A delação funcionou
Cabeça dos sanguessugas depõe
por nove dias, acusa sessenta
parlamentares e entrega papéis
provando o depósito das propinas
Alexandre Oltramari
O escândalo dos sanguessugas, que veio a público há dois meses, acaba de entrar numa nova fase – mais decisiva e mais comprometedora. Até agora, sabia-se que uma farta leva de parlamentares era suspeita de receber propina para destinar recursos do Orçamento à compra de ambulâncias superfaturadas. Sabia-se, ainda, que o esquema chegou a ser aplicado em seis estados, tendo movimentado 110 milhões de reais nos últimos cinco anos, conforme estimativa da Polícia Federal. A grande incógnita sempre foi o número – e a identidade, é claro – dos parlamentares envolvidos no esquema. A lista já sofreu variações brutais. Começou com o suposto envolvimento de quinze parlamentares, mas, à medida que novos depoimentos eram colhidos, foi crescendo, crescendo e chegou perto de 300 – mas sempre com base em acusações sem provas. Na semana passada, o caso mudou de patamar. O empresário Luiz Antonio Vedoin, 31 anos, um dos donos da Planam, a empresa que comandava o esquema, depôs ao longo de nove dias, acusou 57 deputados e três senadores – e entregou provas concretas.
Beto Barata/AE |
Vedoin, da Planam: tudo documentado |
Em troca do benefício da delação premiada, que concede perdão ou abrandamento da pena ao réu que colabora com a Justiça, Luiz Antonio Vedoin, o maior operador do esquema, revelou a verdadeira dimensão do caso ao juiz Jeferson Schneider, da 2ª Vara Federal de Cuiabá. Em seu depoimento, que foi transcrito em 150 páginas, ele contou que havia duas formas de pagamento aos deputados – em dinheiro vivo ou em depósitos bancários. Vedoin confirmou o que outras testemunhas já haviam dito: os pagamentos eram feitos dentro do Congresso Nacional, aonde o dinheiro chegava em malas, nas meias e até nas cuecas. Era a forma preferida pelos parlamentares, pois não deixa rastro. A novidade é que Vedoin entregou provas documentais sobre a outra forma de pagamento – a bancária. São extratos e comprovantes de depósitos, além de dezenas de números de contas-correntes em nome de membros da quadrilha. Os papéis mostram que houve casos de deputados que chegaram a receber as propinas em suas próprias contas bancárias, embora a maioria preferisse que o dinheiro fosse depositado em contas de parentes ou de assessores.
"Nunca se reuniu tanta prova contra tanta gente sobre um crime tão conhecido como o desvio de dinheiro do Orçamento federal", afirma Mário Lúcio Avelar, o procurador da República que comanda a investigação do caso em Cuiabá. As provas entregues por Vedoin, que somam 150 páginas e foram reunidas em seis cadernos, devem dar novo impulso ao caso dos sanguessugas, que só ganhou uma CPI depois do empenho pessoal de um punhado de deputados, em especial Fernando Gabeira, do PV do Rio de Janeiro. Antes do depoimento de Vedoin, já havia suspeitas, levantadas por documentos apreendidos pela PF, sobre o envolvimento dos deputados João Caldas, do PL do Acre, e Nilton Capixaba, do PTB de Rondônia. Caldas foi acusado de receber 70.000 reais de propina. Capixaba é suspeito de ter embolsado 400.000 reais. Os dois, no entanto, permaneciam em seus postos como membros da direção da Câmara dos Deputados. Somente na semana passada, com o depoimento de Vedoin e sua pilha de provas, é que João Caldas e Nilton Capixaba pediram licença dos cargos.
Como que para comprovar que a atual legislatura entrará para os anais como a mais enlameada da história, o caso começa a avançar também sobre o Senado – uma casa que escapou incólume da sujeira do mensalão. Até então, o único senador suspeito de enredar-se com a máfia dos sanguessugas era Ney Suassuna, líder do PMDB e padrinho político de nomeações de peso no governo de Lula. Seu nome foi mencionado diversas vezes em conversas telefônicas mantidas por membros da quadrilha e monitoradas pela polícia. Além disso, um assessor do seu gabinete chegou a ser preso. Agora, com o depoimento de Vedoin, apareceram mais dois senadores: Magno Malta, do PL do Espírito Santo, e Serys Slhessarenko, do PT de Mato Grosso. Além de Vedoin, os três senadores também foram acusados por uma testemunha que, na semana passada, prestou depoimento à CPI dos Sanguessugas. Todos os senadores negam envolvimento na fraude. Quando as provas documentais de Vedoin começarem a vir a público será possível saber quem está falando a verdade.