Entrevista:O Estado inteligente
Mailson da Nóbrega Retrocesso no atraso - ESTADO
A nossa legislação cambial constitui um dos mais conspícuos resquícios do Brasil antigo, rivalizando com as leis trabalhistas e outras heranças do intervencionismo estatal. Por trás dela está a idéia de escassez aguda e permanente de divisas, que fazia certo sentido numa época de baixíssima integração do Brasil aos fluxos mundiais de comércio e finanças.
Essa legislação criou preconceitos entre políticos, burocratas, juízes e membros do Ministério Público, que passaram a ver com suspeitas a movimentação de recursos externos. Como estes eram considerados um bem essencial à vida do País, criou-se o crime cambial, caso raríssimo no mundo. Aqui, podem dar cadeia certas transferências de divisas. Noutros países, o crime é de lavagem de dinheiro, sonegação, corrupção. Outro exagero foi tipificar um delito que constitui uma impossibilidade material, isto é, o crime de "evasão de divisas". Como se sabe, as divisas são movimentadas em contas no exterior. Não entram fisicamente no País. Como o que não entra não sai, não pode existir evasão.
As complexas normas cambiais começaram a ser revistas em 1988, com a criação do câmbio turismo, cuja taxa de câmbio passou a ser formada no mercado. Um dos objetivos era educar os operadores para uma futura liberalização. Novos passos foram dados nos anos 1990. Aos poucos, o Banco Central conseguiu modernizar as normas cambiais, de tal forma que o mercado se tornou praticamente livre. A chegada do câmbio flutuante em 1999 foi um novo e grande passo.
Apesar dos avanços, os políticos, a burocracia, os juízes e os procuradores demoram a entender a nova realidade. As CPIs e o Ministério Público põem no mesmo saco a movimentação legítima de recursos e crimes comuns, provocando "escândalos" monumentais. Alguns procuradores lutam na Justiça para derrubar a modernização já conseguida. Se vencerem, provocarão um desastre de grande magnitude.
Agora, fala-se em abolir a regra da cobertura cambial, uma das velharias do sistema cambial. O câmbio flutuante e a globalização financeira tornaram caduca a idéia da escassez aguda e permanente de divisas. Apesar disso, ainda hoje o exportador e o tomador de recursos externos se obrigam a oferecer as divisas ao mercado interno no prazo de 210 e 30 dias, respectivamente. Se tiverem pagamento a efetuar no exterior, precisam comprar as correspondentes divisas. Não é permitida a compensação.
A medida é, pois, mais do que necessária e bem-vinda, mas o diabo, como sempre, mora nos detalhes. Criou-se uma falsa expectativa de que a liberalização promoveria uma desvalorização cambial. Imagina-se que os exportadores sempre deixarão os recursos lá fora, como se eles não soubessem fazer conta. Na verdade, a mudança reduzirá custos de transação e tornará os exportadores mais competitivos. Poderão exportar mais. Logo, mais tarde, poderá ocorrer o contrário, isto é, uma valorização.
O pior estava, porém, por surgir. O Ministério da Fazenda anunciou que a liberalização virá acompanhada de novos controles. Pode? O Conselho Monetário diria quem deve e quem não deve manter os recursos no exterior. Tal qual no passado nacional-desenvolvimentista, a burocracia escolheria quem merece ser contemplado, isto é, uns serão mais iguais do que os outros. O objetivo parece ser o de provocar, indiretamente, uma desvalorização real, mas apenas para uma parte dos exportadores.
Uma das justificativas para o controle seria a preservação da receita da CPMF nas operações de compra e venda de divisas. Não é incrível? A CPMF nessas transações é uma das esquisitices brasileiras. Agora, o tributo virou um empecilho ao abandono de bolorentas normas cambiais.
Em resumo, além de alimentar as falsas expectativas da desvalorização cambial, o governo, pelo que se vê da mídia, está armando uma tremenda confusão. Promete uma liberalização adicional da vetusta legislação cambial, mas avisa que criará novos controles à moda da Cexim dos anos 1950, de triste memória. O FMI e a OMC poderiam questionar a volta do câmbio duplo na prática.
Se forem verdadeiras as informações disponíveis, a emenda pode sair pior do que o soneto. O governo cometeria uma façanha: provocaria um retrocesso em um arcabouço institucional para lá de atrasado. Mereceria registro do Guiness.
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