Alberto Tamer*
A notícia saiu na quinta-feira. O PIB da China cresceu 10,9% no segundo trimestre, acima dos 10,3% do primeiro. Os dados oficiais serão divulgados na terça-feira, mas é isso mesmo. Saiu em um jornal do governo.
Todo esse crescimento deve-se basicamente a uma nova explosão de aumento das exportações, de 23%. O Banco do Povo da China (banco central) afirma que vai agir, anuncia um enxugamento da base monetária, dos empréstimos e outras medidas para conter esse crescimento, mas o mercado financeiro permanece descrente. E não será nenhuma surpresa se a China fechar o ano com crescimento de 11%, ou mais, e reservas superiores a US$ 1 trilhão.
BRASIL, É CONOSCO?
E nós, onde ficamos? Para o Brasil, é um fato fortemente negativo, pois a China é um competidor voraz e agressivo, com o desafio de alimentar 1,3 bilhão de habitantes. Ela está fazendo o que tem que fazer. Nós é que não estamos fazendo.
Para ir mais a fundo, ouvimos um técnico dos mais experimentados, com vivência de várias décadas no comércio internacional, Michel Abdo Alaby.
Para ele, o fenômeno China e a nossa diminuta participação no seu mercado e no mercado mundial têm razões mais do que conhecidas, mas pouco ou nada fizemos, como se não se tratasse de nós... Alaby registra o crescimento expressivo das exportações brasileiras, mas elas se concentram em produtos básicos, beneficiados pelas cotações internacionais.
CÂMBIO É O PILAR...
"Em relação à China", afirma Alaby, "deve-se assinalar que há uma política econômica de médio e longo prazo vinculada direta ou indiretamente ao objetivo de tornar o país o maior exportador mundial no período de 10 a 15 anos." É o câmbio, como tantos acusam?
"Um dos pilares é a manutenção da política cambial da moeda chinesa sem flutuação e tampouco valorização, apesar das pressões dos EUA."
... MAS NÃO É TUDO
Para Michel Alaby, a firmeza do yuan e as incertezas cambiais do Brasil favorecem muito a China, mas, se compararmos com o Brasil, não é o fator decisivo. "Eles têm uma política de atração de investimentos estrangeiros voltados para a exportação. E oferecem um generoso conjunto de incentivos logísticos, fiscais, aliado a baixos custos tributários e logísticos."
Alaby faz comparações que mostram os nossos erros e a nossa fragilidade na competição com os chineses, em ambos os mercados, externo e interno.
Alguns dados resumidos podem dar uma idéia de qualquer impossibilidade de competição e mesmo de defesa. Vamos ver:
1 - Juros - China: 5% ao ano. Para investimentos em máquinas e equipamentos, o prazo é de 10 anos, com carência de 4 anos. No Brasil, as taxas de juros são pelo menos o dobro;
2 - Acordos de Proteção e Promoção Recíproca de Investimentos - A China tem mais de 100 acordos, enquanto o Brasil não tem nenhum. Eles se associam com outros países, nós nos isolamos. Acrescente aí as questões ideológicas, Venezuela, Bolívia, veto à Alca, etc.
3 - Zonas de Processamento de Exportações ou Zonas Francas Industriais. Na China, há mais de 400 dessas zonas, com infra-estrutura impecável. A China concede terrenos e financia com juros subsidiados instalações aos investidores externos. O compromisso é criar empregos. Também dá incentivos fiscais e trabalhistas. Nada comparado com a Zona Franca de Manaus.
4 - A carga tributária total na China é de 22% do PIB, mas nas Zonas Econômicas Especiais ela é reduzida para 17%. No Brasil, é de 38% do PIB.
5 - Custo trabalhista - Na China é de cerca de 57% além do salário, enquanto no Brasil chega a 103%. Não há 13º salário nem FGTS, as férias são de 10 dias, divididos entre os três mais importantes feriados (ano-novo chinês, 4 dias; aniversário da revolução, 3 dias; e a semana do Dia do Trabalho, 3 dias).
Algumas multinacionais já concedem 30 dias. Quanto ao salário mínimo, há um valor de US$ 73, variando conforme as províncias e as Zonas Econômicas Especiais, que com alimentação e moradia reduzem o valor pago para cerca de US$ 50.
O SEGREDO É A CONFIANÇA
Na China, o governo cumpre o que promete, diz Alaby. "A política econômica chinesa não muda há 30 anos! Assim, os empresários podem fazer previsões a longo prazo. E por isso continuam investindo. Só no ano passado, foram US$ 72 bilhões, acima da primeira estimativa de US$ 60 bilhões!"
Logicamente, os pontos negativos da China são: a falta de transparência nas decisões governamentais, a falta de credibilidade na contabilidade das empresas e a pirataria de marcas e processos de produção de vários produtos estrangeiros.
E no Brasil? "Ora, ora,Tamer, não se consegue planejar nem para um ano..." E Alaby conclui com ironia: "Os grandes investidores analisam esses dados - principalmente o da solidez das regras - antes de tomar qualquer decisão. A conclusão é que há um grande número de empresas brasileiras indo para a China e por enquanto não há empresas chinesas querendo investir no Brasil".
O dramático é que, enquanto isso, Brasília fica observando tudo com a mesma passividade com que o Brasil jogou com a França...