"De quantos anos de escolaridade precisará um funcionário da empresa finlandesa no Brasil para se equiparar a um colega da matriz?"
"Ecologia é o estudo dos ecos." Essa resposta foi dada em um vestibular. O candidato pode bem haver sido aprovado e estar hoje formado em direito, administração ou o que seja. Muitos bradam indignados contra tal estado de coisas, denunciando o absurdo de permitir que entre no ensino superior uma horda de quase analfabetos. Mas vejamos o outro lado.
A Nokia tem fábricas na Finlândia e também no Brasil. Imaginemos o Alvar, um típico funcionário da fábrica finlandesa, com um curso médio completo (de doze anos). Imaginemos agora o Mané, funcionário da Nokia brasileira. De quantos anos de escolaridade ele precisará para se equiparar ao Alvar do ponto de vista da sua capacidade lingüística e matemática? Por exemplo, para entender tão bem quanto o Alvar um relatório técnico.
Tomemos um graduado do nosso ensino médio público (que dura onze anos). Suponhamos que se forme bacharel em direito. Terá dezesseis anos de escolaridade.
Ilustração Atomica Studio
Mas os dados do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa) mostram que um brasileiro, em média, sabe o mesmo que um finlandês com cinco anos e meio de escolaridade a menos. Tirando cinco e meio dos dezesseis anos, terminamos com dez anos e meio. Em outras e cruéis palavras, se o Mané for bacharel em direito, ainda assim não terá o nível de compreensão de leitura do Alvar, com seu reles diploma de curso médio.
O grande afluxo de alunos aos vestibulares mostra uma reação espontânea da sociedade diante de uma educação pública de péssima qualidade. Os alunos e as empresas que os contratam não têm força para mudar a educação pública. Diante de sua impotência, fazem o que podem. Ou seja, para compensar a fragilidade das escolas, passam mais anos de vida estudando.
Quatro milhões estão no nível superior, para estudar mais quatro ou cinco anos. Pelo que nos dizem as pesquisas, aprendem muito nesses anos adicionais. Seu esforço traz grandes ganhos, mesmo para os mais fracos. Lucram os próprios alunos, as empresas e a sociedade. É infinitamente melhor do que usar esse tempo para assistir a novelas ou tomar chope.
Isso é verdade, desde que paguem a conta de sua educação (em vez de ser alunos de uma universidade pública, que é muito cara para o que dela podem tirar alunos mal formados). Mas não é uma boa opção de política pública, pois alongar a permanência na escola é uma maneira pouco inteligente de substituir uma educação fraca. Contudo, para os atores em jogo – alunos e empresas – é a única opção que resta. Diante do fracasso da escola básica, é o melhor que poderia acontecer.
Ao contrário do que se afirma, com total desconhecimento dos números, os alunos não estão sendo iludidos por promessas vãs de cursos superiores (embora haja públicos e privados de péssima qualidade). De fato, sua renda média ao longo da vida profissional representa 2,7 vezes a de um graduado do ensino médio. E sua probabilidade de ficar desempregado é entre duas e três vezes menor. Trata-se de um grande negócio. Para as empresas também é bom, pois muitos dos diplomados superiores passam a ter a preparação que poderíamos esperar de um graduado do ensino médio, em vez de permanecer semi-analfabetos.
Menos de 20% dos bacharéis em direito passam no exame da OAB. E daí? Simplesmente não serão advogados. Mas, como em muitos outros países – incluindo a França –, o curso de direito é uma excelente formação geral. Ou seja, direito é um curso que também forma advogados.
Fazemos cursos de geometria e história no ciclo básico. Nem por isso seremos geômetras ou historiadores. Antes de tudo, a educação, de qualquer nível, é um processo de desenvolvimento intelectual. Aprendemos a pensar, a ler, a escrever, a usar números. Isso tanto pode ser o resultado de cursar disciplinas como geometria ou história quanto de fazer curso superior de filosofia, direito ou economia.
Em sociedades modernas, a proporção dos que trabalham na área que corresponde ao seu diploma é cada vez menor. Isso já acontece no Brasil, onde bem menos da metade dos graduados exerce a profissão que está descrita no seu diploma (nas áreas sociais, a proporção cai para um quarto dos graduados).
Em suma, o curso superior é uma solução, diríamos, um remendo. O problema está nos níveis anteriores.