Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, julho 17, 2006

Grande notícia... nos EUA Artigo - JOÃO LUIZ COELHO DA ROCHA


O Globo
17/7/2006

O mundo acompanha com atenção os desdobramentos do caso Enron. Desde o choque provocado pela revelação de sucessivos escândalos, o assunto é constante no noticiário. A condenação dos executivos Kenneth Lay e Jeffrey Skilling, a sentença prevista para setembro, a morte de Lay e a extradição de três executivos de bancos britânicos procurados pela Justiça americana por acusações referentes à quebra da gigante são alguns exemplos. A preocupação com os acontecimentos não é à toa: mais do que a falência de uma grande empresa, trata-se de megacorporação aclamada no mundo inteiro cujas ações tinham o valor inflado em função das mentiras que constavam em seus balanços.

A economia de mercado liberal tem como um dos seus fundamentos justamente o postulado que nem sempre se vê nítido nos estudos sociopolíticos. A saber, a severa e categórica responsabilização, civil ou criminal, daqueles que detêm mais poder e recursos no circuito econômico. É isso que todos esperam do caso Enron.

O mesmo regime que permite, por regras de flexível e aberta criação, produção e circulação econômica, a conquista de grandes ganhos pessoais, também apresenta o peso da capitulação pesada, extremamente severa, para qualquer ato, ou comportamento, que perverta, vicie e não seja leal para com o conjunto orgânico das regras balizadoras do mercado. Sobretudo que não seja leal para os públicos investidor e consumidor que formam a base estrutural do sistema.

Sem a vertente punitiva, o sistema se desprestigia, prostitui e acaba. Para conservar a fé, o cidadão precisa saber que qualquer um pode ser condenado à cadeia, mesmo aquele que ontem estava no auge do poder econômico ou empresarial.

Não é necessário esforço para perceber o quanto estamos distantes desse modelo. Assistimos a dezenas de quebras e liquidações no sistema financeiro nos últimos trinta anos, nas quais praticamente nenhum grande responsável, em cargo de diretoria, foi condenado. Poupadores, investidores, empregados e todos nós — via os rombos previdenciários ali produzidos — fomos lesados nos nossos direitos, enquanto no lado de lá pouco ou nada se viu de punição efetiva.

Chama a atenção, no caso paradigmático da Enron, a diretriz formulada pelo juiz da causa ao júri (nos EUA esses casos vão a júri popular) no sentido de que a eventual decisão condenatória não demandava necessariamente um convencimento pelos jurados de que os indiciados tinham eles próprios praticado os atos ilegais, bastando o convencimento de que eles tivessem se omitido ou feito vista grossa para tais desvios.

Este é o ponto crucial e definidor da lógica jurídico-penal, e mais que isso, do princípio de responsabilização nos casos de grandes empresas. A posição de poder privilegiada desses diretores, supostamente bem remunerados e reconhecidos na comunidade, deve ter por necessário e essencial a contrapartida de uma atitude extremamente séria, diligente, e cuidadosa, diante dos direitos legítimos de tanta gente que deles depende. A um maior poder, exige-se maior dever. Isso é a pedra de toque no verdadeiro regime de livre empresa.

Há um paralelismo imediato com o espaço público. Essa lógica de credibilidade e ética deveria se aplicar aos chamados atores (governantes, legisladores, juízes, funcionários públicos) da dimensão do poder estatal. Infelizmente, isso está muito longe de acontecer no Brasil. Cada absolvição, no plenário do Congresso, desses deputados fartamente indiciados nos recentes escândalos representa um golpe nas estruturas mais básicas da cidadania.

É possível que venhamos a ver muitos desses recém-liberados — pelos seus pares! — de olhos úmidos de emoção e discurso inflamado no palanque. Sem contar a atitude hipócrita da mão direita ao peito enquanto ouviam o Hino Nacional nos jogos da Copa do Mundo. “Sou brasileiro... com muito orgulho... com muito amor...” Ficou difícil ouvir esse estribilho musical (aliás muito fraco melodicamente) nos jogos da seleção. Amor pode ser, afinal é da natureza humana gostar da terra onde se nasceu ou cresceu, mas orgulho, francamente...

Não há nação sem unidade real, pois ela não existe sem sentido verdadeiro de agregação. Tudo isso demanda seriedade e noções claras de limites. Eu posso ter mais, dinheiro ou poder, mas há regras a serem seguidas.

Como se vê nos países mais sérios, ilícitos e fraudes podem acontecer, mas a mão pesada da lei e da Justiça deve vir sempre, quanto mais não seja para desestimular a propagação das tendências ilícitas e para manter a credibilidade e o equilíbrio social da nação.

JOÃO LUIZ COELHO DA ROCHA é advogado.

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