Entrevista:O Estado inteligente

sábado, dezembro 03, 2005

VEJA Marcos Valério continua na ativa

Ele quebrou, mas conta é nossa

O operador do mensalão, Marcos Valério,
se afunda em dívidas, fecha suas agências
e deixa um buraco de mais de 70 milhões
de reais para o contribuinte


José Edward

 

Nélio Rodrigues/1º Plano
Marcos Valério: a DNA quebrou. A SMPB tem novo nome, mas continua a mesma

As investigações sobre o esquema do mensalão arruinaram as agências de publicidade DNA Propaganda e SMPB Comunicação, usadas pelo lobista Marcos Valério Fernandes de Souza para repassar dinheiro a deputados da base aliada do governo e financiar o PT. As duas estão fechando as portas em Belo Horizonte. O futuro da DNA é desaparecer por completo. Há seis meses, a empresa tinha 120 funcionários, faturava 200 milhões de reais por ano e encabeçava o ranking do mercado publicitário mineiro. Depois que o escândalo estourou, a DNA perdeu contas de órgãos públicos, como o Banco do Brasil e o Ministério do Trabalho, e teve de fechar seu escritório em Brasília. Em seguida, perdeu também as contas de empresas privadas, como a Odebrecht e a rede de concessionárias Fiat, que temiam ser atingidas pelo escândalo. Hoje, não tem mais clientes. Funciona com apenas doze empregados, encarregados de liquidar as operações da agência. Seus porta-vozes afirmam que a empresa indenizará todos os funcionários antes de encerrar suas atividades. Valério e seus sócios, Francisco Castilho e Margareth Queiroz, só não terão dinheiro para pagar o que devem aos contribuintes.

No fim do ano passado, a DNA foi multada em 63,3 milhões de reais pela Receita Federal. O Fisco entendeu que a agência burlou a legislação do imposto de renda, do PIS e da Cofins. Os problemas tributários começaram quando os fiscais da Receita detectaram que a movimentação financeira da agência era incompatível com seu faturamento. O volume de CPMF recolhido pela empresa só poderia ser explicado se ela recebesse depósitos bancários de caixa dois, como foi confirmado pelas investigações da CPI dos Correios. A DNA também foi multada em 9,6 milhões de reais pelo INSS, que encontrou irregularidades em seus contratos de trabalho. A empresa recorreu aos tribunais para não saldar seu débito com o governo. Trata-se de mera formalidade. Como está quebrada, mesmo que perca a disputa na Justiça, não pagará nada.

Já a turma de Valério na SMPB tenta contornar a crise usando um expediente maroto. A SMPB também perdeu todos os clientes e vai desaparecer. Já demitiu cerca de oitenta de seus 100 funcionários. Os que sobraram estão encarregados de serviços burocráticos. Mas a SMPB deixará uma sucessora. Cristiano Paz, um dos sócios de Valério na agência, fez uma nova investida no mercado publicitário. Abriu a Filadélfia Propaganda em sociedade com dois antigos funcionários da SMPB. Os equipamentos, a maioria dos empregados e até os móveis pertenciam à antiga SMPB. Muitos dos antigos clientes seguiram o sócio de Valério em sua empreitada. Fundada há menos de dois meses, a Filadélfia tem as contas de propaganda de catorze empresas. Entre elas, a siderúrgica Usiminas, que, no ano passado, repassou dinheiro de caixa dois para as campanhas a prefeito de Belo Horizonte de Roberto Brant, do PFL, e de João Leite, então candidato do PSB. A única diferença entre as duas agências é que a cria da SMPB aparentemente não trabalhará para governos. A conferir.

A transferência das operações da SMPB para uma empresa de outro nome começou a ser arquitetada em julho, quando o escândalo afugentou os principais clientes da agência na área governamental. A empresa perdeu sucessivamente as contas dos Correios, do Ministério do Esporte, da Câmara dos Deputados e do governo de Minas. Para não recomeçar do zero, Paz comprou os direitos sobre a Junot, uma agência de fundo de quintal pouco conhecida em Belo Horizonte. O publicitário trocou o nome da empresa para Filadélfia e transferiu-a para um endereço chique. Agora, o sócio de Valério faz de tudo para que esqueçam que ele já teve qualquer relação com a SMPB. "Essa associação pode destruir meu novo negócio", explicou por meio de sua assessoria de imprensa.

Mesmo desativadas, a DNA e a SMPB devem continuar a ser fonte de dores de cabeça para Valério. Um relatório da Polícia Federal entregue à CPI dos Correios na semana passada trouxe uma nova avalanche de falcatruas tributárias. A PF descobriu que as agências imprimiram 80.000 notas fiscais falsas. Sim, você leu certo, leitor: 80.000 notas fiscais falsas! Descobriu-se que quatro delas, pelo menos, foram usadas para que empresas e órgãos públicos justificassem repasses de dinheiro às empresas de Marcos Valério. E o ex-deputado José Dirceu ainda diz que não há provas da corrupção petista...

A aventura do carequinha espertalhão no mundo da publicidade começou em 1996, quando a SMPB estava à beira da falência. O lobista procurou Cristiano Paz, que já era dono da agência, e se ofereceu para arranjar-lhe um sócio. Valério apresentou Clésio Andrade, dono de empresas de ônibus, à SMPB. Hoje vice-governador de Minas, Andrade topou injetar 1,5 milhão de reais no negócio. Tornou-se dono de 40% das cotas da SMPB e deu 10% da empresa a Valério. Um ano depois, o lobista soube que a DNA, a principal concorrente da SMPB, também atravessava uma crise financeira. O lobista convenceu Clésio Andrade a fazer uma operação idêntica à realizada com a SMPB. Novamente, Andrade ficou com 40% das cotas e entregou 10% a Valério.

 

Ana Araujo
Renilda: a crise do mensalão entrou na casa de Valério e seu casamento quase terminou

Em 1998, Andrade resolveu vender suas participações para se candidatar a vice-governador de Minas na chapa do tucano Eduardo Azeredo. Valério comprou suas cotas. "Como as agências prestavam serviços ao governo mineiro, temi que minha ligação com elas pudesse ser explorada por adversários durante a campanha", afirma Andrade. De fato, seus adversários falaram sobre as agências durante a campanha, mas não conseguiram evitar que a SMPB financiasse a chapa encabeçada por Azeredo. Embora não tivesse mais vínculos formais com as agências, Andrade orientou Valério a tomar um empréstimo de 9 milhões de reais no Banco Rural e repassar o dinheiro para a campanha de Azeredo. Com Andrade longe dos negócios, o neopublicitário enriqueceu. Entre 1997 e 2004, seu patrimônio saltou de 230.000 para 14 milhões de reais. Depois que o escândalo estourou, Valério afastou-se da administração das agências.

Hoje, o operador do mensalão está refugiado no escritório de consultoria Tolentino Melo, do qual é sócio. Passa a maior parte do tempo reunido com os advogados Marcelo Leonardo, Paulo Sérgio Abreu e Silva e Rodolfo Gropen, encarregados de sua defesa. Estima-se que os serviços da equipe jurídica lhe custarão cerca de 3 milhões de reais – algo como 100 mensalões, cuja unidade de referência, por assim dizer, era 30.000 reais. Em casa, sua situação é pouco confortável. Sua mulher, Renilda, entrou em depressão e o ameaçou com o divórcio. Só parou de falar no assunto em setembro, quando o pai de Valério, Adeliro, morreu. No último mês, Renilda disse a amigos que conseguiu superar a depressão.

Na última semana, Valério teve um de seus maiores dissabores desde que a crise estourou. O lobista se sentiu traído quando soube que a Petrobras renovou o contrato de publicidade do marqueteiro Duda Mendonça. Valério esperava que prevalecesse a opinião do presidente da estatal, José Sérgio Gabrielli, que queria rescindir o contrato de Duda. Quando soube que a decisão de manter o contrato era do Palácio do Planalto, teve um ataque de fúria: "Contraí um empréstimo para dar dinheiro ao PT. Eles não me pagaram, rescindiram meus contratos e mantiveram os do Duda. Eles me deram um tapa na cara".

Arquivo do blog