Entrevista:O Estado inteligente

domingo, julho 16, 2006

Cristovam Buarque fala:Não é a economia, estúpido no mínimo | Política & Cia.



Quando Cristovam Buarque fala, é bom prestar atenção. Ele não tem o dom da verdade, mas tem duas outras coisas não muito comuns no meio político: franqueza e conhecimento. O senador é possivelmente o candidato a presidente mais original das últimas eleições. Sem ser exótico ou bancar o alternativo, Cristovam apresenta, pela primeira vez em muitos anos, um discurso consistente que não traz a economia como centro do universo.

E há um problema grande para os críticos: Cristovam entende de economia. Desclassificá-lo como romântico ou despreparado, portanto, não dá. O candidato é do PDT (ex-PT) mas não tem nada a ver com as utopias voadoras de Brizola e Darcy Ribeiro. Ele tem os pés no chão, e quando propõe mais dinheiro para a educação, mostra na ponta do lápis que não está saindo um milímetro da responsabilidade fiscal. Um discurso duro na queda.

O candidato do PDT acha que as linhas gerais da política econômica iniciada por Fernando Henrique e continuada por Lula estão corretas, não há muito o que inventar. Não se espere dele comícios inflamados contra os juros altos. “Baixar os juros não é um ato de vontade. Isso depende do equilíbrio das contas públicas, é aí que o presidente entra. Taxa de juros é assunto do Banco Central”, sentencia Cristovam, a voz mais sóbria da esquerda. Nada de modelos economicistas salvadores. A revolução, para ele, está em outro lugar.

O senador acha que a falha capital dos últimos governos tem sido procurar a resposta certa à pergunta errada. O Brasil pensa no seu salto de crescimento olhando para as chaminés da economia. “A porta da modernidade não é mais a indústria. É a escola”, diz Cristovam. Ninguém hoje em dia discorda de que educação é prioridade nacional. Uma prioridade estranha, mais falada do que exercida. Cristovam Buarque tem um plano para libertá-la do lugar comum.

A plataforma do candidato do PDT é um choque social. Diferentemente dos surrados “choque de gestão”, “choque de capitalismo” etc, que significam tudo e nada ao mesmo tempo, esse é um choque com identidade, CPF e endereço fixo. Em lugar das palavras de efeito, medidas concretas. Um pacotão inteligente, que para mostrar que não é delirante, já vem etiquetado com o preço: 1,75% líquido do Orçamento da União.

De saída, um decreto presidencial obrigando à abertura de vagas nas escolas públicas a toda criança acima de quatro anos de idade. O então chefe da Casa Civil, José Dirceu, disse que essa era uma medida muito cara, quando Cristovam teve a idéia, ainda ministro da Educação. Cristovam já tinha tudo na ponta do lápis, e mostrou que se tratava de um pequeno investimento para revolucionar o país. Ficou falando sozinho, sobre essa e outras idéias, até ser demitido por telefone pelo presidente Lula.

Na origem de sua queda estavam os superpoderes de Dirceu. Ele se sentia um subministro, já que todas as propostas sofriam o crivo da Casa Civil, restando-lhe quase nenhuma autonomia administrativa. Com sua franqueza e seu conhecimento, Cristovam botou a boca no trombone. Evidentemente, caiu em desgraça. Não saiu atirando, mas tocou na ferida, referindo-se à pouca renovação trazida pelo governo Lula: “O governo FHC vai ficar na história como o da aliança entre empresários paulistas e trabalhadores paulistas. O do Lula poderá ficar como o da aliança dos trabalhadores paulistas com os empresários paulistas. Só mudou o eixo”, disparou, em entrevista à revista “Época”.

Cristovam Buarque acha que é preciso mais imaginação no poder. E a imaginação às vezes é um ovo de Colombo. Ele acha que a falta de preparo do jovem brasileiro para entrar no mercado de trabalho se deve, em boa medida, à falta de uma boa passagem pelo ensino médio, o que por sua vez ocorre freq6uentemente por falta de oportunidade: “Os municípios não oferecem escolas de ensino médio gratuitas porque não há essa obrigatoriedade fixada em lei”, mostra Cristovam, propondo a instituição dessa obrigatoriedade.

Dessa, e de uma série de outras. Sempre em sintonia com a Lei de Responsabilidade Fiscal - porque ter boas intenções imaginando um paraíso orçamentário é fácil - o candidato do PDT propõe uma Lei de Responsabilidade Educacional. Uma série de princípios básicos em torno do ensino no país se tornariam metas obrigatórias para os governantes, com penalidades severas para o seu descumprimento, inclusive perda de mandato e prisão. Não há na proposta delírio de gastos exorbitantes ou preciosismo acadêmico. Cristovam não está brincando.

Entre as medidas para tirar a educação do reino da retórica está o projeto da Poupança Escola. Trata-se da criação de um fundo de investimento para incentivar a permanência das crianças e adolescentes no ambiente escolar por um prazo longo - isto é, uma medida contra a evasão. O atrativo do projeto é dar ao aluno a expectativa de receber uma quantia em dinheiro ao completar, com aproveitamento, os níveis de ensino fundamental e médio. Isso reduziria a pressão pela busca precoce de emprego. O fundo teria recursos públicos e privados.

Assim como o Poupança Escola, parte das propostas do candidato do PDT está sendo semeada por ele mesmo no Senado. Entre as que já foram aprovadas em primeira instância está a educação para presos, projeto que determina a instalação de salas de aula nos presídios. O preso não perde o direito à educação, e Cristovam aposta que a entrada firme do ensino fundamental e médio nas cadeias mudaria completamente o ambiente vivido pela população carcerária. O projeto prevê também o ensino profissionalizante nas prisões.

Cristovam quer tornar o Brasil, em cinco anos, um território livre do analfabetismo. Seu projeto, segundo ele, custa por ano metade do que o Estado gasta com reparações aos perseguidos políticos. É uma ampliação do Bolsa Alfa, programa que implantou quando era governador do Distrito Federal (1995-1998), em que o governo comprava a primeira carta escrita em aula pelos ex-analfabetos.

Se este e os outros cálculos de Cristovam Buarque estiverem certos, o Brasil está finalmente diante de uma plataforma eleitoral consistente e, talvez, revolucionária. Não mais a revolução que se encerra com a conquista do poder, mas a que se inicia no primeiro dia de governo.

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