No Planalto

 

Deve-se ao repórter Fabiano Maisonnave a descoberta da última peripécia de José Dirceu. O ex-chefão da Casa Civil esteve na Bolívia nos dias 23 e 24 de abril. Uma semana depois, o companheiro Evo Morales decretou a nacionalização das reservas de gás e de petróleo, impondo a refinarias da Petrobras uma incômoda ocupação militar.

 

Descobriu-se que Dirceu teve reuniões com o presidente boliviano e com políticos de oposição. Embora afastado do governo há um ano, apresentou-se como emissário de Lula. O Planalto negou ter dado procuração a Dirceu.

 

Em nota, o ex-ministro reconheceu que esteve na Bolívia. Negou o encontro com Morales. Disse ter desempenhado "atividades profissionais". E informou que fez outras viagens, sempre "de caráter profissional", aos EUA e ao México.

 

Por delicadeza, ninguém disse ainda o óbvio: de político, de coordenador eleitoral e de funcionário público, Dirceu converteu-se em lobista. Repetindo: o ex-guerrilheiro é hoje um dos mais ativos lobistas em atividade no país. Vale-se de sua experiência governamental e da proximidade com o petismo para fazer negócios.

 

Dirceu voou para La Paz a bordo de um jatinho da MMX, empresa de Eike Batista. O mesmo que foi impedido pelo governo Morales de instalar uma siderúrgica na Bolívia. Em 25 de abril, Eike anunciou que desistira do projeto. Um indicativo de que as investidas de Dirceu foram malsucedidas.

 

Também em abril, Dirceu voara em jato particular para Belo Horizonte. No caminho, desceu em Juiz de Fora para tricotar com Itamar Franco. De novo, falou em nome de Lula. Depois, irritou-se com quem se atreveu a perguntar quem custeara a viagem.

 

Alegou que a aeronave pertencia a um empresário que o havia contratado para fazer uma "consultoria". E subiu no caixote: "Estou indignado com essa invasão de minha privacidade. Não sou ministro e nem deputado. Não devo explicações de minha vida privada. Sou advogado, consultor de empresas (...). Querem que eu pare de fazer política? Como paguei o avião é um problema meu. Faço minhas declarações de renda todo ano e não vou explicar como viajo, como freqüento restaurantes."

 

Ninguém pode negar a Dirceu o direito encher a geladeira como bem entender. Mas o desejo de continuar fazendo política e a mania de apresentar-se como enviado de Lula tornam o ex-ministro uma figura pública. É pena que os negócios do "advogado" e "consultor" não possam ser expostos à luz do sol.

 

Vale lembrar que foi justamente a ausência de "explicações" plausíveis que acomodou Dirceu na constrangedora posição de "chefe de quadrilha" numa denúncia que o Ministério Público levou ao STF. Talvez convenha a Dirceu dedicar-se exclusivamente à sua nova carreira. E não terá mais de dar explicações a ninguém. Só ao fisco, naturalmente.