O Estado de S. Paulo
10/7/2006
A inflação rodando a faixa dos 4% ao ano, com a atividade econômica
crescendo no ritmo de 4% anuais, está muito bom, não é mesmo?
Acrescente-se aí que o rendimento real dos trabalhadores está
crescendo 5% em comparação com o ano passado e que a oferta de
emprego sobe moderadamente. Mais ainda: o crédito às pessoas físicas
continua em alta, com queda dos juros e ampliação do número de
prestações, o que abre o universo dos consumidores capazes de comprar
uma TV ou um computador.
Não é de estranhar que os consumidores estejam bastante animados,
conforme indicou a pesquisa divulgada na sexta-feira pela
Confederação Nacional da Indústria (CNI). Sem entrar nos detalhes do
índice, basta registrar que a mais recente avaliação - 2 mil pessoas
entrevistadas entre 9 e 13 de junho - mostrou que o otimismo do
consumidor está com viés de alta e atingiu o melhor momento desde
agosto de 1996, quando todos ainda curtiam o novo real.
Para completar a visão do quadro macroeconômico se deve acrescentar
que as contas externas continuam com bons resultados. Os enormes
superávits do comércio externo - gerados pelo fortíssimo crescimento
da economia mundial - permitiram ao País acumular dólares e, assim,
praticamente matar a dívida externa e a dívida interna dolarizada.
Dado o tamanho das reservas - US$ 60 bilhões - e considerando a
redução dos pagamentos externos, mesmo que ocorra uma grave crise
internacional os efeitos sobre o Brasil tendem a ser limitados.
Por exemplo, não existe a menor chance de o governo ser obrigado a
voltar ao Fundo Monetário Internacional (FMI). Se ocorrer uma
desvalorização forte do real, isso não vai aumentar o endividamento
público, ao contrário, por exemplo, do que ocorreu em 2002.
Pode-se argumentar que o Brasil está crescendo menos que muitos
outros países emergentes, o que é verdade. Mas também é correto dizer
que o Brasil de hoje está melhor que o de ontem, crescendo mais, em
ambiente macroeconômico mais equilibrado.
Há um problema grave nas contas públicas, mas ainda não aparece no
radar de curto prazo. O governo federal está aumentando pesadamente
os gastos, em todos os itens, de maneira insustentável. Mas como, por
enquanto, a arrecadação de impostos também está crescendo, o governo
consegue pagar tudo e ainda fazer o superávit primário equivalente a
4,25% do produto interno bruto (PIB), dinheiro destinado a pagar
juros e assim manter o endividamento público em queda.
Portanto, quando se faz o check list da situação econômica atual, o
Brasil passa bem.
Será enorme o peso disso nas eleições presidenciais, especialmente
porque a atividade econômica tende a esquentar no segundo semestre.
Ou seja, o tucano Geraldo Alckmin terá de contar uma história muito
boa para convencer os eleitores de que Lula não merece um segundo
mandato. Se as pessoas votam com o bolso, então a tendência dos
eleitores brasileiros será pela continuidade.
Alckmin pode abrir uma discussão de paternidade. A política econômica
em vigor é, sem tirar nem pôr, a continuação perfeita e melhorada da
que foi lançada nos dois governos FHC: responsabilidade fiscal e
superávit primário introduzidos em 1998; regime de metas de inflação
com Banco Central autônomo, de 1999; câmbio flutuante, também de
1999. Políticas econômicas dão resultados cada vez melhores se
aplicadas com persistência ao longo do tempo - e a atual vem sendo
construída há quase 13 anos.
E aqui a situação ficou curiosa. O presidente Lula pode dizer que
teve o bom senso de manter e aperfeiçoar uma política. Mas ele não
quer esse mérito. Ao contrário, sustenta que as coisas só melhoraram
a partir de 2003 - e baseia o argumento no péssimo desempenho
econômico de 2002: inflação de 12,5%; crescimento de 1,9%; taxa
básica de juros a 25% em dezembro; desemprego perto de 12%; risco
País a 1.400 pontos, ante os 240 de hoje.
Os números são todos corretos, mas mostravam o risco Lula - ou seja,
a desconfiança de que Lula, recém-eleito, mudasse a política
econômica para algum tipo de populismo à Chávez ou Morales. Na
verdade, em 2002, a situação econômico-financeira se deteriorou na
exata medida em que Lula consolidava sua vitória.
Como ele foi mudando a conversa no final da campanha e depois de
eleito, e como, no governo, não apenas manteve como reforçou a
política econômica, a história voltou a seu curso normal, agora
apoiada por um incrível momento de expansão da economia mundial.
Alckmin pode dizer, portanto, que as bases de tudo são tucanas, mas
isso mudaria a cabeça do eleitor? Este talvez não se interesse pelo
tema. E, mesmo que se interessasse, poderia dizer: tudo bem, mas o
cara - Lula - tocou direitinho.
Assim, Alckmin está preferindo atacar ao menos alguns aspectos da
política econômica, por exemplo, os juros altos e o dólar barato.
Erra o alvo. Os juros estão caindo e o crediário, se ampliando. Tudo
bem que 3% ao mês é muito alto, mas para o cidadão que não tinha
crédito está melhor que antes, sobretudo se a prestação, mais
espaçada, cabe no orçamento. E o dólar barato está derrubando preços,
inclusive de computadores, finalmente chegando às classes C e D.
Em resumo, o debate de política econômica não é um bom campo de
disputa para o tucano. O que, em tese, poderia até melhorar a
campanha de todos.
Em países estáveis, as bases de política econômica não estão em
discussão. Todos estão de acordo que não pode ter inflação, que o
governo não pode gastar além de um certo limite, que as contas
externas precisam estar equilibradas e a dívida deve ser reduzida.
Isto posto, discutem-se educação, saúde, segurança. E, claro, como
aperfeiçoar a macroeconomia. E aqui, sabem o que nos falta? Duas
coisas: um programa de redução do gasto público (incluindo,
especialmente, a reforma da Previdência) e forte abertura às
importações. Mas, provavelmente, serão os temas menos debatidos.
*Carlos Alberto Sardenberg é jornalista. Home page:
www.sardenberg.com.br