O GLOBO
Nas novelas, as histórias de redenção têm em geral um final piegas. Na vida real, nem sempre, como a de José Dirceu. Ao escolher o caminho mais arriscado, quando poderia ter apelado para a renúncia, a exemplo do que fizeram ao longo do tempo tantos de seus colegas, ele se redimiu, senão de todos os pecados, que foram muitos, pelo menos dos da soberba e da arrogância. Deve ter custado muito a seu ego operar essa conversão e postar-se ali como um humilde penitente.
Ao contrário dos espetáculos políticos encenados nesses últimos meses, todos com ar de farsa, a cassação foi o único em que houve, não digo tragédia, mas um drama em que o "herói", para se manter no Olimpo, lutou contra as forças irremediáveis do destino sem pedir clemência ou piedade. Ele teve um fim digno, sem choro nem vela. Até o discurso de despedida pode ter sido enfático, mas não lançou mão dos recursos lacrimejantes das CPIs. O ex-todo poderoso chefe da Casa Civil mereceu, inclusive da oposição, o respeito que lhe era devido, quando nada pela forma como lutou nesses últimos meses.
Dirceu precisava ser cassado para o bem da política e da Câmara. Muitos dos que votaram contra ele não olharam para o relatório, mas para as ruas, cada um querendo garantir a própria reeleição. Atrás dos rostos compungidos, havia um não confessado alívio, algo como "antes ele do que eu". Até as três bengaladas funcionaram como aviso para o que poderia acontecer a todos se não houvesse a punição.
Ele repetiu como um mantra que não havia provas, e é provável mesmo que não tenha sido condenado pelos fatos, e sim, como disse alguém, pelo conjunto da obra. O que interessa, porém, é que ele sabia que nos julgamentos políticos, como são os da Câmara, é assim. O argumento mais forte contra sua alegação foi apresentado na sessão, quando se mostrou uma declaração de 1994, em que Dirceu, fazendo campanha pela cassação de Ricardo Fiúza por corrupção, afirmou que "o que é público e notório dispensa provas".
O que acontecerá agora? Alguns deputados temem que a condenação abra um precedente que dará início a um efeito dominó. O próprio Dirceu acredita nessa hipótese, como chegou a admitir em off para a imprensa. Já a doce radical Luciana Genro, do P-Sol, acha que o seu ex-correligionário e atual adversário foi condenado para livrar a cara de Lula — segundo ela, o verdadeiro culpado pelo mensalão — e proteger os que estão a perigo na Câmara. De fato, feita a catarse e segundo o costume da Casa, pode acontecer que José Dirceu se transforme numa espécie de cordeiro de Deus, aquele que tira os pecados do mundo.