Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, julho 14, 2006

Dora Kramer - Como o diabo gosta

O Estado de S. Paulo
14/7/2006

Políticos perderam a noção de que é o crime o inimigo comum a ser
combatido

O bate-boca entre políticos de governo e oposição seria apenas
ridículo não fosse antes uma dramática expressão da impotência do
País frente ao crime organizado. Trocam acusações que já freqüentam o
terreno do delírio e apontam soluções inúteis porque ninguém -
candidatos, partidos e sociedade - tem a mais pálida idéia do que fazer.

Enquanto a bandidagem ocupa a cena eleitoral, paralisa o transporte
coletivo em São Paulo, interdita a circulação de candidatos em áreas
dominadas pelo crime no Rio de Janeiro, governo e oposição caem
reféns da armadilha da politização de um assunto de polícia, perdendo
a noção de que o inimigo real é comum e não dá expediente nos
partidos, milita em tempo integral na marginalidade.

O mundo legal briga às tontas e o submundo da delinqüência fornece a
munição aos tontos. É assim que o diabo gosta de ver as coisas.

Um bom ponto de partida para organizar o ambiente de total desacerto
seria a tomada de consciência de que a culpa essencial é do bandido.
É ele que ataca, agride, incendeia, seqüestra, tortura, mata, solapa
a soberania do cidadão, ameaça seu direito à vida, ao trabalho, à
liberdade de ir e de vir.

Uma vez iniciada a conversa nesses termos, quem sabe os homens e
mulheres de responsabilidade pública pudessem começar a entender que
à população pouco interessa se a ineficácia é federal, estadual,
municipal, petista, tucana ou pefelista.

Importa é saber se alguém nesse cipoal de acusadores à deriva tem
conhecimento de causa, disposição, coragem e capacidade de liderança
para apontar o caminho de saída de uma situação construída ao longo
dos anos com a participação de todos: do Estado leniente - por
corrupto ou abúlico - à população subserviente e, sob determinadas
circunstâncias, conivente.

No momento, o debate estacionou em grau sofrível. De um lado, a
oposição insinua conluio entre o PT e facções criminosas para
prejudicar a candidatura de Geraldo Alckmin.

PSDB e PFL acham "muito estranho" ocorrerem tantos ataques em pleno
período eleitoral e vêem manipulação partidária por trás. Muito bem,
não seria o caso, então, de o sistema de inteligência da polícia
paulista já ter transmitido aos superiores do PSDB (partido há 12
anos no comando do Estado) um mapa completo de informações de modo à
oposição apresentar ao público algo mais que ilações?

Se verdadeiras, demandariam ordens de prisão endereçadas ao Diretório
Nacional do PT; se falsas, são passíveis de processo por calúnia e
difamação. E, ainda que seja isso mesmo, as facções continuam lá com
poder de fazer e acontecer, dando verdadeiros bailes nas autoridades
sem que os donos do poder no Estado pudessem impedir a manipulação.

De mais a mais, o argumento é fraco, pois a insegurança pública não é
mazela paulista, é drama nacional.

No Rio de Janeiro, onde outro dia mesmo os jornalistas foram
impedidos pelos capitães do narcotráfico de subir o morro para
acompanhar atos de campanha de candidatos ao governo do Estado. O
fato foi absorvido com a naturalidade das realidades aceitas como
normais.

O caso de São Paulo, principalmente por ser um repique, assustou, mas
o do Rio de Janeiro passou batido, sem abalos de nervos.

De outro lado, o governo federal comandado pelo PT oferece uma falsa
solução, pondo "à disposição" do governo de São Paulo um punhado de
soldados recrutados nas Polícias Militares País afora, integrantes de
uma certa "tropa nacional" que, ao que se saiba, não deu até hoje 15
minutos de serviço em prol do combate efetivo da criminalidade no País.

Se tudo o que o governo federal sabe, ou pode, fazer é pôr tropas à
disposição, perdoe o leitor a comparação extemporânea, mas mais
parece aquele ajuntamento de craques recrutados em times europeus
dizendo-se à "disposição" do "professor Parreira".

Quando não se sabe aonde se quer chegar nem como atingir o objetivo
de resto não definido, não se sai do lugar e se recorre ao insulto
para expiar culpas e aplacar consciências.

O presidente foi particularmente infeliz ao citar o exemplo do
Espírito Santo, que aceitou ajuda federal. Ou ele ignora, ou
propositadamente desconhece que o trabalho de combate ao crime
organizado naquele Estado foi fruto de um longo processo de trabalho
conjunto de forças oficiais com atuação forte do Ministério Público,
que nada tem a ver com a presença de soldados da tropa nacional, uma
peça mais de propaganda que propriamente de resultados.

Há resistências de governadores, temerosos de ceder poder ou de
dividir providências com adversários políticos? É o que mais existe.
O caso do Rio e a briga do casal Garotinho com o Palácio do Planalto
é exemplo típico.

Mas há, sobretudo, falta de empenho do responsável maior pela
política nacional de segurança pública - e aqui se incluem Lula e o
antecessor, Fernando Henrique Cardoso - de enfrentar as resistências,
pegar o touro na unha e tirar os planos do plano das boas intenções
que congestionam o inferno, mas não resolvem nada.


Arquivo do blog