Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, julho 12, 2006

Míriam Leitão - Riscos à espreita

Panorama Econômico
O Globo
12/7/2006

A inflação prevista para o ano caiu pela sexta semana e está agora em
3,8%. A previsão dos economistas, freqüentemente, vale apenas se todo
o cenário ficar constante. O cenário com que trabalham é o de que o
dólar permanecerá baixo. Uma inflação abaixo da meta garante que os
juros continuarão caindo, mas não se projeta queda muito abaixo de
14%. O fator perturbador é o petróleo.

O petróleo teve novas altas. A cada novo acontecimento inesperado,
sobe mais um pouco. Mesmo quando cai, estabiliza-se em um patamar
mais alto. Nos últimos dias, bateu em US$ 75, o maior valor dos
últimos tempos. Está quase chegando aos US$ 80, que é o valor, nos
preços de hoje, a que ele chegou no pior momento da segunda crise do
petróleo. Há vários motivos para que a pressão altista continue: um
deles é o aumento da demanda que, nos últimos anos, foi mesmo
impressionante; outro é que os países produtores confirmaram a sina
de serem complicados. Agora o que pesa é o recrudescimento da crise
da Coréia, novos problemas no Irã e estoques americanos muito baixos.
Para completar, está chegando a temporada dos furacões no Golfo do
México.

A médio prazo, há duas forças baixistas: o aumento da oferta de
produtos alternativos, como os biocombustíveis, que a alta de preços
do petróleo torna viáveis economicamente, e a pressão pelo uso de
combustível limpo. A curto prazo, é o velho petróleo mesmo que será
demandado. A dúvida em relação à conjuntura brasileira é se, em algum
momento, esse aumento dos preços da matéria-prima vai virar reajuste
dos derivados no mercado interno. O último aumento foi em outubro do
ano passado, quando o petróleo estava em US$ 64. A queda do dólar tem
permitido postergar o reajuste — para a sorte dos estrategistas da
reeleição — mas isso não explica o não aumento. Se explicasse,
deveria valer o mesmo para o querosene de aviação, que tem aumentos
quinzenais, e para o óleo combustível. Em algum momento, os preços
dos combustíveis serão revistos e isso baterá na inflação.

O Brasil acumulou uma taxa muito baixa de IPCA no primeiro semestre:
1,54%. Inflação de país normal; o que é extraordinário para um país
com a nossa história. O custo disso tem sido elevado: os juros
altíssimos e o câmbio em queda. A fraqueza do dólar tem efeitos
colaterais, como o de agravar a crise agrícola, o que pode ter
impactos futuros, como queda da oferta de alimentos, tanto para o
mercado interno quanto para a exportação. Mas neste ano a tendência é
de inflação abaixo da meta de 4,5%.

Inflação baixa levará à continuação da queda das taxas de juros. Na
semana que vem, haverá nova reunião do Copom e a expectativa do
mercado é de um novo corte de meio ponto percentual. Uma redução
assim levará a taxa de juros a ficar abaixo de 15%, o que é o nível
mais baixo desde o fim 1997. Isso denota como o Brasil tem sido um
país anormal em matéria de política monetária. Uma taxa como essa,
que já é alta em situação de crise, nós só a alcançamos num momento
em que há várias boas notícias, como uma das menores taxas de
inflação da nossa história. Os juros reais continuam em dois dígitos.

Juros altos, mas em queda, inflação baixa e em queda e dólar estável
formam um tripé que dá tranqüilidade para a passagem do período do
debate eleitoral. O mercado não teme mudanças na política econômica e
só temeria se houvesse alta forte nas pesquisas da candidata Heloísa
Helena, que está prometendo baixar os juros por ordem presidencial
para 6% no dia seguinte à sua posse. Isso é tão ineficaz que só se
pode prometer mesmo quando o candidato não tem viabilidade eleitoral.
O que o mercado deveria temer é a falta de compromisso fiscal do
candidato favorito. Ele aumentou os gastos de forma populista e
eleitoreira nos últimos meses. A farra de distribuição de benefícios
sociais mostra essa irresponsabilidade. Que método de verificação da
necessidade do benefício, que critério de concessão foi seguido para
distribuir, num único mês, 1,8 milhão de novos benefícios do Bolsa
Família? Os programas de transferência de renda direta sempre foram
elogiados pelo Banco Mundial e por especialistas em combate à
pobreza. O Bolsa Família perdeu qualidade e está virando um reles
instrumento clientelista e eleitoreiro. O que o mercado financeiro
sempre teme são as ameaças de mudanças drásticas das regras do jogo.
O que deveria temer são as decisões cotidianas que vão lentamente
minando a responsabilidade fiscal.

Ao vetar o aumento de 16,6% das aposentadorias acima de um salário
mínimo, o presidente Lula disse que não seria irresponsável na área
fiscal. Nesse específico ponto ele fez o que precisava ser feito, e a
oposição fez o papel do irresponsável. A oposição, que já governou o
Brasil e sabe exatamente que esse reajuste não era factível, votou
para preparar uma armadilha. O que está errado é a frase de Lula a
seu próprio respeito, porque, em várias outras decisões dos últimos
tempos, escolheu o caminho oposto e adotou medidas que terão efeitos
permanentes sobre as contas públicas.

A conjuntura de curto prazo continua com boas notícias, mas as
preocupações fiscais estão cada vez mais presentes no horizonte da
economia brasileira. r/

Arquivo do blog