Entrevista:O Estado inteligente

sábado, dezembro 03, 2005

Luiz Garcia Até o próximo jogo

O GLOBO

Acontece nos melhores times. O armador, quando quer, tem a bola literalmente a seus pés; o artilheiro, se desejar, manda-a para o canto que escolher — até mesmo aquele em que a coruja dorme.

Estranhamente, mesmo com esses craques no time, o time mais empata do que vence, mais perde do que merece. Porque a dupla não se entende, mal conversa. A arquibancada inteira sabe que nenhum dos dois entra em campo para pôr azeitona na empada do outro.

Só o técnico pode dar um jeito na situação. Qualquer ajudante de massagista sabe o que ele deve fazer: chamar as duas estrelas a um canto, soltar meia dúzia de palavrões para animar a conversa e dar ordens: você vai fazer assim e assim, e você fará assado e assado. Seria ótimo se um concordasse com o outro, mas o que interessa mesmo é os dois saberem que quem manda aqui sou eu — e eu sei direitinho o que quero e como quero.

Se o moço entende do ofício e o resto do time garante, está resolvido o problema. Mas nada disso acontecerá se a conversa do técnico for papo de bom moço: não sei mesmo qual é o caminho certo para o gol — mas tenho certeza de que todos respirarão melhor aqui no clube se pelo menos vocês tiverem uma boa conversinha em particular e pararem de falar mal um do outro em público.

Em Brasília, o time governamental anunciou outro dia que funcionou direitinho a receita da macia conversa a sós entre os ministros Antonio Palocci e Dilma Rousseff. Não mais se terá notícias de divergências públicas, e foi anunciado um "acordo de procedimentos" entre ambos.

Quem sabe o que é um acordo de procedimentos, cartas para a redação, por favor. Certamente não quer dizer que os dois ministros passaram a ver a realidade com os mesmos olhos, começarão a agir taticamente da mesma forma e têm seus objetivos hierarquizados na mesma ordem.

Tampouco sequer foi insinuado que ambos teriam adaptado suas visões estratégicas e táticas sobre os problemas nacionais àquela que se imagina defendida pelo presidente.

Não seria mesmo simples. De Lula se conhecem bem os sonhos, a biografia sofrida, as belas lutas sindicais — e muito pouco ou nada sobre a visão do governo a longo prazo, a hierarquia dos problemas e dos projetos, a noção das limitações, o senso de timing e por aí afora.

Bom, pelo menos por enquanto os craques estão pacificados — mas treino é treino. Vamos esperar o próximo jogo.


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