Entrevista:O Estado inteligente

domingo, julho 09, 2006

Folha de S.Paulo - Luís Nassif: A vacina é nossa - 09/07/2006

Salta à vista a importância de uma obra portentosa da pesquisa
brasileira, o Instituto Butantan

UM DOS erros fundamentais da política de saúde no governo Lula foi
essa aventura da Farmácia Popular, investindo dinheiro em estruturas
de distribuição, tendo à disposição todo o SUS (Sistema Único de
Saúde) e toda a rede de farmácias do país.
Um dos acertos da política de saúde do governo Lula foi ter dado
prosseguimento à política de fabricação interna das vacinas em
laboratórios públicos. Apesar dos sucessivos contingenciamentos
orçamentários, já há alguns anos, o Brasil tornou-se um dos únicos
países do mundo a fornecer vacinação grátis e universal. E aí salta à
vista a importância de uma obra portentosa da pesquisa brasileira, o
Instituto Butantan, tocado pelo quase octogenário cientista Isaias Raw.
Desde cedo, Raw se deu conta de que não adiantava ter pesquisa
científica se não dominasse o processo de fabricação de vacinas. No
início do século 20, o governo francês havia ajudado muitos países a
montar seus institutos de pesquisa, quase todos com o nome de
Pasteur. Um a um foram desaparecendo, por falta de infra-estrutura.
No Brasil, sobraram a Fiocruz, no Rio de Janeiro, o Butantan, em São
Paulo, e, até os anos 50, o Instituto Biológico.
Quando decidiu partir para a fabricação de vacinas, o Butantan
transformou-se em uma fundação, para ganhar mais flexibilidade
administrativa. Seu custo administrativo é de irrisório 1% do
orçamento. Um dos primeiros feitos do Butantan, por meio do cientista
Sérgio Henrique Ferreira, foi ter desenvolvido um anestésico com base
no veneno da jararaca, que resultou no remédio Captopril, sucesso
mundial de vendas, mas patenteado por um laboratório norte-americano.
Anos atrás, o Butantan conseguiu desenvolver uma vacina contra a
hepatite tipo B, e o processo ficou cinco anos parado na burocracia
do Ministério da Saúde. Desemperrou quando José Serra assumiu o
Ministério da Saúde e informou que só compraria as vacinas do Butantan.
Agora, o instituto começa a trabalhar com vacinas rotavirais,
abrangendo vários tipos de rotavírus (vírus que causa doença
gastrointestinal), inclusive com possibilidade de exportação para a
África.
Nesse processo, o Butantan demonstrou a importância de laboratórios
públicos, inclusive para conferir ao país poder de barganha nas
grandes multinacionais. Na visita que o ministro Luiz Fernando Furlan
fez à Inglaterra, a Glaxo se dispôs a investir US$ 350 milhões no
Brasil, se houvesse dez anos de exclusividade nas compras públicas de
uma vacina de rotavírus monovalente -que vale para apenas um tipo de
rotavírus- e que provavelmente estaria superada em dois anos. Segundo
Raw, o Butantan conseguiu desenvolver o mesmo medicamento por menos
de US$ 10 milhões e deverá estar no mercado em 2008, após os testes
finais. No ano que vem, Raw faz 80 anos.
E não há, ainda, sucessor, alguém que junte a parte científica com
formação econômica e administrativa. Raw terá algum tempo para
preparar o sucessor, sabendo que, nesses anos todos, ajudou a
construir um caminho irreversível de aplicação prática do
conhecimento científico, em benefício dos brasileiros.

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