O Estado de S. Paulo
10/7/2006
O futuro do presidente Lula, caso venha a ser reeleito, começa
afinado com seu passado recente no mesmo endereço, ou seja, nos
Correios. Pois foi dali que partiu o tsunami do mensalão que, surfado
por Marcos Valério, revelaria ao País a face impura de um PT
ilusoriamente puro e a farsa de um presidente que se propusera a
“mudar isso tudo que está aí”, mas que falhou em tão gloriosa missão
porque, afinal - teve de confessar -, “não sabia de nada”.
Pois são exatamente os Correios - uma estatal que fatura R$ 8 bilhões
por ano, muito mais do que a vasta maioria das empresas privadas
brasileiras - a prebenda que está sendo entregue ao PMDB, em troca do
apoio que esse santuário de pureza na vida política nacional prestará
à campanha pela reeleição do ignorante traído, ou seja, de quem
ignorava o que antigos companheiros traidores perpetravam em seu nome
à sua volta.
Hoje mesmo, à noite, estará em Brasília, liderado por José Sarney,
Renan Calheiros, Romero Jucá e outros ilustres “lulistas”,
sabidamente de primeira hora, um cordão de cartolas da legenda que
fez da sua história de resistência contra a ditadura uma preciosa
gazua para a abertura de portas de acesso ao proscênio político e às
finanças públicas - a fim, é claro, de administrá-las judiciosamente
e de blindá-las firmemente contra a ação predatória de aventureiros .
Estejamos, pois, seguros de que doravante não haverá filmagens de
propinas sendo transferidas de mãos para bolsos em salas da orgulhosa
e centenária instituição nacional, uma vez que sob a severa
vigilância de próceres peemedebistas isso jamais poderá ocorrer, como
ocorreu sob a frouxa batuta petebista.
Mas deixemos de lado, por enquanto, a análise dessa nada auspiciosa
coincidência de a mesma empresa estatal estar sendo a moeda de troca,
atual e no passado recente, no mesmo tipo de negociação político-
eleitoral. Apenas torçamos para que isso não a leve, de novo, a
funcionar como cornucópia de recursos para a continuada degradação
das relações Executivo-Legislativo e dos nossos costumes políticos em
geral - que, neste primeiro mandato Lula, tiveram um dos seus
períodos mais deploráveis.
Como toda crise tem seu lado positivo, ao menos como oportunidade de
se obter ensinamentos úteis, é preciso acreditar, até certo ponto,
claro, e considerando que no momento ainda é provável que o
presidente se reeleja, que ele tenha saído do inferno astral, em que
viveu no ano passado, com alguma bagagem de novos aprendizados, já
que vive repetindo o mantra “a vida me ensinou que...”
Então, o que será que a vida pode ter-lhe ensinado nesses quatro anos?
A indagação não é despicienda, pois, com quatro anos na Presidência
da República de um país como o Brasil, até mesmo alguém que se
orgulhe de ser inculto, e acredite que isso o qualifique como
pitonisa das aspirações populares, há de absorver mais do que apenas
o necessário para falar sobre futebol.
Uma das lições que podem ter serventia num eventual segundo mandato é
que o “maquiavelismo” de almanaque é receita certa para produzir
resultados exatamente opostos àqueles a que Maquiavel se propunha com
seus conselhos. O “maquiavelismo” rombudo de um companheiro tido como
grande formulador e sábio articulador quase levou o presidente ao
impeachment, de que se livrou graças à sua inegável boa estrela e à
inépcia dos adversários. Acreditemos, então, que Lula terá redobrada
precaução em acolher novos conselhos, supostamente “maquiavélicos”,
de velhos companheiros que agora estão a cargo da operação da ralada
e rarefeita máquina petista. E que, aliás, se dispõem - como fica
claro até em entrevistas dadas aos jornais - a vestir uma camisa-de-
força no reeleito presidente, tecida com um programa do partido para
o governo e do qual dizem não abrir mão.
Outro dos conhecimentos que vêm sendo absorvidos nos últimos quatro
anos é que, na administração da economia, pertinácia, persistência e
estabilidade dão lucro. Até mesmo Lula reconhece os lucros que está
obtendo das boas políticas que plantou nessa área. Em termos de
controle da inflação - que começa a ser o fato talvez mais importante
da História do Brasil, não só econômica, nos últimos 50 anos
(afirmação que vale uma explicação em outra oportunidade) -, não há
dúvida. Mas também em termos de melhoria da renda, do emprego, das
condições de planejamento (familiar e empresarial), das perspectivas
de desenvolvimento. Pouco comentado tem sido o fato de que, até mais
da metade do atual mandato, Lula foi praticamente refém de Palocci,
no sentido de que se demitisse o ministro criaria dificuldades
insuperáveis para o seu governo.
Quando Palocci saiu nada aconteceu de grave. Por quê? Porque já então
os agentes econômicos se tinham convencido de que era Lula que
garantia aquela política econômica.
Neste momento, os gastos com a campanha eleitoral e algumas
demagogias com o funcionalismo público, com a expansão do crédito
etc., estão suscitando novas dúvidas sobre o tirocínio do presidente
neste terreno. Mas ainda não houve tempo para desarranjos graves em
conseqüência dessas extravagâncias e, decerto, não haverá até as
eleições. E para um eventual segundo mandato ele sabe o que aprendeu
nesta área no primeiro: por exemplo, que política monetária, de juros
e de câmbio não são temas plebiscitários a serem decididos pelo povo
nas praças.
Mais um conhecimento que pode ter sido absorvido é que fama
internacional não se traduz automaticamente em liderança efetiva.
Aspirações grandiosas se perdem facilmente se não têm clareza nem
operacionalidade. Sugestões exóticas sobre angariar recursos para
combater a fome no mundo, sobre como tornar mais eqüitativo o
comércio mundial, sobre formação de blocos de países pobres para
equilibrar a hegemonia dos países ricos, sobre integração da América
Latina desgastam rapidamente o prestígio com que qualquer novo
dirigente apareça na cena internacional. Assim como as alianças e
amizades repentinas com parlapatões travestidos de revolucionários. O
front diplomático do atual mandato Lula tem colhido muito mais
embaraços do que avanços.
Também há lições na questão das más companhias internas. Há que estar
no espírito do presidente que certas “ONGs”, a que deu status,
trabalham muito mais contra ele - vandalizando propriedades,
laboratórios, o Congresso Nacional - do que contribuindo para a causa
que supostamente abraçaram, no caso, a da reforma agrária.
Esses fatos todos constituem preciosas lições. Se houve realmente
aprendizado e terá desdobramentos positivos, é outra história.