A globalização é um processo excludente. Em vez de resgatar os pobres
da situação em que estão, contribui para ampliação da pobreza.
Esta é uma posição corrente nas rodas acadêmicas, em parte porque se
tornou "politicamente correto" sustentar que "o modelo hegemônico" de
produção e distribuição de riquezas aumenta mais a pobreza mundial.
O professor Xavier Sala-i-Martin, da Universidade de Columbia (Nova
York), reúne informações e análises que, no mínimo, colocam em dúvida
a afirmação de que a globalização seja esse criatório de pobreza.
Ele reuniu e processou as informações oficiais disponíveis e publicou
suas conclusões num estudo intitulado The World Distribution of
Income: falling poverty and convergence (disponível no site
www.columbia.edu/xs23/home.html).
Um dos primeiros problemas com os quais esbarram estudos desse tipo é
a definição do que seja pobreza. A afirmação de que pobre é aquele
que não tem meios físicos mínimos de sobrevivência é quase
tautológica. Há os que entendem que pobre é aquele que não tem acesso
ao mínimo de calorias para sua subsistência. Outros preferem dar a
isso um valor monetário.
O Banco Mundial, organismo internacional criado em 1944, em
dobradinha com o Fundo Monetário Internacional, tem por função
promover o desenvolvimento dos países pobres. Para definir o que é
uma pessoa pobre, adotou um critério que tem alguma dose de
arbitrariedade, mas que se tornou referência em todos os estudos do
gênero: pobre é quem não consegue uma renda pessoal de ao menos 1 ou
2 dólares por dia.
Alguns estudiosos adotaram a média entre esses valores e ficaram com
1,5 dólar por dia. Mas especialistas mais radicais (ou mais
exigentes) adotaram um número mais alto. O professor Lant Prichett,
por exemplo, definiu que pobre é aquele que ganha menos de 15 dólares
por dia. Em todo o caso, o critério do Banco Mundial é o mais aceito.
Sala-i-Martin observa que a questão é relevante até quando se toma o
valor de 1 dólar por dia ao longo do tempo, porque o dólar também
enfrenta a corrosão imposta pela inflação: "Um dólar por dia no ano
2000 correspondia a 340 dólares por ano e em 1985 equivalia a 495
dólares por ano." É fácil entender que a diferença entre a população
que vive com menos de 340 dólares por ano e a que vive com menos de
495 dólares se conta no mundo em centenas de milhões.
À parte essas questões metodológicas, Sala-i-Martin concluiu que,
entre 1970 e 2000, a pobreza no mundo se reduziu significativamente
não só quando comparada à população mundial, mas também quando tomada
em valores absolutos. Dependendo do conceito de pobreza adotado (os
tais 1 ou 2 dólares diários), o número de pobres no mundo caiu entre
212 milhões e 428 milhões de pessoas.
Essa não foi uma redução uniforme, observa ele. Enquanto a pobreza
caiu significativamente na Ásia, especialmente com o crescimento
econômico da China e da Índia, ela aumentou na África ao sul do
Saara. Nos anos 70, nada menos que 80,2% da pobreza se concentrava na
Ásia. No ano 2000, os números se inverteram: 74,5% da pobreza passou
a concentrar-se na África.
No período a que se ateve o estudo, a China resgatou 251 milhões de
pessoas que estavam abaixo da linha de pobreza. A Índia resgatou 145
milhões.
Como China e Índia continuam dando show de crescimento econômico,
esses números só podem ter aumentado nos últimos cinco anos.
Convém relembrar que redução da pobreza, no mundo ou em parte dele,
não é o mesmo que melhora de distribuição de renda. Na China há hoje
menos pobres do que há 35 anos, mas a distribuição de renda piorou
porque a distância entre pobres e ricos aumentou. O exemplo oposto é
o de Cuba, que tem uma quase perfeita distribuição de renda, mas, em
compensação, o país inteiro só empobreceu.
Talvez seja precipitado concluir a partir daí que, ao contrário do
que vêm afirmando os politicamente corretos, a globalização tenda
mais à inclusão das populações pobres no processo de criação e
distribuição de riqueza do que à exclusão. Mas dá para desconfiar
que, apesar das maldades inerentes ao sistema capitalista global, o
número de pobres está mesmo baixando e que mais estudos têm de
aprofundar as análises.