vez de o PT e seus aliados cobrarem a coerência dos
governistas, num círculo vicioso que só faz mal à política brasileira.

Exemplo disso é a política de reajuste do salário-mínimo dos últimos
anos. O PT agora defende a separação do reajuste do salário-mínimo do
das aposentadorias, mesmo para quem ganha apenas o mínimo. Mas essa,
que era uma medida defendida pelo governo tucano anterior, já foi
acusada de ser “contra os aposentados” pelo próprio PT, que agora a
retoma.

Um trabalho da assessoria técnica dos tucanos aponta várias
indicações de que esse último aumento tem fortes traços eleitoreiros:
segundo o estudo, durante o governo Lula, o poder de compra do
salário-mínimo em cestas básicas do município de São Paulo cresceu
21,6%, sendo que 94% desse aumento estão concentrados no último
reajuste, realizado entre maio de 2005 e abril de 2006, esse mesmo
que a oposição quer repassar aos aposentados que ganham mais de um
salário-mínimo.

Quando tentou a reeleição, em 1998, Fernando Henrique Cardoso deu o
último reajuste nominal abaixo da inflação, e o poder de compra do
salário-mínimo caiu 5,6%, em termos reais. Mesmo assim, se reelegeu.
Já no segundo mandato, tentando eleger Serra, a variação real no
último ano foi de 13,2%, provocando uma das maiores reduções da
pobreza já registradas na História do país, mas representou apenas
36,9% do aumento ocorrido em todo o mandato. Mesmo assim, o governo
foi derrotado.

O estudo mostra que, pelo critério de cestas básicas de São Paulo, o
salário-mínimo cresceu mais nos governos de Fernando Henrique do que
no de Lula. Mas admite que, deflacionado pelo INPC, o salário-mínimo
cresce mais no governo Lula do que em cada um dos dois mandatos FHC:
26,0% em Lula, contra 20,5% em FHC I e 20,6% em FHC II.

A hoje já famosa foto mostrando, em maio de 2000, várias figuras
proeminentes do petismo rindo debochadamente, fazendo gestos com os
dedos mostrando que o aumento do salário-mínimo dado naquele ano pelo
governo Fernando Henrique fora pequenino, é exemplar dessa autofagia
política a que se dedicam PT e PSDB.

Nela aparecem, quando deputados, três ex- ministros de Estado — José
Dirceu, Antonio Palocci, e Antonio Berzoini — todos engolidos pelo
turbilhão de denúncias de corrupção que atingiu o PT, igualados ao
dissidente deputado federal Babá, expulso do partido por, mantendo a
coerência, discordar da política econômica.

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