11/7/2006
O Brasil constituiu um colchão social atípico: funciona o tempo todo
exposto a um ambiente de fraqueza econômica
NO INÍCIO da década de 1980, o Brasil completava sua transição
demográfica. Em 1950, de cada cem brasileiros, 36 viviam nas cidades
e 64, no campo. Trinta anos depois, esses percentuais já haviam se
invertido: 80 milhões (quase 70% da população) habitavam as áreas
urbanas. A economia em franca expansão alentava a expectativa de
ascensão social dessa massa que deixava as regiões rurais. De 1956 a
1980, o PIB cresceu à média anual de 7,5% (a produção duplicava a
cada década).
O período final do ciclo militar, porém, marcou uma mudança radical
nesse padrão. Nos 25 anos que se seguiram (1981 a 2005), a economia
nacional desacelerou-se abruptamente, tendo, desde então, se
expandido à modesta taxa de 2,1% a cada ciclo de 12 meses (a
permanecer nesse passo, a produção verificada em 1980 só vai se
duplicar em 2014).
É conhecida a tragédia social a que levou a mistura de alta
concentração urbana e sensível perda de fôlego da geração de postos
de trabalho e renda. Frustraram-se expectativas de ascensão social de
uma população jovem. Quebrou-se o pacto intergeracional -implícito na
urbanização acelerada- que prometia emprego, salário e bem-estar nas
cidades aos jovens conforme fossem chegando à idade adulta.
O Estado brasileiro, mais decisivamente depois da instauração da
democracia de massas, teve de buscar meios para lidar com a nova
realidade. São frutos dessa busca o fim da inflação alta, a
universalização do acesso à saúde e à educação e uma rede de proteção
-somatório de iniciativas de várias legislaturas e administrações,
nos âmbitos municipal, estadual e federal- destinada a assegurar
rendimentos mínimos aos mais pobres.
Os esforços vão surtindo efeito. Como mostrou esta Folha na edição de
domingo, de outubro de 2002 a junho de 2006, 6 milhões de eleitores
saíram da classe D/E e migraram para a C. Para tanto, melhoras no
mercado de trabalho e inflação em declínio se somaram a um
incremento, sob o governo Luiz Inácio Lula da Silva, nos programas de
transferência de renda e na política de concessão de aumentos reais
ao salário mínimo.
O problema é que não se vislumbram perspectivas de esses programas
continuarem a aumentar. A expansão dos dispêndios públicos para
transferir renda deu-se à custa da capacidade de investimento em
infra-estrutura do Estado, o que prejudica populações mais pobres: de
2001 a 2004 regrediu, por exemplo, a proporção de domicílios dos 40%
mais pobres com acesso a rede de esgoto ou fossa.
O Brasil constituiu ao longo de mais de duas décadas um colchão
social atípico: funciona permanentemente exposto a uma economia
fraca. Não encontra tempos de bonança, em que pode desinflar e
preparar-se para um novo ciclo ruim à frente. Sem um período razoável
de crescimento vigoroso e geral da renda e do emprego, o modelo não
se sustenta -a sociedade terá cada vez menos recursos para financiá-
lo e só o fará mediante o aumento dos conflitos.